Mês: fevereiro 2024

Lady Gada, Malafaia e a evangelização da política

Lelê Teles

Eu não gosto muito de falar sobre o que todos estão falando, é chover no molhado.

Decidi fazer um breve comentário sobre a cow parade deste domingo porque imagino ter enxergado o que ninguém quis ver.

Aquilo não era sobre malafaia e nem sobre jair, era sobre michele.

O carnagado, na verdade, foi um rito de transição.

Aquele negócio de passar uma borracha no passado e anistiar pobres coitados, faz parte da tal “fotografia para o mundo”, mas é apenas o retrato do desespero de quem se vê em um beco sem saída.

Jair já era.

Por isso que aquela rave cívica era, em verdade, um rito de transição.

Ali, jair, o nosso estranho minotauro – metade homem, metade gado -, passou o berrante para as mãos da esposa.

Daqui pra frente, o bisonho rebanho será liderado pela lady gada.

Minotauro sabe que o seu destino está traçado.

Ele sabe que os militares estão a dar os últimos retoques no labirinto no qual ele será confinado.

Mitotauro tem consciência de que a gadaiada estava ali por sua causa, ele vai manter esse enorme capital político nas mãos da família.

Foi por isso que lady gada discursou.

“Ela fez uma oração”, dirão os mais ingênuos.

Nana nina não.

Lady gada está encarregada de instaurar o estado teocrático de direita.

Aquilo era uma mistura de culto e comício.

Em muitas igrejas já é assim: culto e comício.

Agora a coisa ganhará as ruas, as praças e a ágora digital.

Ao discursar para o que chamou de “exército de deus nas ruas”, ela foi enfática, encenando um manjado choro sem lágrimas:

“Fomos negligentes a ponto de dizer que não se poderia misturar política com religião, e o mal ocupou o espaço.”

Lá embaixo, o gado bípede sacudia bandeiras de israel, beijava crucifixos, dobrava os joelhos no chão e chorava.

Comício e culto.

Malafaia, virado no satanás, depois de uma fala odiosa e iracunda, que mais parecia uma sessão de desenencapetamento, pediu que a multidão gritasse amém.

Amuuuu, gritaram os boibumbás.

O mote será esse: o bem contra o mal, o fasto contra o nefasto, o puro contra o impuro.

É guerra santa.

Quando damares, com suas fantasias parafílicas, recorreu novamente à terra do gado pesado, a ilha dos búfalos, ela tava marcando território.

Não nos esqueçamos da chocante imagem que outrora ela construíra e projetara dentro de uma igreja:

“Arrancam os dentinhos das crianças para fazer sexo oral.”

O recado é o seguinte, nossos adversários são a favor da pedofilia, nós protegemos os anjinhos marajoaras.

É a monstrificação e a demonização do outro.

É a outrificação do adversário.

Em silvio almeida já pegou a pecha de quem ouve o disco da xuxa ao contrário.

Silvio é exu, damares é zelomi, é a parteira da menina-deusa.

Aliás, a fala de lady gada, com aquele choro canastrão e falso, é da escola de damares.

É o apelo emocional barato, o gatilho cognitivo que evoca uma sofrência de araque.

Malafaia disse que alexandre de moraes mandou prender uma senhora com uma bíblia e um crucifixo na mão, só porque a pobre beata se sentou na cadeira do capa preta.

Veja que satânica crueldade.

Malafaia está a buscar uma aliança entre evangélicos e católicos, a imagem dessa carola foi evocada com esse propósito.

É guerra santa.

E tem mais, quando jair for preso, ele será beatificado como um bezerro de ouro.

Caravanas de aposentados se deslocarão de todo o país para o setor militar em brasília, para orar pela liberdade do monstro encarcerado.

O homem fauno.

A palavra liberdade deixará de ser apenas uma retórica vazia na boca de quem sempre mandou e desmandou, matou e desmatou.

