Ano: 2020

Wassef e Flávio Bolsonaro articularam a indicação de Kassio Marques para o STF

O advogado e Flávio Bolsonaro levaram o nome de Kassio como sugestão ao presidente para a vaga no STF.

O nome do indicado à próxima vaga do Supremo Tribunal Federal (STF), Kassio Marques, chegou a Jair Bolsonaro através de um esforço conjunto entre o advogado Frederick Wassef e o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), segundo fontes próximas ao Palácio do Planalto.

Wassef já trabalhou na defesa de Flávio e foi denunciado recentemente pela Lava-Jato do Rio de Janeiro. Há alguns meses, o advogado teve um encontro com o desembargador do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, quando o magistrado ainda estava em campanha para o Superior Tribunal de Justiça (STJ). Wassef e Flávio Bolsonaro então levaram o nome de Kassio como sugestão ao presidente para ser indicado ao STF.

Procurado, Wassef disse que não irá comentar o tema. Kassio Marques também foi questionado e não se pronunciou. Pessoas próximas aos dois confirmaram que o encontro entre Wassef e o futuro ministro ocorreu quando a vaga ao STF ainda não estava em discussão. A informação de que Wassef recomendou o nome de Kassio a Bolsonaro foi publicada pelo site “O Antagonista” na semana passada e confirmada pelo GLOBO.

Em uma “prévia” da sabatina com senadores na manhã desta terça-feira, Kassio Marques foi perguntado sobre ter sido indicado por Wassef. Ele desviou da pergunta e insinuou ser fantasiosa a versão que circulou de que o presidente do PP Ciro Nogueira (PI) teria levado seu nome ao presidente, mas sem citar o nome do senador. Ao criticar a “criatividade” da imprensa, disse não estar se referindo a Wassef.

— Eu cheguei a ver na imprensa uma assertiva de que uma determinada pessoa me levou ao presidente e o diálogo que foi travado. Em que pese o sofrimento que eu tenho passado esses dias, é um momento hilário do dia porque eu não sei a quem atribuir tanta criatividade. Não foi esse exemplo que o senhor citou (de Frederick Wassef), foi um outro caso de um parlamentar que teria me levado e consta na imprensa o diálogo, o que eu disse, o que ele falou.

Entre Wassef e Kassio Marques, há também afinidade nas ideias. Em 2019, Kassio escreveu sobre uma decisão do ministro do STF Dias Toffoli que favoreceu Flávio Bolsonaro. Publicado na revista “Justiça & Cidadania”, o artigo elogia a decisão que suspendeu, a pedido de Wassef, investigações com dados do Coaf (Conselho de Administração de Atividades Financeiras) compartilhados sem autorização do Judiciário.

“Embora o combate à criminalidade seja um norte que oriente qualquer comunidade que se pretenda organizada, tal meta política não pode ser dissociada, no emprego de instrumentos para a sua consecução, de princípios fundamentais, que tutelem a dignidade da pessoa humana”, escreveu Marques sobre o compartilhamento de dados do Coaf.

O desembargador critica no artigo a vertente de pensamento “utilitarista”, segundo a qual a eventual violação à privacidade no compartilhamento de dados do Coaf seria justificada pelo bem-estar coletivo. Diz ainda que essa visão do direito parece ser “adotada por grande parte da mídia brasileira”.

Depois de ser apresentado a Bolsonaro e receber formalmente o convite para se tornar ministro do STF, o indicado contou com o aval do presidente do PP, o senador Ciro Nogueira (PI), e de outros líderes do Congresso e ministros de Cortes superiores. O Palácio do Planalto o apresentou a senadores como uma indicação de Ciro e Flávio.

Ainda na conversa com senadores na manhã desta terça-feira, Kassio disse que a imprensa “não consegue descobrir” quem o indicou e garante que a escolha “foi exclusiva do presidente Bolsonaro”.

— Quanto à questão da indicação, o que eu posso asseverar é que foi exclusiva do presidente Bolsonaro. Há um ditado antigo em Brasília que diz que quando a imprensa ultrapassa cinco nomes como padrinhos de indicados é porque realmente não consegue descobrir.

 

*Natália Portinari e Naira Trindade/O Globo

 

Frota entrega à PF dados que ligam Eduardo Bolsonaro pessoalmente ao esquema de fake news

Deputado afirma que endereços eletrônicos do filho do presidente foram identificados.

Dados da CPMI das Fake News mostrados pelo deputado Alexandre Frota (PSDB-SP) à Polícia Federal ligariam Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) pessoalmente ao esquema de ataques virtuais contra opositores da família.

Em depoimento à Polícia Federal prestado na semana passada, no dia 29 de setembro, e obtido pelo Painel, Frota levou diversos números de IPs de computadores de Brasília e do Rio que teriam sido identificados como participantes de ações de disseminação de fake news na internet.

Segundo o parlamentar, os IPs estão ligados a um email oficial do filho do presidente.

O Painel procurou Eduardo Bolsonaro, que não respondeu até a publicação da reportagem.

De acordo com Frota, as informações foram obtidas na CPMI das Fake News, ainda em andamento no Congresso.

Segundo os dados levados à PF, alguns dos IPs foram identificados em computadores localizados em um imóvel no Rio de Janeiro na avenida Pasteur, no apartamento declarado por Eduardo à Justiça Eleitoral.

Um outro IP foi relacionado à uma casa no Jardim Botânico, em Brasília, onde o deputado mora.

O email identificado na utilização dos IPs, de acordo com Frota, é o [email protected], o mesmo declarado por Eduardo no registro de sua candidatura em 2018.

Reportagem publicada em março no UOL mostrou pela primeira vez vínculos do gabinete de Eduardo Bolsonaro com ataques virtuais.

Atualmente fora do ar, a página Bolsofeio tinha como principais alvos os ministros do Supremo Tribunal Federal, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e jornalistas. Ela também convocava manifestações contra o STF e a favor de Bolsonaro.

A reportagem mostrou que a página foi criada a partir de um computador localizado na Câmara dos Deputados e foi registrada a partir de um telefone utilizado pelo secretário parlamentar de Eduardo Bolsonaro, Eduardo Guimarães.

