Paulo Moreira Leite*
Ao avocar para o STF o julgamento de centenas de militares envolvidos na tentativa de golpe de 8 de janeiro, o ministro Alexandre de Moraes colocou em questão uma das mais terríveis e duradouras tradições da Justiça brasileira — aquela que fecha olhos, ouvidos e bocas diante de crimes cometidos pela caserna.
Na última segunda-feira, ao encaminhar para julgamento civil os oficiais, sub-oficiais e soldados que se mobilizaram para tentar impedir a posse de um presidente eleito, Alexandre de Moraes prestou um favor inestimável a um país que, 35 anos depois da Constituição de 1988, permanece submisso ao poder militar.
Em vez de cumprir o dever de apurar, investigar e punir — se for o caso — as frequentes denúncias envolvendo militares, de qualquer patente, acusados em atos criminosos pelos vários cantos do país, ao longo da História optou-se pela preservação dos piores usos e costumes produzidos pela ditadura 1964.
Para tanto, ergueu-se uma muralha de impunidade destinada a proteger soldados e oficiais de todas as patentes que precisassem de um socorro fardado para livrar-se de uma acusação criminosa. O método era simples. Bastava transformar o crime em questão num assunto “militar” para garantir que tudo fosse resolvido como uma querela em família — nenhuma punição contra os envolvidos, nenhuma investigação para chegar aos escalões superiores, com maior grau de responsabilidade sobre atos condenáveis do andar debaixo.
É assim que se pode fabricar a história do assassinato do jornalista Vladimir Herzog, em 1975; a execução de três operários na Usina de Volta Redonda, em 1988, a execução de Marielle Franco, em 2018 — para focar em três crimes que marcaram etapas distintas da luta de brasileiros e brasileiras por sua emancipação.
Para passar a limpo uma jurisprudência fixada em décadas de tolerância, o ministro deixou claro em sua sentença que não se pode confundir as situações. Explicou que o Código Penal Militar “não tutela a pessoa do militar, mas sim a dignidade da própria instituição das Forças Armadas”.
Lembrou ainda que a Justiça Militar não julga “crimes de militares”, mas “crimes militares”, razão pela qual os militares envolvidos na mobilização golpista não têm direito a um tratamento especial — muito menos à corte militar. Ao firmar uma jurisprudência necessária à democracia, o ministro fez um favor ao Brasil e sua História. Claramente, abriu uma porta para a História passar.
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