O governo de Jair Bolsonaro está sendo criticado por delegações estrangeiras por ter esvaziado uma resolução proposta na ONU pela defesa da privacidade e contra a vigilância ilegal. Diante de escândalos como o do uso do Pegasus por parte de autoridades, a esperança nas Nações Unidas era de que o texto que será submetido à votação viesse com determinações significativa para tentar impedir o uso de tais mecanismos por parte dos estados, além de uma abertura de uma investigação.
Na condição de anonimato, diplomatas estrangeiros apontaram que uma resistência do Brasil em aceitar esse caminho levou a resolução a ganhar apenas uma versão mais suave no Conselho de Direitos Humanos da ONU, sem determinar moratórias para o uso de instrumentos de vigilância ou a abertura de processos formais de investigação.
Desde as escutas ilegais realizadas pelo governo americano contra líderes internacionais, entre elas Dilma Rousseff, Brasil e Alemanha assumiram a iniciativa de apresentar anualmente uma resolução na ONU para insistir sobre a necessidade de que a privacidade seja respeitada e tratada como um direito humano.
Neste ano, porém, a pressão de diferentes governos era de que o texto da resolução também trouxesse elementos sobre os sistemas de espionagem.
Mas quando a primeira versão do rascunho da resolução foi apresentada, negociadores e diplomatas lamentaram a ausência de qualquer tipo de referência a uma condenação contra o uso por parte do estado de instrumentos eletrônicos de espionagem. Segundo a coluna apurou, o motivo para a ausência de uma linguagem mais forte foi a recusa do governo brasileiro em defender tal medida.
Na condição de patrocinador principal da resolução, o governo brasileiro tem influência decisiva na redação do texto.
O Itamaraty explicou, em nota à reportagem, que o Brasil é coautor da resolução sobre privacidade na era da internet tanto no Conselho de Direitos Humanos na ONU, assim como na Assembleia Geral da ONU.
“O texto do projeto acordado pelo grupo central do Conselho de Direitos Humanos contém parágrafos que tratam de problemas ligados à indústria privada da vigilância e outros tópicos”, disse a chancelaria brasileira.
De acordo com o Itamaraty, o texto da resolução pede que a Alta Comissária para os Direitos Humanos faça um relatório sobre “os desdobramentos recentes no tocante ao direito à privacidade na era digital, inclusive no que concerne ao tema de “vigilância”.
“Com relação ao texto em discussão, o Brasil pondera que resoluções sobre privacidade relacionadas à ação estatal, inclusive “vigilância de estado”, deveriam ser examinadas no âmbito da Assembleia Geral da ONU.
“Desse modo, as resoluções no Conselho de Direitos Humanos e na Assembleia Geral da ONU tratariam de diferentes aspectos, igualmente importantes, relacionados à proteção do direito à privacidade”, afirma.
Dentro da ONU, a iniciativa é considerada como insuficiente. Nesta semana, o comissário de Justiça da UE, Didier Reynders, afirmou diante do Parlamento Europeu que a Comissão Europeia “condena totalmente” as supostas tentativas dos serviços de segurança nacional de acessar ilegalmente informações sobre oponentes políticos através de seus telefones.
“Qualquer indicação de que tal invasão de privacidade realmente ocorreu precisa ser investigada minuciosamente e todos os responsáveis por uma possível violação têm que ser levados à justiça”, disse. “Esta é, naturalmente, a responsabilidade de cada um dos estados membros da UE, e espero que no caso do Pegasus, as autoridades competentes examinem minuciosamente as alegações e restabeleçam a confiança”, completou.
O Pegasus, sofisticado programa de espionagem israelense, virou notícia no mundo por ter sido utilizada por governos para espionar jornalistas, ativistas e inimigos políticos dos chefes de estado. Segundo um consórcio de 17 jornais de dez países, ao menos 180 jornalistas chegaram a ser monitorados por meio do sistema Pegasus.
No Brasil, depois de revelações do UOL em maio sobre o lobby feito pelo vereador carioca Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) pelo sistema, a fornecedora abandonou licitação do Ministério da Justiça e Segurança Pública. O sistema também despertou interesse de procuradores da agora extinta força-tarefa da Lava Jato.
A resolução será colocada à votação no início de outubro, em Genebra.
*Jamil Chade/Uol
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