As informações foram enviadas pelo Facebook à CPMI das Fake News no Congresso, a partir de um pedido de quebra de sigilo referente a contas feito pela comissão.

O depoimento de Frota foi colhido pela PF no inquérito que apura atos antidemocráticos. A investigação corre no STF, sob os cuidados de Alexandre de Moraes.

 

*Com informações da Folha

 

Farsa da meritocracia cria ressentimento explorado por populistas como Trump e Bolsonaro

Mérito é uma farsa. É assim que Daniel Markovits, professor de Direito na Universidade de Yale com um currículo invejável, começa seu livro “The Meritocracy Trap” (A armadilha da meritocracia, em tradução livre).

Se criticar a meritocracia não é novidade, o trabalho de Markovits chama atenção não só pela argumentação ao mesmo tempo profunda e acessível, mas principalmente por apontar que esse sistema não é bom nem mesmo para a elite.

De um lado, ele diz, a classe média não consegue pagar pela educação exclusiva da elite e fica excluída dos melhores salários, status e vantagens. De outro, os ricos têm enormes ganhos financeiros, mas levam vidas desgastantes e mais exigentes do que tinham as elites no passado.

Em entrevista à BBC News Brasil, Markovits explica os mecanismos pelos quais, na visão dele, a meritocracia gera desigualdade, cria ressentimento na classe média, e abre caminho para o populismo.

“A meritocracia produz uma elite que diz servir ao interesse público, mas que, na verdade, serve a si mesma. Dessa forma, o que faz é dar a todo o restante da sociedade uma razão poderosa para desconfiar das elites. E um elemento do populismo é a desconfiança em relação às elites”, diz.

Britânico, que passou os anos entre os Estados Unidos e a Inglaterra (e que conta adorar o Brasil), Markovits tem dois diplomas da Universidade de Yale, um da London School of Economics, além do doutorado na Universidade de Oxford. Entre as áreas de atuação, estão os fundamentos do direito privado, filosofia moral e política, e economia comportamental.

E o que Markovits diz sobre os constantes exemplos de pessoas que saíram de condições muito adversas e tiveram sucesso?

“A desigualdade que venho descrevendo é sistêmica, estrutural, mas não é absoluta. É sempre possível para as pessoas — ou por serem excepcionalmente talentosas ou por serem excepcionalmente sortudas — sair da armadilha”, diz. “Uma sociedade justa e eficiente não faz suas regras e políticas básicas com a exceção em mente, e sim com a maioria das pessoas em mente.”

O livro de Markovits sairá no Brasil pela Editora Intrínseca, mas ainda não tem data de publicação definida.

Leia os principais trechos da entrevista:

BBC News Brasil – A primeira frase do seu livro é: mérito é uma farsa. Como você define mérito?

Daniel Markovits – Mérito ou meritocracia é a ideia de que as pessoas devem se destacar não com base na classe social de seus pais, mas com base em suas próprias conquistas — em quão produtivas e habilidosas elas são. O problema do mérito na nossa sociedade é que se tornou um sistema fechado e auto sustentável em que ocorre o seguinte: as elites dão educação aos seus filhos de uma maneira que ninguém mais consegue pagar. Aí, as pessoas que têm acesso a essa educação incrível que ninguém mais consegue pagar, transformam o mercado de trabalho de forma que os trabalhos que pagam os melhores salários são exatamente os que exigem as habilidades que só a educação mais cara proporciona.

É um sistema fechado. Não estamos tratando das pessoas que vão bem na escola na maioria da sociedade, estamos falando de quem faz o seu melhor de acordo com um conjunto de padrões construídos especificamente para favorecê-las. É por isso que o mérito é uma farsa.

BBC News Brasil – Quais são as particularidades do ideal meritocrático em países com altos índices de desigualdade, como o Brasil?

Markovits – Tem dois pontos importantes. O primeiro é que em um país como o Brasil há muita desigualdade não-meritocrática — ou seja, uma desigualdade aristocrática antiga, em que elites herdam grandes propriedades ou outros tipos de capital. De forma hereditária, simplesmente. Ao mesmo tempo, o Brasil também tem uma classe profissional cada vez mais bem paga, como banqueiros e advogados que ganham muito dinheiro supostamente por suas habilidades. E é aqui que a meritocracia causa problema.

Em um estudo feito no Reino Unido, mas que reflete o que também ocorre em outros países, economistas mediram qual é o retorno para a sociedade de cada libra paga em salário para trabalhadores como lixeiro ou enfermeiro. O resultado é que, para cada libra paga a um professor, cuidador ou lixeiro, a sociedade tem 10 libras como retorno. Por outro lado, se olhar o advogado ou o banqueiro, o resultado é que os salários privados são maiores que os benefícios sociais. Assim, as pessoas que são supostamente super qualificadas, com salários enormes, na verdade produzem menos do que recebem. Enquanto isso, trabalhadores supostamente menos qualificados produzem benefícios sociais muito maiores que seus salários.

Em geral, você pensa que seu salário é seu mérito, mas é muito confuso e muito injusto.

BBC News Brasil – E o que você chama de herança meritocrática?

Markovits – Nos EUA, se você calcular a diferença entre o que uma família da elite investe na educação de seus filhos — taxas escolares, professores particulares, entre outros — e o que uma família da classe média investe e aplicar esse valor extra a cada ano no mercado de ações, isso dá muito mais que US$ 10 milhões por filho. No modelo aristocrático, isso seria a herança.

E é claro que esse investimento compensa. Apenas um a cada 75 americanos sem diploma de ensino médio terá ganhos ao longo da vida tão altos quanto a média de um advogado.

Todo esse dinheiro investido em capacitação dá às pessoas diplomas sofisticados, que geram enormes rendas, que, por sua vez, são investidas nos filhos e continua o ciclo em que a elite controla as vantagens.

BBC News Brasil – Mas, de tempos em tempos, vemos casos incríveis de pessoas que saem de condições muito pouco promissoras e conquistam posições consideradas de sucesso. Como você os explica?

Markovits – A desigualdade que venho descrevendo é sistêmica, estrutural, mas não é absoluta. É sempre possível para as pessoas — ou por serem excepcionalmente talentosas ou por serem excepcionalmente sortudas — sair da armadilha, partir de circunstâncias modestas e chegar a conquistas gigantes. Mas política social tem que ser feita para pessoas comuns, não para pessoas excepcionais. Uma sociedade justa e eficiente não faz suas regras e políticas básicas com a exceção em mente, e sim com a maioria das pessoas em mente.

