Desde o final de maio, com mais de cem casos da varíola dos macacos reportados em uma dúzia de países, autoridades sanitárias brasileiras sabiam que a circulação de pessoas traria o vírus imediatamente ao País.
Quase dois meses depois de confirmar o primeiro caso, o governo paulista anunciou na semana passada um plano que prevê alguma testagem e assistência aos pacientes.
Além de tardia, a reação é insuficiente, considerando que São Paulo registra 75% dos mais de dois mil infectados no Brasil até o momento.
Países como Estados Unidos, França e Reino Unido já iniciaram a vacinação das pessoas altamente expostas e dos contatos próximos de quem foi diagnosticado positivo.
Por aqui não se sabe quais vacinas e para quem serão disponibilizadas, nem como andam as compras ou remessas internacionais.
A notícia, vaga, é que, por meio da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), chegariam doses ao Brasil nas próximas semanas – sem data prevista de distribuição na rede pública do SUS.
Ainda não há campanhas de prevenção em curso, são poucos os laboratórios para testes no País e faltam agilidade e transparência na contagem pública dos casos.
Como se sabe, a grande maioria das infecções até agora se deu entre homens que fazem sexo com homens, embora tenham sido notificados casos em crianças, adolescentes e mulheres grávidas.
O Monkeypox pode ser transmitido durante relações sexuais, mas qualquer pessoa que tenha contato físico com alguém infectado corre risco de contrair a doença. É a proximidade entre as pessoas e o número de contatos próximos que favorecem a disseminação.
Médicos têm alertado que muitos transmitem o vírus sem saber, pois são assintomáticos ou apresentam sintomas leves, que se confundem com outras doenças.
Sem imunização, é dada como certa a dispersão para outras regiões e grupos populacionais, se consideradas as condições sociais que envolvem a alta prevalência de doenças infecciosas em geral no Brasil, o que vai de moradias precárias a presídios superlotados.
Essa realidade exigiria uma abordagem unificada nacional, seguindo as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), que acionou seu nível mais alto de alerta, a emergência de saúde pública de interesse internacional.
A providência dificilmente virá do governo federal depois do desmonte das áreas técnicas nos últimos anos e da adoção do negacionismo como método para esconder problema de saúde pública inconveniente em véspera de eleição.
Por enquanto, apenas uma comissão técnica foi criada na Anvisa para avaliar testes, medicamentos e vacinas à medida que a agência receba pedidos de registro. Também foi publicada uma nota técnica do Ministério da Saúde, com orientações para gestantes e lactantes.
Combinação explosiva, a omissão governamental se junta à homofobia.
A nova crise sanitária é um prato cheio para a extrema direita, que está em campanha pró-Bolsonaro, estimulando a discriminação contra pessoas LGBTQIA+ e os ataques planejados a políticas públicas voltadas a essa população.
A contaminação do ambiente social por homofobia e transfobia pode ser medida pela régua de um juiz da 15ª Vara Criminal de Brasília.
Em decisão na sexta-feira (5/8), o magistrado banalizou a declaração preconceituosa do ex-ministro da Educação, Milton Ribeiro, para quem a homossexualidade é produto de famílias “desajustadas”.
A desinformação que circula sobre a varíola nas redes sociais traz consequências inimagináveis.
Na caça aos “vilões”, houve até retaliação aos macacos, com maus tratos e morte de animais. A Sociedade Brasileira de Primatologia teve de vir a público para enfatizar que a nomenclatura “varíola dos macacos” é inadequada, pois não existe participação de primatas não humanos na transmissão.
Já a cruzada homofóbica gera confusão e pânico. Faz com que humanos desconheçam sua real vulnerabilidade, ficando menos propensos a buscar serviços de saúde, relatar sintomas e informar contatos.
Autoridades e ONGs têm surgido confusas e inseguras. Preocupadas em falar da doença de maneira não estigmatizante, usam termos evasivos, descartam urgência ou gravidade, evitam mencionar quem demandaria proteção imediata do poder público.
Paralelos vêm sendo traçados com a epidemia da aids nos anos de 1980 e a forma como algumas populações foram violentamente discriminadas no início.
Diferentemente do HIV antes do tratamento antirretroviral, a varíola dos macacos dificilmente mata. Mas o preconceito é semelhante.
O problema, antes, não era direcionar campanhas às pessoas mais afetadas, mas, sim, o fato de as mensagens serem absurdas, moralistas, julgadoras da orientação e do comportamento sexual.
O discurso que interdita a prevenção dirigida, viu-se há mais de trinta anos, é também perigoso, pois impede que muitas pessoas tenham acesso a informações para tomar decisões que dizem respeito às suas vidas e a sua saúde.
A saída encontrada no passado, que serve de lição, foram medidas de combate à estigmatização, baseadas na ciência e nos direitos humanos, que incluíam os mais vulneráveis como parte da solução.
A grande diferença do momento atual é que a doença, felizmente, tem vacina e cura.
É preciso exigir um plano de enfrentamento e vacinação contra o Monkeypox no Brasil, um direito e uma urgência nacional.
*Viomundo
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