Ela ganhará uma horrenda forma humana, meio homem e meio gado.

Vai ter um “bom dia, presidente” versão bovina, não tenham dúvidas.

Como vamos nos blindar contra isso é uma tremenda incógnita.

A gente foi pego de surpresa, acabamos de sair de um carnaval.

E a nossa ressaca carnavalesca veio com a macetação de conde vlad, que anunciou, veja você, que a esquerda está morta.

Safatle, apocalipticamente, parece ter previsto a ascensão de lady gada e o consequente duelo entre jesus e exu.

Eles, o exército de lady gada, já estão nas ruas, nas redes, nas igrejas.

Estão nas cadeias, convertendo presidiários, e nas delegacias, pervertendo policiais.

Estão nas favelas, a arrebanhar traficantes, desempregados e trabalhadores.

Estão nos conselhos tutelares, nos tribunais, no parlamento, no carnaval de salvador…

E em cada gol marcado e comemorado de joelhos diante da multidão em êxtase.

E nós, onde estamos?

Essa é a pergunta fundamental de conde vlad.

O filósofo vampiro foi direto na nossa jugular.

Palavra da salvação.

Lelê Teles é jornalista, roteirista e mestre em Cinema e Narrativas Sociais pela Universidade Federal de Sergipe (UFS).

*Viomundo

Quando Bolsonaro pede para o STF passar uma borracha em seu passado, confessa-se criminoso e derrotado

Não há nada oculto na fala de Bolsonaro, ele foi bastante explícito nos seus últimos horizontes para tentar reverter um quadro irreversível que o levará à condenação e à prisão.

Bolsonaro, até por instinto animal, percebe que está cada dia embrenhado no mato e, com cada vez menos cachorros para lhe defender, sem saber que horas a onça beberá água.

Bolsonaro tem plena convicção de que a ampulheta virou e seus dias de liberdade estão contados número a número, e não tem intermediário que consiga desrespeitar a própria lei da gravidade.

Bolsonaro vai ao chão, hoje ou amanhã, com a mesma dinâmica de uma jaca mole quando despenca e se despedaça. Portanto não há exotismo metódico que mude a sinopse de sua tragédia grega.

Não dá para improvisar em ópera, tudo tem que funcionar de acordo com a partitura. Aí sim, são as tais quatro linhas que ele tanto proferiu para cometer seus crimes de traição à pátria, à constituição e à  democracia.

Seria ingenuidade, portanto, imaginar que o movimento orquestrado de ataque a Lula, não refletisse com exatidão a decadência política e a própria prisão de Bolsonaro.

Por que a paulista no domingo virou um hospício a céu aberto?

Algumas coisas básicas precisam ser ditas sobre aquele ornitorrinco tropical visto na Paulista no último domingo.

A primeira coisa é observar que Bolsonaro foi pego no contrapé pela Polícia Federal na obtenção do vídeo do seu discurso em que ele confessa, de todas as formas, que é sim o idealizador e comandante da tropa golpista que já operava antes mesmo do resultado da eleição de 2022, em que foi derrotado por Lula, tornando-se o primeiro presidente da redemocratização não se reeleger, enquanto Lula se tornou o primeiro presidente a vencer três últimas eleições presidenciais que disputou.

Por isso, Bolsonaro correu para, junto com Malafaia, que deve ter motivos bem graves para se enfiar nessa roubada que pode lhe custar um puxadinho na Papuda, ao lado de Bolsonaro.

Bolsonaro, certamente, teve informação que, nacionalmente, sua musculatura política sofreu um pesado catabolismo, mais do que o normal para quem perde o poder.

Então, para não correr o risco de um fiasco ainda maior, foi para a TV e convocou seus discípulos a irem à manifestação da Paulista para concentrar o máximo de pessoas em um único lugar, porque sabia que, se fosse no país inteiro, a imagem de fracasso seria ainda maior.

Por isso, Bolsonaro pediu para que não fizessem manifestações fora de São Paulo, o que é uma coisa inédita.