BBC News Brasil – Você aponta que a meritocracia também prejudica os ricos. Como ela pode ser ruim para todos? E como você diferencia os efeitos para a classe média e a elite?

Markovits – A forma pela qual a meritocracia prejudica os mais pobres e a classe média é que, na hora de decidir quem entrará em uma vaga na universidade ou em um emprego, as pessoas com mais treinamento, cujos pais gastaram o que ninguém mais consegue gastar, terão os melhores resultados. Se você não é rico, não vai conseguir ter a melhor educação e será muito difícil entrar na elite por conta própria.

Por outro lado, todo esse treinamento que as crianças ricas têm não é divertido para elas, que estão sempre recebendo aulas particulares, lições de casa… Escolas particulares de elite nos Estados Unidos geralmente dão a alunos de 12 ou 13 anos até 5 horas de lição de casa. Você é constantemente testado. E a competição se tornou tão intensa que ter pais ricos não garante que você vai vencer.

Você também pode ser excluído, mesmo que tenha nascido com privilégios. Por exemplo, na década de 1990, a Universidade de Chicago admitia 75% dos candidatos. Este ano vai admitir 6%. Então, os ricos estão constantemente preocupados em serem excluídos e, quando eles conseguem esses altos empregos, os trabalhos exigem 70, 80 até 100 horas semanais de trabalho. Os ricos tornam-se uma espécie de mecanismo de sua própria exploração. É claro que eles ficam muito ricos com isso, mas não é uma vida divertida, significativa ou cheia de bem-estar. É uma corrida destrutiva, que prejudica até mesmo aqueles que a vencem.

BBC News Brasil – E quando você diz a estudantes da elite, como em Yale, que eles também estão nessa ‘armadilha’, como eles reagem?

Markovits – Uma das mudanças mais significativas na sociedade dos EUA nos últimos anos é que, há 20 anos, estudantes da elite se sentiam muito bem sobre si mesmos. Sentiam que mereciam suas vantagens e ansiavam por uma vida em que teriam admiração, riqueza e sucesso. Hoje, estudantes da elite estão incertos, com medo, e conscientes de que suas vantagens custam a exclusão de outras pessoas, e têm uma forte sensação de que pulam de desafio em desafio e não querem a vida dessa forma. Parece um pouco com 1968, no sentido de que os jovens privilegiados estão frustrados. E todas as outras pessoas na sociedade, que têm sido excluídas, estão ainda mais frustradas, com mais raiva e têm a sensação de que o sistema é prejudicial e injusto com elas. Acredito que os jovens veem o que está acontecendo e são uma força poderosa de transformação. Enquanto gerações anteriores queriam se tornar a estrutura de poder, os jovens de hoje querem desfazer a estrutura de poder.

BBC News Brasil – Nesse contexto, como você vê ações afirmativas como as políticas de cotas raciais nas universidades?

Markovits – Nesse ponto, os EUA e o Brasil têm semelhanças: são duas sociedades que foram construídas com base na escravidão e em uma incrivelmente brutal ordem de casta racial. É importante entender que essas formas de escravidão eram terríveis inclusive para os padrões de escravidão, em Roma, na Grécia antiga, na Europa medieval. Não era bom ser um servo ou escravo na França ou em Roma, mas ser um escravo nos Estados Unidos significava não ser considerado uma pessoa pela sociedade, era ser posse de uma pessoa. Era muito mais brutal. E o motivo pelo qual eu aponto isso é que os EUA e o Brasil ainda estão, necessariamente, no processo de reconhecer as formas de exploração racial que construíram esses países. E isso é separado da exploração econômica. Não é o caso de entender raça nos Estados Unidos ou no Brasil apenas pela lente de classe. E o que as ações afirmativas fazem é um pequeno passo para responder a séculos de uma brutal injustiça racial.

BBC News Brasil – O que você chama de “maternidade meritocrática”? Esse sistema afeta mulheres e homens de maneiras diferentes?

Markovits – Sim. Um exemplo específico mostra um fenômeno geral: na Faculdade de Direito de Yale, as mulheres são metade das turmas; nos mais requisitados escritórios de advocacia dos EUA, elas também são metade dos advogados iniciantes, mas se você analisa os profissionais em cargo sênior nesses escritórios, em torno de uma em seis ou uma em dez serão mulheres. Elas são metade nos primeiros anos da carreira, mas há uma grande queda nos estágios mais avançados. Por quê?

Há várias razões — assédio sexual no ambiente de trabalho, várias formas de injustiça de gênero no trabalho… Mas uma razão muito forte para isso é que em uma meritocracia, na qual a elite precisa educar seus filhos de forma intensa para manter o status familiar na próxima geração, isso exige pais extremamente qualificados para criar a criança meritocrática. Investir dinheiro não é suficiente. Você tem que direcioná-la de forma inteligente, ajudá-la quando se sentir estressada ou com incertezas, tem que ajudar na lição de casa e ensiná-la a trabalhar duro desde cedo. E essas são coisas que pais fazem melhor que ninguém — e, em um mundo sexista, quem ficará com essa tarefa será a mãe. Então o que você vê são mulheres da elite que têm uma educação tão elaborada quanto a dos homens, que começam carreiras fortes, e deixam o chamado mercado de trabalho para trabalhar como treinadoras para seus filhos. Afinal de contas, se você está em uma meritocracia, ser pai/mãe é um papel produtivo, porque produz o capital humano da próxima geração. Então essas mães são trabalhadoras meritocráticas. Essa é uma ação racional em uma sociedade meritocrática, mas tem uma gigantesca desigualdade de gênero associada.

É verdade que o período da gravidez e os primeiros meses após o nascimento são fases em que as mulheres quase que necessariamente têm um trabalho desproporcionalmente maior, mas acredito que o maior ponto aqui é o enorme esforço e atenção exigidos nos próximos 20 anos da vida desse filho. E isso é algo que poderia muito bem ser feito igualmente bem por homens ou mulheres.

