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Documentos apontam novos indícios da participação da ex-mulher de Bolsonaro na lavagem de dinheiro de rachadinha no gabinete de Carlos Bolsonaro

Testemunhas denunciam o envolvimento das empresas de Ana Cristina Vale também em fraudes do seguro obrigatório de veículos, o DPVAT, como mostrou o Jornal Nacional.

Documentos obtidos pelo Jornal Nacional mostram novos indícios de da participação da ex-mulher de Jair Bolsonaro Ana Cristina Valle na lavagem de dinheiro de rachadinha no gabinete de Carlos Bolsonaro. Testemunhas denunciam o envolvimento das empresas de Ana Cristina também em fraudes do DPVAT, com o não pagamento dos valores para vítimas.

O Jornal Nacional encontrou dezenas de processos em que Ana, que também é ex-madastra de Carlos Bolsonaro trabalhou como advogada em indenizações de acidente de trânsito – o seguro DPVAT. O Ministério Público estadual suspeita que o negócio tem relação com a rachadinha que teria ocorrido no gabinete do vereador Carlos Bolsonaro

Uma consulta ao site do Tribunal de Justiça do RJ mostra que Ana Cristina atuou em 56 processos cíveis de 2007 a 2010. Desses, 54 envolvem o DPVAT, o seguro obrigatório de veículos. Apesar do escritório dela ficar no Rio, 37 casos eram de moradores do Rio Grande do Sul.

Ana Cristina Valle era casada com Jair Bolsonaro quando foi trabalhar com o enteado, o vereador Carlos Bolsonaro.

Ela foi a primeira chefe de gabinete de Carlos, em 2001, no primeiro mandato, e ficou até abril de 2008, meses depois de se separar do presidente da República.

Os registros no Tribunal de Justiça do Rio mostram que, nos últimos três anos, em que esteve no gabinete, Ana Cristina também atuava como advogada.

Ela teve um escritório de advocacia e duas empresas de seguro. As empresas funcionavam em um prédio, no Centro do Rio, a poucos metros da Câmara de Vereadores.

O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) registrou que as contas bancárias de quatro empresas vinculadas a Ana Cristina realizaram movimentações financeiras suspeitas.

O Ministério Público do Rio de Janeiro acredita que a escolha do endereço tão próximo não foi uma coincidência e quer saber se as duas atividades desempenhadas por Ana Cristina Valle estavam ligadas.

Os investigadores dizem que a elevada movimentação de dinheiro vivo ( recursos em espécie) por Ana Cristina sugere que ela era a real destinatária dos recursos públicos desembolsados em nome dos parentes.

Os promotores suspeitam que esses funcionários continuaram a pagar a rachadinha mesmo depois que ela deixou o gabinete e que Ana Cristina usava as próprias empresas pra lavar o dinheiro.

A rachadinha é o esquema em que o político se apropria ilegalmente de parte do salário dos funcionários. Muitos servidores do gabinete de Carlos foram indicados por Ana Cristina e eram parentes dela.

De acordo com os registros da Câmara dos Vereadores, as pessoas ligadas a Ana ganharam, ao todo, R$ 7,5 milhões só no período em que Ana Cristina não era mais chefe de gabinete de Carlos.

Quatro empresas com movimentações suspeitas

Carlos, Ana Cristina Valle e as empresas dela já tiveram os sigilos bancário e fiscal quebrado pela justiça nessa investigação.

O Jornal Nacional conversou com um cliente de Ana que sofreu um acidente na lavoura com um trator e teria direito ao seguro.

“Machucou uma mão. O cara me procurou. Até veio uma parcelinha, depois não veio mais nada”, disse Lídio.

Outro morador do Rio Grande, Clauber contou que foi procurado por um advogado na cidade dele e nunca recebeu dinheiro algum.

Ligações com investigados

No escritório de advocacia no Rio, a Valle Advogados, Ana Cristina tinha como sócia Lidiane Castro Morgado. Lidiane é mulher de Marcelo Morgado, que pertence a uma família que era dona de duas funerárias e de duas floriculturas que ficam em frente ao cemitério de Inhaúma, na Zona Norte do Rio.

Uma das funerárias é investigada por suposto pagamento de propina a funcionários públicos de hospitais para ter prioridade em fazer sepultamentos.

Marcelo Morgado foi investigado pela Polícia Civil do Rio por fraude no pagamento do seguro DPVAT.

Uma mulher, que pede para não ser identificada, se diz vítima do advogado. Ela é analfabeta e mora no subúrbio do Rio, numa área dominada pela milícia.

Ela diz que sofreu um calote do advogado na hora de receber o seguro pela morte do filho num acidente de moto em 2006. Segundo ela, recebeu menos do que os 30% do que tinha direito e o pagamento foi em dinheiro vivo.

“Pagaram o enterro e os R$ 3 mil deram na minha mão. O Marcelo Morgado que apareceu para dar o dinheiro. Para mim, eu deixei pra lá. Era R$13.800. Fizeram o enterro. Aí a mulher falou: pelo menos R$ 3 mil tem que dar pra ela na mão. Daí, deu”

Ex-assessor de Ana Cristina

Durante 14 anos, Marcelo Luís, ex-assessor, trabalhou com Ana Cristina Vale.

Por telefone, ele afirmou que o calote na família das vítimas fazia parte de um esquema de lavagem de dinheiro que tinha a participação de Ana Cristina Valle.

Segundo ele, Marcelo Morgado era um dos operadores.

“Ele que pegava, ele que acionava as famílias, né, quando tinha, havia o acidente. Ele chegava no ato, acionava as famílias, oferecia todo o custo, né, para o funeral, todo o traslado, né. Mas só que isso aí tudo era superfaturado, entendeu? Era floricultura, para funerária, inclusive porque tudo pertencia ao pai dele”

Segundo Marcelo Luís, Morgado tirava um percentual para ele.

“Esse percentual era revertido para a Valle Advogados, na época, porque era a Valle Advogados que dava esse dinheiro, né, para poder fazer, oferecer à família todo o processo”.

Relatório de Inteligência Financeira do Coaf registra que de agosto de 2007 a julho de 2015, mais da metade dos débitos da conta bancária de uma das empresas de Ana Cristina foram saques em dinheiro vivo que totalizaram R$ 1,1 milhão.

Marcelo Luís diz diz que Ana Cristina dava o dinheiro para as primeiras despesas da família da vítima e adiantava o pagamento de uma parte do seguro.

Os parentes davam uma procuração autorizando dar entrada no pedido do DPVAT. A mãe de uma das vítimas disse que deixou o caso de lado.

“Eu nem mexi porque quero minha família toda inteira e tá falando que isso é uma máfia danada”, disse uma das vítimas.

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Por Celeste Silveira

Produtora cultural

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