Ou seja, o que estava na Paulista não era representação de São Paulo, mas do bolsonarismo nacional, o que faz om que qualquer análise contemple um leque efetivamente representativo dentro do território nacional.

O primeiro dado que chega é que, ao contrário do que o senso comum dos preguiçosos analistas da mídia, é que os católicos eram a franca maioria dos que ali estavam.

43% eram católicos; 29% evangélicos; 10% espírita ou kardecista.

Isso, em parte, explica a reação muxoxa do inadvertido discurso evangélico de Michelle, que fez uma espécie de discurso alemão para a imensa maioria de franceses.

A construção ideológica desses manifestantes da Paulista, que passa de 60 anos em média, foi feita durante os 21 anos de ditadura, assim como Bolsonaro e seus generais de bolso. Por isso defendem um verme que fez tanto mal a eles, sobretudo na pandemia. Ali, a maioria é do grupo de risco que mais morreu por covid.

Esses são alguns dos motivos que fizeram com que a emenda de Bolsonaro saísse pior do que o soneto,  confessando de boca própria que é um dos redatores da minuta golpista.

 

Defesa de Bolsonaro recorre e quer que plenário do STF julgue afastamento de Moraes no caso da trama golpista

Advogados do ex-presidente sustentam que ministro se coloca no papel de vítima e de julgador.

A defesa de Jair Bolsonaro (PL) apresentou nesta terça-feira (27) um recurso à decisão do presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Luís Roberto Barroso, que rejeitou afastar o ministro Alexandre de Moraes da relatoria de investigações relacionadas aos atos antidemocráticos.

Segundo a colunista Mônica Bergamo, do jornal Folha de S. Paulo, os advogados afirmam que Moraes está se colocando como vítima e, simultaneamente, como julgador ao relatar as investigações ligadas à Operação Tempus Veritatis, deflagrada pela Polícia Federal neste mês.

Segundo mensagens obtidas pelos investigadores, Bolsonaro teria atuado na edição de uma minuta de decreto que previa a prisão de Moraes e a anulação da eleição presidencial de 2022. A apuração mostra também que o ministro foi monitorado pelo grupo que planejava a trama golpista.

Na semana passada, o presidente do Supremo rejeitou 192 pedidos apresentados por réus e pelo ex-presidente que pediam a suspeição ou o impedimento de Moraes da relatoria das ações penais.

Barroso afirmou que não foi demonstrada de forma clara, objetiva e específica, “o interesse direto no feito por parte do ministro alegadamente impedido”. “Para essa finalidade, não são suficientes as alegações genéricas e subjetivas, destituídas de embasamento jurídico”, disse o magistrado.

A defesa de Bolsonaro, agora, pede que a demanda seja analisada pelo plenário do STF.

“O fato de que o Ministro Relator se enxerga como vítima direta dos atos investigados claramente geram o risco de parcialidade no processamento e julgamento do feito”, afirmam os advogados do ex-presidente no recurso apresentado.

“Não se ignora e nem poderia se ignorar o notório saber jurídico do il. [ilustre] ministro Alexandre de Moraes, sendo um jurista academicamente qualificado e experiente, contudo é inescapável que, como todo ser humano, possa ser influenciado em seu íntimo, comprometendo a imparcialidade necessária para desempenhar suas funções”, seguem.

O agravo regimental que pede que o caso seja levado ao plenário é assinado pelos advogados Paulo Amador da Cunha Bueno, Fabio Wajngarten, Daniel Bettamio Tesser, Saulo Lopes Segall, Thais De Vasconcelos Guimarães e Clayton Edson Soares.

É desespero que chama.

Pão de ração animal e tâmaras enroladas em gaze: o que crianças comem em Gaza

Depois de sobreviverem com pães amargos feitos de ração animal em vez de farinha adequada, três jovens irmãos que deixaram sua casa na Cidade de Gaza para uma tenda mais ao sul estavam se alimentando de um pote de halawa, uma pasta doce.