Um dado interessante é que, se você quiser que a sociedade equilibre o trabalho doméstico entre homens e mulheres, uma das melhores formas de fazer isso é reduzir as diferenças salariais. Quando os profissionais mais bem pagos não têm salários tão maiores que as pessoas que recebem menos, homens ficam muito mais propensos a cuidar das crianças, porque em um mundo sexista os homens conquistam seu status com base no salário.

BBC News Brasil – O que o populismo tem a ver com a meritocracia?

Markovits – Há pelo menos duas conexões. A primeira é que a meritocracia produz uma elite que diz servir ao interesse público, mas que, na verdade, serve a si mesma. Dessa forma, o que a meritocracia faz é dar a todo o restante da sociedade uma razão poderosa para desconfiar das elites. E um elemento do populismo é a desconfiança em relação às elites. E vemos isso de forma concreta, como no exemplo dos banqueiros que colocaram a sociedade na crise financeira de 2007-2008. São pessoas que publicamente declaravam ser as mais inteligentes do mundo — que estavam empregando pessoas e construindo capital para todos, fortalecendo a economia -, mas que, na verdade, construíram riquezas gigantescas para eles mesmos e quase nada para os demais.

Outro ponto é que há uma espécie de psicologia obscura da meritocracia. O que expliquei antes, sobre a educação incomparável da elite, é uma forma de exclusão estrutural. Se você nasceu na classe média e não entrou na universidade ideal ou não conseguiu o melhor trabalho, a razão não tem a ver com você, individualmente, mas tem tudo a ver com estruturas de riqueza, poder e exclusão em uma sociedade meritocrática.

No entanto, o que a meritocracia faz é contar uma história que faz parecer que uma exclusão estrutural é, na verdade, uma falha individual. A meritocracia diz à pessoa que não passou na USP ou em Harvard que se ela tivesse sido um pouco mais estudiosa e dedicada, ela teria passado — ou seja, é culpa dela.

Há uma psicologia política muito sombria que aparentemente justifica a desvantagem. Se as suas desvantagens parecessem sem justificativas, imorais, naturalmente você procuraria argumentos sobre por que isso precisa mudar.

Mas se suas desvantagens parecem ser justificadas, isso produz raiva, ressentimento, e outros aspectos do populismo são a raiva, o ressentimento e a política destrutiva.

Dessas duas formas, a meritocracia cria as patologias que os populistas podem explorar e vemos isso nos Estados Unidos e também no Brasil, com Bolsonaro, que está jogando exatamente esse jogo.

Bolsonaro usa o ressentimento para desencadear batalhas culturais que, na verdade, não são as batalhas centrais das vidas das pessoas, a fim de conseguir apoio a uma espécie de autoritarismo em que ele vai atravessar todas essas elites e produzir quaisquer que sejam os resultados que ele se propôs.

BBC News Brasil – E para as eleições dos EUA, quais são os efeitos desse fenômeno que você descreve?

Markovits – A vitória de Trump em 2016 está muito conectada a esse fenômeno. Ele é exatamente o populista que levanta suspeita sobre as elites, que levanta a psicologia sombria das desvantagens para finalidades ainda mais obscuras. O trumpismo é um sintoma da desigualdade que eu descrevo.

No entanto, também acredito que a sociedade americana também começou a entender isso. A classe média nos EUA está entendendo que o que a prejudica não são imigrantes, não são pessoas negras, e sim uma estrutura econômica que mantém a classe média excluída dos bons empregos e vantagens. E acredito que inclusive a elite americana está começando a entender que não merece essas vantagens. Vemos isso no ciclo eleitoral.

Diferente de 2016, quando a sensação era de que Hillary Clinton não entendia por que Trump era tão popular, nesta eleição temos a sensação de que o Partido Democrata, e particularmente Joe Biden, entende o que está acontecendo e está fazendo uma campanha que fala com a classe média.

Estou otimista em relação ao futuro, de que a sociedade está cada vez mais entendendo o que deu errado estruturalmente e construindo vontade política para tratar isso. O tempo vai dizer.

BBC News Brasil – A própria palavra mérito é frequentemente citada por políticos. Neste mês, o ministro da Fazenda do Brasil, Paulo Guedes, usou o termo mérito ao defender a necessidade de maiores salários no topo do funcionalismo, como para o presidente e ministros do Supremo Tribunal Federal. Como você analisa o uso desse conceito na política?

Markovits – Isso é complicado. Há vários dados que mostram que, pelo menos para as pessoas mais ricas, salários mais altos não são necessários para que trabalhem. Elas continuarão a trabalhar mesmo que não recebam tanto assim.

Ao mesmo tempo, há um problema diferente que é o fato de a meritocracia ter criado uma diferença salarial gigante entre o que as pessoas podem ganhar no setor privado e no público. Por exemplo, na Inglaterra, em 1900, os salários mais altos eram de funcionários públicos. Se você quisesse ser rico no setor privado, tinha que ser dono de propriedades, você não ficava rico trabalhando. A forma de ficar rico trabalhando era ter um trabalho no governo.

Hoje o secretário do Tesouro dos Estados Unidos provavelmente ganha US$ 250 mil por ano, enquanto o presidente do JP Morgan talvez receba US$ 25 milhões por ano. Um juiz talvez ganhe US$ 200 mil por ano, enquanto um advogado sócio de um escritório muito lucrativo talvez ganhe US$ 5 milhões em um ano.

Os trabalhos públicos não pagam nem perto do que a iniciativa privada paga. E isso leva a uma grande migração de pessoas em empregos públicos para o setor privado e a uma questão de política de influência. Quando pessoas que trabalhavam no governo e vão para empresas privadas, grande parte do que fazem é usar suas conexões no governo para obter tratamento favorável.

Então salários mais altos para cargos no setor público que o ministro mencionou não resolveriam este problema. Não seriam altos o suficiente. Para solucionar essa diferença, seria necessária intervenção regulatória para reduzir esses salários extremamente altos no setor privado. Não há uma boa razão para um presidente de um banco receber US$ 25 milhões por ano.

BBC News Brasil – Como um homem britânico, com dois diplomas de Yale, um doutorado em Oxford, como você se vê nesse sistema que descreve?

