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Julian Rodrigues: É hora de arregaçar as mangas com Lula e trabalhar muito para o terceiro governo ser mais à esquerda

Já começou o melhor da governo da história

O terceiro mandato de Lula tem tudo para ser o mais progressista, inovador e popular desde sempre no Brasil

Por Julian Rodrigues*

Não, o título acima não é fruto de ingenuidade ou excesso de otimismo.

As pouquíssimas pessoinhas que acompanham meus artiguetes sabem que – nem de longe – sou petista bobalhão ou lulista acrítico.

Ocorre que em muitas situações o saudável pessimismo da razão – ferramenta imprescindível para qualquer militante de esquerda – acaba por obnubilar em demasia nossa leitura.

E subestimamos o tamanho da vitória que foi eleger Lula ou até mesmo a beleza dessa alameda aberta diante de nós agora.

Não foi trivial a vitória que o povo brasileiro impôs ao neofascismo. Em que outro país houve uma reviravolta tão rápida?

Os hermanos argentinos se livraram de Macri, é verdade. Pero, o ex-presidente do Boca Juniors não era propriamente um neofaxo – talvez poderia ser melhor classificado como neoliberal quase de extrema-direita. Mas não prosperou.

Argentina é outra história. O PT é o maior partido do Brasil. Desde as primeiras eleições diretas pós-ditadura (em 1989) venceu ou ficou em segundo lugar em todas disputas presidenciais. E o senhor Luiz Inácio é simplesmente o maior líder popular (reformista, sim) de nossa história.

A “vida e obra” do Lulão serão referência por décadas – objeto de pesquisas, estudos, admiração e controvérsias.

O PT continuará forte e enraizado mesmo no pós-lula (talvez um pouco menos transformador).

O lulismo será uma força política reivindicada e disputada desde segmentos da direita à esquerda de todos matizes.

Uma espécie de peronismo à brasileira. Quem viver verá. O terceiro governo do ex-operário é resultado de uma vitória extraordinária. Bem improvável. Superamos o golpe de 2016 mais a prisão arbitrária de Lula.

Parece roteiro de ficção, – inclusive na perfeição do desenho do arco narrativo do herói. O sujeito vem de baixo, vence, vire presidente. Depois cai em desgraça, e é preso. Sai da cadeia inesperadamente.

Redimido, derrota o vilão fascista e se torna presidente de novo. Redenção gloriosa, tipo epopeia clássica. Não será fácil.

Em 2003 Lula assumiu em um cenário difícil, pós avalanche neoliberal, com um Estado mais fraco.

Olhando em retrospecto dá para brincar, sim: saudades de FHC. Não havia ameaças à democracia.

Suceder um governo liberal democrático, aprendemos agora, é totalmente diferente de assumir um país devastado pelo neofascismo ultraliberaloide.

Basta comparar um elegante intelectual banqueiro como Pedro Malan a um trombadinha fanfarrão especulador como Paulo Guedes.

Antes que algum apressadinho venha me rotular como petista-amigo-de-tucano,reitero: o PSDB abriu as portas para o bolsonarismo e fez em São Paulo e no Brasil, governos elitistas e antipopulares.

Todavia, é preciso colocar as coisas em perspectiva histórica.

O advento do bolsonarismo reconfigurou os parâmetros da política brasileira. Em comparação com o neofascismo, nosso velho malufismo vira um quase simpático direitismo demagógico.

O centrão se torna mera representação moderada, até razoável e bem pragmática das velhas oligarquias (sustentam o sistema político).

Os neoliberais, um bando de yuppies liberais-democratas a fim de ganhar muito dinheiro, diminuir o Estado, brilhar na mídia e na academia.

Lula sabe disso tudo.

Construiu uma candidatura popular – ao mesmo tempo radicalmente antineoliberal e antineofascista – mas com amplitude que lhe permitiu obter apoio de amplos setores liberais insatisfeitos com o bolsonarismo.

Reparem: Lula não girou o programa à direita. Mas, com Alckmin vice sinalizou para segmentos que queriam derrotar o bolsonarismo mas historicamente são adversários da esquerda.

Coisa de gênio, vamos combinar (falo isso na condição de quem criticou a indicação de Geraldo como vice).

Nossa tarefa é lutar e ajudar esse governo a ser mais “esquerdista” possível.

Repito: é um privilégio ter Lulão para nos salvar do neofascismo. Mas o Brasil precisa de muito mais que o “reformismo moderado”.

Temos que defender muito e empurrar para esquerda esse nosso terceiro governo.

Haddad no lugar de Guedes.

Aniele Franco, Silvio Almeida, Sonia Guajajara e Cida Gonçalves substituindo Damares.

Que tal Margareth Menezes ao invés de Mário Frias ou Regina Duarte? É tudo antagônico.

Não é exagero falar em um governo do bem e das luzes que vem suceder um regime do mal, das trevas.

Lembrei-me de um episódio clássico do seriado He-Man (a turma que foi criança ou adolescente nos anos 1980 vai gostar).

Foi quando o planeta Etérnia, transformou-se num lugar sombrio, amaldiçoado. Foi quando o pequeno Gorpo – feiticeirinho atrapalhado – e sua namorada Driele cantam juntos a letra de uma antiga canção:

“ o bem vence o mal/ espanta o temporal/o azul, o amarelo/tudo é muito belo /o bem vence o mal/ o fraco fica forte/e vence até a morte/ isso é o que ele faz”.

Quem esperava e exigia um Lulinha light está bem nervosinho até agora.

Aquele ente antropomórfico que se angustia, sofre, chora, fica alegre ou se enerva, o tal “mercado” anda meio estressado.

(Meu sonho era um dia descobrir quem é mesmo o big boss, oráculo, porta-voz, representante, assessor de imprensa, chefe, intérprete, verdadeiro deus encarnado, o tal mercado – a criança mais mimadinha do mundo)

O paradoxo: Lula herda terra arrasada em uma conjuntura internacional de crise, todavia é um líder gigante e um gestor muito mais experiente.

Resumindo: foi uma baita vitória; a desfascistização é um processo demorado e complexo; a crise econômica está aí; recebemos um país destroçado, com 20% de extremistas de direita; a oposição será implacável.

Mas, nós temos a força dos movimentos sociais, da juventude, das mulheres, dos lutadores e lutadoras do povo, das universidades, das pobres, dos pretos, dos LGBT, de toda gente de boa vontade.

Saímos do inferno. Agora é trabalhar. Vamos arregaçar as mangas com Lulão porque quem fica parado é poste.

*Julian Rodrigues, professor e jornalista, doutorando em América Latina. É ativista LGBTI e de Direitos Humanos/Viomundo

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