Seraj Shehada, de 8 anos, e seus irmãos Ismail, de 9 anos, e Saad, de 11 anos, disseram que fugiram em segredo para se refugiar com a tia em sua tenda em Deir al-Balah, no centro da Faixa de Gaza, porque não havia nada para comer na Cidade de Gaza. Eles perderam a mãe e tias nos ataques.

“Quando estávamos na Cidade de Gaza, não comíamos nada. Comíamos a cada dois dias”, relatou Seraj Shehada, falando enquanto os três meninos comiam o halawa direto da vasilha, com uma colher.

“Comíamos comida de pássaro e de burro, qualquer coisa. Dia após dia, não essa comida”, comentou, referindo-se aos pães feitos de grãos e sementes destinados ao consumo animal.

A escassez de alimentos tem sido um problema em todo o território palestino desde o início da guerra entre Israel e o Hamas, em 7 de outubro, mas é particularmente grave no norte de Gaza, onde as entregas de ajuda humanitária têm sido mais raras há mais tempo.

Alguns dos poucos caminhões de ajuda que chegaram ao norte foram cercados por multidões desesperadas e famintas, enquanto os trabalhadores humanitários relataram terem visto pessoas magras e visivelmente famintas, com olhos encovados, segundo a CNN.

Na região central da Faixa de Gaza, a situação é um pouco melhor, mas ainda está longe de ser fácil.

No campo de refugiados de Al-Nuseirat, ao norte de Deir al-Balah, Warda Mattar, uma mãe deslocada que se abrigou em uma escola com seu bebê de dois meses, estava dando a ele uma tâmara enrolada em gaze para chupar, por falta de leite.

“Meu filho deveria tomar leite quando recém-nascido, seja leite natural ou leite em pó, mas não consegui dar leite a ele, porque não há leite em Gaza”, afirmou Mattar.

“Recorri a tâmaras para manter meu filho quieto”, adicionou.

Um pão pequeno a cada dois dias
Na tenda em Deir al-Balah, os três irmãos disseram que perderam a mãe, outro irmão e várias tias na guerra. Eles ficaram com o pai e a avó, e quase nada para comer além de pães feitos de ração animal, observou o irmão mais velho, Saad Shehada.

“Era amargo. Não queríamos comer. Éramos forçados a comê-lo, um pão pequeno a cada dois dias”, disse ele, acrescentando que bebiam água salgada e ficavam doentes, e não havia como lavar a si mesmos ou suas roupas.

“Viemos secretamente para Deir al-Balah. Não contamos ao nosso pai”, destacou.

A tia dos meninos, Eman Shehada, estava cuidando deles da melhor forma possível. Com gravidez adiantada, ela disse que perdeu o marido na guerra e ficou sozinha com a filha, uma criança pequena.

“Não estou recebendo nutrição necessária, por isso me sinto cansada e tonta”, pontuou.

Ela não tem dinheiro nem para comprar um quilo de batatas.

“Não sei como administrar nossas coisas com essas três crianças, minha filha, e estou grávida, posso dar à luz a qualquer momento”, ponderou.

Guerra deixa destruição
A guerra foi desencadeada após um ataque de integrantes do Hamas que saíram de Gaza e atacaram o sul de Israel em 7 de outubro, matando 1.200 pessoas e fazendo 253 reféns, de acordo com Israel.

Jurando destruir o Hamas, Israel respondeu com ataques aéreos e terrestres ao território costeiro densamente povoado, que matou mais de 29.700 pessoas, de acordo com o Ministério da Saúde de Gaza, controlado pelo Hamas.

A guerra deslocou a maior parte dos 2,3 milhões de habitantes da Faixa de Gaza e causou fome e doenças generalizadas.