Markovits – Eu ataco um sistema que de muitas formas me beneficiou e não escondo isso. Mas a natureza desse argumento não tem a ver com um depoimento pessoal. Não estou argumentando baseado em minha experiência. O que o meu livro faz e o que faço nesta entrevista é descrever fatos e conectá-los a causas econômicas, fazendo conclusões morais sobre eles.

BBC News Brasil – Considerando todos os danos da meritocracia que você mencionou, qual é a solução? Existe uma forma de realmente premiar esforço e dedicação de cada um?

Markovits – Temos dois pontos a serem trabalhados. O primeiro é democratizar a educação, com grandes investimentos públicos para educar mais gente e uma série de reformas para dificultar que escolas privadas se tornem tão exclusivas — ou seja, estimular essas escolas a terem mais alunos e mais alunos da classe média, dificultando que os ricos separem seus filhos no âmbito da educação.

Nos EUA, por exemplo, essas escolas privadas são organizadas como entidades filantrópicas, então elas têm isenção de imposto. Assim, o governo poderia retirar essas isenções se elas não tiverem diversidade econômica entre os alunos. Na Alemanha, Berlim proibiu creches de cobrar mais de 8 euros a mais, por mês, do que o Estado paga, então a cidade tornou quase impossível ter creches exclusivas incríveis. A melhor forma de fazer dependerá da política, Constituição e ordem social de cada país, mas é necessário pressionar a educação da elite para que essas escolas se tornem mais abertas.

O outro ponto está no mercado de trabalho: é preciso favorecer trabalhos da classe média. Isso exige inúmeras políticas diferentes, uma delas são os impostos. Nos EUA, a renda do trabalho da classe média é mais tributada do que qualquer outra renda. Outra é ter representação sindical em conselhos de empresas. Poderia inclusive haver um ministro da classe média, para promover os interesses desse grupo.

Politicamente, o ponto central é o seguinte: o sistema que temos hoje não ajuda ninguém. Não é bom para a classe média, que é excluída em termos de renda, status e vantagens. E também não é tão bom mesmo para os ricos, que têm enormes ganhos financeiros, mas não têm vidas que os tornam felizes. Politicamente, o ponto central é todo mundo perceber que todos nós temos algo a ganhar mudando esse sistema.

BBC News Brasil – O Brasil reformou a legislação trabalhista. De um lado, o governo disse que a ideia era flexibilizar as relações de trabalho. De outro, sindicatos argumentaram que seria uma precarização do trabalho. Um mercado de trabalho mais rígido ou mais flexível afeta a desigualdade?

Markovits – O que os neoliberais chamam de um mercado de trabalho flexível produz desigualdade. É realmente importante para a igualdade que os trabalhadores possam obter treinamento no trabalho e progredir dentro de suas empresas. E, quando você tem um mercado de trabalho flexível, fica muito difícil para as empresas treinarem seus trabalhadores, porque se uma faz isso, um concorrente dela vai contratar essas pessoas treinadas. Então, o que acontece é que ninguém treina e os profissionais que estão na base continuam na base.

 

*Lais Alegretti/BBC Brasil

 

 

Vídeo: Até Caio Coppolla joga a toalha e detona Bolsonaro

Um dia após Sara Winter, a mais bolsonarista dos bolsonaristas, aos prantos se dizer decepcionada com Bolsonaro, numa cena patética, Caio Coppolla, em plena CNN, dobra as críticas e, de lambuja, encaixota na mesma encomenda o clã representado por Flávio Bolsonaro.

A ira do rapaz, não se enganem, não é pelo que ele apregoa no vídeo, isso é apenas uma demonstração de quem berra diante de um governo cretino que está com seus dias contados.

Na prática, os morcegos que habitam nas fendas do Palácio do Planalto sentem o cheiro mais forte de toucinho de um presidente que está cada dia mais enfraquecido, perdido e sem rumo e, portanto, prestes a cair da ribanceira direto para a frigideira.

Essa gente toda que agora entorta o nariz para Bolsonaro, justificando que é inaceitável sua aproximação com Dias Toffoli, Gilmar Mendes e etc., assim como se diz indignada com a com a indicação para o STF do desembargador Kassio Marques, comemorou e muito a condenação e prisão de José Dirceu e José Genuino na farsa do mensalão, protagonizada pelo mesmo STF, a partir da “teoria do domínio do fato”, de Barbosão e, da mesma forma, aplaudiu o silêncio do STF no golpe contra Dilma, assim como também fogueteou o aval que o STF deu a Moro para, sem provas, condenar e prender Lula que, provavelmente, venceria a eleição no primeiro turno.

Em seguida, essa gente comemorou nas redes sociais a barganha entre Moro e Bolsonaro que levou o vigarista de Curitiba para a pasta da Justiça e Segurança Pública para “combater a corrupção”.

O fato é que, com a desmoralização de Aécio, depois de fazer o mesmo discurso moral e ser pego em gravações, com áudio e vídeo, em grossa corrupção recebendo propina da JBS, implodindo o próprio PSDB, a saga do clã Bolsonaro promete um espetáculo de degradação moral da família miliciana infinitamente maior do que foi com Aécio, Temer e Cunha juntos. Gente que tinha apoio de quem hoje começa a detonar Bolsonaro porque, na prática, Bolsonaro já está detonado pelo governo trágico que faz e pelos crimes da família que, por mais que ele tente segurar, estão vazando entre os dedos.

O oportunista Caio Coppolla, aqui, só assume que sempre defendeu, ou seja, o que existe de pior na vida pública em nome de um ódio imbecil e infrutífero contra o PT e, sobretudo contra Lula, o presidente que teve a maior aprovação da história e que segue cada vez mais forte no coração do povo brasileiro.

Agora o rato, como qualquer rato faz, está abandonando o barco, assim como tantos outros, como JR Guzzo que ele cita, o decano dos ratos da revista Oeste, criada para lamber as botas de Bolsonaro.

https://youtu.be/cr6gJjrxSdE

 

*Carlos Henrique Machado Freitas

 

Governo Bolsonaro, o que recomeça toda segunda e termina na terça

Enquanto o brasileiro se acostumou a, durante 13 anos dos governos do PT lançarem projetos como o Bolsa Família, Minha Casa, Minha Vida, Luz para Todos, Mais Médicos e tantos outros programas que revolucionaram o Brasil e, por isso mesmo instigou a ira das classes economicamente dominantes, o que se vê no governo Bolsonaro é esse espetáculo de patetice com ingredientes piegas, como ao que assistimos nesta segunda-feira, protagonizados por Maia e Guedes para, no final das contas, dizerem o que todos já sabem, não tem dinheiro para o Renda Brasil fogueteado por Bolsonaro, pois o mercado não aceita, de forma nenhuma, que se fure o teto de gastos.

