Numa carta enviada pelo governo de Jair Bolsonaro para relatores da ONU (Organização das Nações Unidas) sobre o regime militar (1964-1985), as autoridades nacionais omitem a palavra ditadura e qualificam os 21 anos de autoritarismo como um “período de luta política”, segundo reportagem de Jamil Chade, no Uol.
A carta é datada de 11 de novembro e foi encaminhada pela missão do Brasil perante a ONU, em Genebra, como resposta a uma cobrança sobre a necessidade de preservação da memória no país sobre os anos de chumbo.
Mas, em nove páginas de resposta sobre aquele momento da história do país, o atual governo faz questão de repetir uma versão que, na avaliação de especialistas, não condiz com a realidade.
Num dos trechos do documento obtido pelo UOL, o governo faz uma referência ao Arquivo Nacional e cita dados coletado sobre “a luta política no Brasil entre 1960 e 1980”.
Alguns parágrafos depois, uma vez mais aqueles anos ganham uma nova conotação. Ao falar da análise e organização de documentos de arquivos sobre a ditadura, o governo prefere se referir ao fato de que eles trazem informações “sobre o tema das lutas políticas no Brasil no período entre 1964 e 1985”.
Num terceiro momento, uma vez mais a frase volta ser usada, indicando iniciativas digitais sobre “o tema das lutas políticas no Brasil (1964-1985)”.
Na mesma carta, uma quarta citação às “lutas políticas” surge quando o governo cita o esforço em montar um banco de dados.
Em nenhum momento termos como ditadura ou autoritarismo são usados.
Para Rogério Sottili, diretor-executivo do Instituto Vladimir Herzog, o uso dos termos por parte do governo segue a tendência já registrada no Enem e em outras áreas, modificando o uso das palavras para se referir ao período da ditadura. Na avaliação de Sottili, “trata-se de um negacionismo”.
Especialistas também questionam o uso do termo para designar o período da ditadura. O historiador Marco Antonio Villa destaca que nunca tinha visto a referência ao regime militar como “período de luta política” e aponta que os termos sequer eram usados nos documentos de arquivos da época entre 1964 e 1985. Para ele, isso poderia mostrar que existe uma tentativa de um novo esforço analítico por parte do governo Bolsonaro para redefinir o que ocorreu no país naqueles anos.
Mas ele também aponta que o termo pode remeter à ideia de um “período de guerra constante”. “Mas isso não ocorreu e o regime se institucionalizou”, aponta.
O autor de livros de história, Eduardo Bueno aponta que existe um “projeto maior de negar a existência da ditadura no Brasil”. “Ao chamar de luta política, as autoridades insistem na existência de uma ameaça comunista que pairaria sobre o Brasil, coisa que nunca ocorreu”, explicou o autor de livros sobre a história do país.
“Não é surpresa. É apenas uma triste constatação dessa tentativa desse governo de rescrever a história”, disse. “Mas, como todo governo autoritário, eles passarão. Não passará para a história essa versão, já que é uma versão desvinculada da realidade, de forma constrangedora”, completou.
Carta da ONU fala em “ditadura”
A carta do governo é uma reação a uma queixa apresentada pelo relator da ONU sobre o Direito à Verdade, Fabian Salviolli, na qual ele questiona a inação do governo do estado de São Paulo no que se refere à recomendação do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo para garantir a preservação das antigas instalações do DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna).
Durante o regime militar, o espaço foi usado para repressão e, em 2014. foi tombada como patrimônio histórico.
No texto ao governo, porém, o relator da ONU se refere em diferentes momentos à “ditadura militar” brasileira.
Na carta de resposta, apesar de omitir a palavra ditadura, o governo brasileiro reconhece a relevância do prédio do DOI-CODI, na rua Tutoia 921, como “memória à resistência”. O governo também faz referência ao “regime militar” e afirma deter a maior coleção de documentos na América do Sul no que se refere à repressão política na segunda parte do século 20″.
Sottili, porém, lembra que essa coleção é resultado de um amplo trabalho dos diferentes governos brasileiros nos últimos 20 anos e que a atual administração tem promovido um desmonte nessa área.
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