O mercado, que é quem manda na birosca do miliciano, mandou Guedes e Maia, dois totozinhos dos banqueiros, se entenderem e fazerem juras de amor diante das câmeras. Um espetáculo piegas, pegajoso que embrulha o estômago.

Tudo para, no final das contas, dizerem, em outras palavras, que eles querem que os pobres se explodam.

Mais cedo, o anúncio já tinha sido feito por Marinho e Guedes de que eles já sabiam o que não fariam para arrumar recursos para o Renda Brasil, que era não furar o teto de gastos em hipótese alguma.

Já os recursos para o programa ficaram nas costas do Abreu, se ele não pagar, nem eu.

Em última análise, o que essa turma, que lambe o chão da banca disse é que, no Brasil, não há espaço para qualquer benefício para uma gigantesca nação de segregados.

Agora é moda, toda segunda-feira eles anunciam alguma coisa como definitiva e, na terça, a realidade política de Bolsonaro bate na porta do governo e desdizem tudo o que disseram no dia anterior. E assim a esculhambação vai se transformando na grande marca desse governo de militares, petequeiros, cães de guarda do mercado e uma escória política que se agarra ao poder a qualquer custo, enquanto o país naufraga diante dos olhos do mundo.

 

*Carlos Henrique Machado Freitas

 

 

 

Moro pode sair do Brasil e desistir da política

Moro é pressionado pela família a sair do Brasil e se afastar definitivamente da política.

O ex-ministro da Justiça Sergio Moro está sendo pressionado pela família a sair do Brasil. A ideia é que ele passe uma temporada dando aulas de Direito em outro país. E, assim, fique distante da política e de eventual projeto eleitoral de concorrer à Presidência.

A mulher dele, Rosângela Moro, tem repetido a interlocutores que o marido já deu a contribuição que tinha que dar ao país e que a política partidária, com seus embates selvagens, não seria para ele. Estaria na hora de novamente cuidar da vida pessoal e profissional.

O próprio Moro também já disse a políticos que o visitam que não se sente inclinado a disputar um cargo eleitoral.

O movimento lava-jatista, do qual Moro é estrela, tem sofrido derrotas seguidas na esfera política. A indicação do desembargador Kassio Nunes Marques para o STF (Supremo Tribunal Federal) é a mais recente delas —deixando o ex-ministro e seus seguidores cada vez mais isolados.

A segurança é outra preocupação da família do ex-ministro: neste mês ele acaba de cumprir a quarentena obrigatória desde que saiu do Ministério da Justiça, perdendo também o direito a escolta da Polícia Federal.

 

*Monica Bergamo/Folha

 

Forças Armadas usam dinheiro da Amazônia para reformar quartéis

Com o dobro das verbas de órgãos ambientais e de pesquisa para combate ao desmatamento, Forças Armadas usam dinheiro para reformar quartéis.

Era uma noite de fim de maio quando a chegada de militares chamou a atenção de moradores de Juara, no Mato Grosso – município onde a floresta deu lugar a um dos maiores rebanhos bovinos do país, e os habitantes estão mais acostumados a ver boi do que gente. Acompanhando o comboio, o comandante do 47o Batalhão de Infantaria explicou ao prefeito da cidade que 32 homens da base militar localizada em Coxim, no Mato Grosso do Sul -a 1,2 mil km de distância -, haviam se deslocado para reforçar a então recém-lançada operação Verde Brasil 2, de combate ao desmatamento na Amazônia. O abate de floresta continuou crescendo nos meses seguintes, mas o dinheiro da operação já bancou a reforma dos telhados, a pintura das paredes e troca de revestimentos, pisos, portas e esquadrias do 47º Batalhão de Infantaria, distante de Juara e fora dos limites da Amazônia Legal.

Iniciada em meados de maio e prorrogada até 6 de novembro, a operação Verde Brasil 2, de Garantia da Lei e da Ordem, obteve autorização para gastar nesses seis meses 418,6 milhões de reais com a presença das Forças Armadas na Amazônia. O valor corresponde a mais que o dobro do orçamento anual para combate ao desmatamento de órgãos ambientais e da verba para o monitoramento por satélites do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), responsável pelos alertas e pela taxa oficial de desmatamento. As autorizações de gastos para ações do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) somam 176,8 milhões de reais, de janeiro a dezembro. Para a Verde Brasil 2, o Ministério da Defesa conta, para o período de menos de seis meses, com um valor 136% maior.

Desde que as Forças Armadas entraram em campo na Amazônia, as áreas de alerta de desmatamento do Inpe cresceram de 834 km² em maio para 1.043 km² em junho e 1.659 km² em julho. Em agosto, os alertas somaram 1.359 km². O total acumulado entre agosto do ano passado e julho deste ano, período de coleta da taxa anual do desmatamento, será mais um recorde na década, a ser anunciado nos próximos meses. Estimativas preliminares indicam uma taxa mais de três vezes maior do que a meta estabelecida pela Política Nacional sobre Mudança do Clima para 2020, de 3,9 mil km². Os focos de queimadas e incêndios detectados pelos satélites do Inpe entre janeiro e setembro também ultrapassam os números de 2019 para esse mesmo período.

Uma análise dos gastos registrados pelo Tesouro Nacional mostra que o dinheiro da operação financiou reformas de instalações militares além do 47o Batalhão de Infantaria, embora essa tenha custado mais caro aos cofres públicos. Foram mais de 600 mil reais em gastos já reservados (os chamados empenhos) com a revisão geral dos telhados do batalhão de Coxim (MS), contratada numa empresa do interior de São Paulo. “O serviço não tem nada a ver com o combate ao desmatamento, e quem pode falar é o Batalhão”, disse ao telefone a responsável pelas licitações da empresa, a KJ Indústria e Comércio de Embalagens Ltda.

A troca de portas e esquadrias de madeira, vidro e alumínio consumiu mais 545 mil reais. As portas de madeira devem ser “padrão mogno”, árvore cuja comercialização alimentou a devastação da Amazônia e, por isso, foi proibida, ou curupixá. Documentos lançados no Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) registram a exigência da cor vermelha e “tinta premium” para a pintura. A reforma prevê ainda a troca dos pisos – por porcelanato – e do revestimento de paredes. Até 24 de setembro, o 47º Batalhão havia registrado despesas de 2,1 milhões de reais na conta da Verde Brasil 2.

Procurado pela piauí, o 47º Batalhão de Infantaria informou que participou da operação com o deslocamento para Juara de 141 militares durante a primeira fase do projeto, que durou um mês, até 26 de junho. Em outubro, mais 55 militares participarão da Verde Brasil 2. Localizadas no Mato Grosso do Sul, as instalações abrigaram, por período de um a três dias, um total de 460 militares durante a operação – o que, para os responsáveis, justificaria a reforma: “Os recursos advindos dessa Operação estão proporcionando uma revitalização de todo o patrimônio público sob a responsabilidade desse batalhão, particularmente nos seus bens imóveis que possuem 45 anos de existência. Essas manutenções já foram iniciadas com perspectivas de término a partir de 31 de dezembro de 2020.”

Outra unidade do Exército que usou dinheiro da operação Verde Brasil 2 para reformar as instalações foi o 44o Batalhão de Infantaria Motorizado, em Cuiabá, dentro da área da Amazônia Legal. O quartel contratou a troca do telhado, além da reforma das instalações elétricas e pintura nova. As despesas lançadas em setembro ultrapassaram 1,2 milhão de reais, de acordo com registros no sistema do Tesouro Nacional. Questionado pela Piauí desde a semana passada, o Ministério da Defesa, embora tenha solicitado por duas vezes mais prazo para responder, não o fez e não explicou em que as reformas contribuem no combate ao desmatamento.

Dentro e fora da Amazônia Legal, unidades das Forças Armadas aproveitaram o dinheiro destinado à Verde Brasil 2 para pintar paredes. Em julho, o Centro de Intendência da Marinha em Ladário, cidade do Mato Grosso do Sul, comprou mais de seiscentos galões de tinta, nas cores branco gelo e neve, para as instalações. O Centro de Intendência da Marinha em Manaus contratou em agosto a recarga de mais de cem extintores de incêndio – imprestáveis no combate à queima da floresta. Em agosto, o Inpe registrou 39.253 focos de incêndio na Amazônia Legal, o maior número na década para esse mês. Em setembro, foram 50,6 mil focos de incêndio, o maior número do ano.

Não só reformas de quartéis explicam os gastos da Verde Brasil 2. Só em agosto, o Centro de Inteligência do Exército contratou empresas por mais de 1,5 milhão de reais em gastos sigilosos. Nesse caso, os documentos lançados no sistema do Tesouro Nacional não registram os nomes das empresas nem os motivos dos gastos, informações “protegidas por sigilo”.

Também em agosto, o Centro de Aquisições Específicas do Comando da Aeronáutica lançou despesas de 5,7 milhões de reais com a manutenção de aeronaves. A compra de peças de aeronaves mobilizou a Comissão do Exército Brasileiro em Washington, ao custo de 1 milhão de reais, igualmente lançado na conta da Verde Brasil 2.

Mas foi em setembro que os gastos da operação dispararam, sobretudo por conta da compra de combustível por 22,5 milhões de reais pelo Centro de Obtenção da Marinha no Rio de Janeiro, isoladamente a maior despesa da Verde Brasil 2. Foram mais de 6,4 milhões de litros de diesel marinho e diesel especial, 100 mil litros de querosene de aviação e mais 55 mil litros de gasolina e óleo diesel rodoviário. Os documentos lançados no sistema do Tesouro contêm uma observação, de que se trata de um “destaque de crédito”, termo usado, no jargão orçamentário, para deslocamento de verbas de sua destinação original – no caso, a Verde Brasil 2. Questionado sobre essa possível mudança de destinação de verbas, o Ministério da Defesa também não respondeu. Tampouco apresentou um planejamento dos gastos com a operação.

Essa compra de combustíveis foi superada em valor dias depois pela contratação pela Comissão Aeronáutica Brasileira na Europa de suporte logístico para a frota de aeronaves, um negócio de 42,5 milhões de reais, registrado em 30 de setembro.

No início de julho, com menos de dois meses de existência, a Verde Brasil 2 já havia comprometido para gasto (de novo, os empenhos) mais do que o Inpe em nove meses. Ainda assim, o vice-presidente Hamilton Mourão, no comando do Conselho Nacional da Amazônia Legal, reclamava da falta de verbas. No dia 10, o general declarou a jornalistas encarregados da cobertura do Palácio do Planalto que as Forças Armadas não haviam recebido “um centavo” para combater o desmatamento. Uma rápida consulta ao sistema do Tesouro Nacional mostraria que não era verdade. Mas, dias depois, o presidente Jair Bolsonaro mandou ao Congresso projeto de lei pedindo autorização para mais 410 milhões de reais de gastos na operação, que se somariam aos 8,6 milhões de gastos autorizados anteriormente.

A proposta pegou carona no quadro de excepcionalidades aberto com o enfrentamento da pandemia da Covid-19, como notou o parecer do relator Jader Barbalho (MDB-PA). “A utilização de recursos do superávit financeiro de 2019 tem impacto negativo nos resultados fiscais da União. No entanto, em virtude do reconhecimento da ocorrência de estado de calamidade pública no país, a União está dispensada do atingimento dos resultados fiscais previstos.” Antes do final de agosto, com o apoio público de Mourão, o crédito extra estava aprovado pelo Congresso.

A presença das Forças Armadas na Amazônia vai continuar por mais tempo, anunciou o general, em reunião do Conselho da Amazônia realizada em julho. Ofício encaminhado ao ministro da Economia, Paulo Guedes, em agosto, informava planos de prorrogar o combate ao desmatamento por militares até dezembro de 2022, quando termina o mandato do presidente Jair Bolsonaro.

O cronograma de ações prevê, para outubro de 2021, a “efetividade” no combate ao desmatamento e às queimadas. O documento fala em reduzir o abate da floresta “aos níveis 2016-2019”. Nesse período, segundo a medição do Inpe, houve um desmatamento médio de 8,1 mil km², algo como a desaparição de florestas equivalente a cinco vezes o tamanho do município de São Paulo, a cada ano.

Essa meta equivale, ainda, a uma área 80% maior do que a desmatada em 2012. Nessa época, o país recebia aplausos na comunidade internacional pela contribuição para conter o aquecimento global. E não o contrário.

 

*Marta Salomon/Folha

 

Celso de Mello se safa do julgamento de suspeição de Moro nos casos de Lula

O decano no Supremo Tribunal Federal (STF), Celso de Mello, vai ficar de fora do julgamento da suspeição de Sergio Moro nos casos do ex-presidente Lula na Lava-Jato. O caso não está na pauta da Segunda Turma nesta semana e também não será incluído. Na próxima terça-feira (13), Celso vai se aposentar do tribunal.

O voto do ministro era tido como o voto de desempate na Segunda Turma. O caso está parado desde dezembro de 2018, quando Gilmar Mendes pediu vista. Edson Fachin e Carmen Lúcia já se posicionaram contra a suspeição do ex-juiz e Ricardo Lewandowski e Gilmar sinalizaram que devem se manifestar pela suspeição. O voto do decano ainda era uma incógnita.

Com a aposentadoria de Celso de Mello dois cenários estão postos: existe a chance de um membro da Primeira Turma ir para a Segunda Turma ou então o nome indicado por Bolsonaro ocupar o lugar do decano no colegiado. O presidente oficializou a indicação do desembargador Kassio Nunes Marques para a vaga.

Pessoas ligadas a Lula afirmam que o petista está otimista em relação às duas situações. A defesa de Lula diz, porém, que ainda é cedo para fazer previsões. No ano passado, Celso de Mello chegou a votar pela manutenção da prisão de Lula, mas destacou que o voto não era um adiantamento de sua posição sobre o caso da suspeição.

A suspeição do ex-juiz da Lava-Jato pode tornar Lula ficha limpa e, portanto, apto a voltar concorrer em eleições.

 

*Bela Megale/O Globo

 

Vídeo: Queiroz foi babá de Flávio Bolsonaro

Queiroz foi babá de Flávio Bolsonaro, é o que diz o autor de “República das Milícias”.

O policial militar Fabrício Queiroz foi “uma espécie de tutor, de babá” do hoje senador Flávio Bolsonaro (Republicanos), afirma o jornalista e pesquisador Bruno Paes Manso, autor de “A República das milícias — dos esquadrões da morte à era Bolsonaro” (Todavia), que acaba de ser lançado.

Queiroz e Flávio são investigados pelo MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro) por comandarem um suposto esquema de repasses ilegais de salários de funcionários do gabinete do filho do presidente da República, quando ele era deputado estadual da Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro). Para Paes Manso, Queiroz serviu de instrutor e protetor para Flávio em sua plataforma política voltada ao apoio de policiais conhecidos por participação em ações violentas nas comunidades do Rio.

Em entrevista concedida ao UOL, na manhã de hoje, Paes Manso afirmou também que a família presidencial deu “apoio moral” ao falecido ex-PM Adriano Magalhães da Nóbrega, apontado pelas autoridades como chefe de uma milícia na zona oeste do Rio e de um grupo de matadores de aluguel conhecido como Escritório do Crime.

Capitão Adriano, como era conhecido o ex-PM, chegou a ser homenageado por Flávio Bolsonaro por comendas da Alerj. Quando era deputado federal, Jair Bolsonaro fez discursos no plenário da Câmara de Deputados defendendo o então policial militar de acusações de homicídios.

“A família Bolsonaro deu apoio moral e são responsáveis morais por isso [pela trajetória de Adriano da Nóbrega]. Quanto a isso, eu acho que não tem a menor dúvida”, disse.

“Essa turma [a milícia de Adriano Magalhães da Nóbrega] está relacionada aos crimes mais importantes da história recente do Rio de Janeiro, e que ajuda a entender o peso e o perigo da cena criminal da cidade, tem fortes vínculos com a família do presidente Bolsonaro. Ao mesmo, não há provas que coloquem Jair diretamente na cena dos milicianos. Provavelmente lá em Brasília ele tinha pouco conhecimento do que acontecia nos territórios. Eu não sei até que ponto também Flávio Bolsonaro tinha esse conhecimento”, acrescentou.

Caso Marielle

O jornalista e pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP(Universidade de São Paulo0 é considerado um dos maiores especialistas em violência urbana do país e tem mais dois livros sobre o tema publicados: “O Homem X” (Record), sobre os grupos de extermínio em São Paulo, e “A Guerra — A ascensão do PCC e o mundo do crime no Brasil” (Todavia), uma coautoria com a socióloga Camila Dias Nunes.

Em seu último livro, Manso faz um apanhado histórico que situa a origem das milícias do Rio de Janeiro no final dos anos 1970. Mostra como a ausência do Estado em territórios vulneráveis impulsionou a crença na “violência redentora”, que cria o ambiente para inserir os filhos de Jair Bolsonaro na política e que, depois, o elege presidente.

“É como se a solução, em vez da política, fosse a polícia”, afirma Paes Manso.

Esse mesmo contexto levou ao assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e de seu motorista, Anderson Gomes, em março de 2018. O livro aborda também o papel da intervenção federal um mês antes do crime, uma tentativa do ex-presidente Michel Temer (MDB) de alavancar a própria popularidade, que acaba por fortalecer a ideia de que uso da força é o meio para enfrentar a crise na segurança pública.

A pesquisa de dois anos de Bruno Paes Manso revela que a milícia existe porque há conluio entre milicianos, políticos e policiais, além de ligações com bicheiros, donos de máquinas de caça-níqueis.

“O grande desafio do caso Marielle é o fato de a investigação lidar com autores e suspeitos que são da polícia e por causa disso sabem como enganar as ações policiais”, conta.

O caso da Marielle interrompeu esse cinismo diante da conivência que existia entre quem deveria apurar esse homicídio e os matadores do Rio”, diz Manso.

Assista à entrevista:

 

*Com informações do Uol