Após ato pró-Bolsonaro, Moraes frisa que é preciso “fortalecer a democracia”: “não podemos baixar a guarda, dar uma de Bambam contra Popó”

Defensor da regulamentação das redes sociais, para coibir as fake news (uma das táticas da extrema direita), Moraes afirmou que a sociedade brasileira não pode “cair no discurso fácil” de que isso representa um ataque à liberdade de expressão.

Em sua palestra de inauguração do ano letivo na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, da USP, o ministro Alexandre Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), apresentou um panorama sobre os ataques que a democracia vem sofrendo em várias partes do mundo, promovidos por grupos extremistas. Por isso, frisou, não é hora de “baixar a guarda” porque é necessário defender a democracia.

Defensor da regulamentação das redes sociais, para coibir as fake news (uma das táticas da extrema direita), Moraes afirmou que a sociedade brasileira não pode “cair no discurso fácil” de que isso representa um ataque à liberdade de expressão.

Segundo Moraes, os extremistas em todo o mundo tem a mesma estratégia de atacar o Poder Judiciário e a imprensa, o que, na suas palavras, faz parte do “manual do ditador”.

“Em alguns países, os extremistas quando chegam ao poder atacam os pilares da democracia. (…) A imprensa livre – emparelhando as notícias verdadeiras com as fraudulentas, colocam em dúvida a credibilidade do sistema eleitoral e, agora, não podem deixar aqueles que tem o papel de garantir o Estado Democrático de Direito, não podem deixar que eles tenham independência. Isso foi feito em todos os países onde esse mecanismo de extremismo surgiu”, disse Moraes.

“E foi o que foi feito no Brasil: um ataque frontal. E em outros países onde o Judiciário também resistiu. Por que no Brasil isso foi mais sentido? (…) Porque no Brasil existe a Justiça Eleitoral. Então, ao mesmo tempo o ataque ao segundo pilar da Democracia, os instrumentos que levam à Democracia – o voto – e o terceiro pilar – a independência do Judiciário, no Brasil, isso se misturou. Porque é o Poder Judiciário, por meio da Justiça Eleitoral, que organiza, realiza, administra e julga as eleições. Então, o inimigo do segundo e do terceiro pilares que levam à Democracia para o populismo extremista, no Brasil, eram o mesmo. E os canhões foram direcionados para isso”, declarou.

“Nós não podemos nos enganar. Nós não podemos baixar a guarda… Não podemos dar um de [Kleber] Bambam contra o Popó – que durou 36 segundos. Nós temos que ficar alertas e fortalecer a democracia. Fortalecer as instituições e regulamentar o que precisa ser regulamentado”, completou.

No ato da Avenida Paulista, nesse domingo (25), o pastor Silas Malafaia contrariou a promessa do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que não queria ataque a instituições e pessoas, e criticou Moraes e o presidente da Corte, Luís Roberto Barroso.

Malafaia fez as declarações do carro de som em que Bolsonaro estava.

O pastor iniciou seu discurso dizendo que não iria atacar o STF, mas citou 16 vezes Moraes e 1 vez Barroso.

“O pastor afirmou ainda que Moraes disse que a extrema-direita tem que ser combatida na América Latina. E completou: “Como ministro do STF tem lado? Ele não tem que combater nem extrema-direita nem extrema esquerda. Ele é guardião da Constituição”.

Também disse que “o presidente do STF, ministro Barroso disse “nós derrotamos o bolsonarismo. Isso é uma vergonha, é uma afronta ao povo. Eu quero dizer: sabe quem é o supremo poder dessa nação? O povo. Todos nós temos que nos submeter ao povo”.

Manifestação na Paulista foi um retumbante fracasso, isso tem que ser dito com todas as letras

A maior quantidade de pessoas que Bolsonaro conseguiu levar à Paulista, foi no 7 de setembro de 2021, que foi contabilizado oficialmente como 125 mil pessoas.

Quando se compara as imagens aéreas dessa manifestação, que foi a maior, com a deste domingo, que foi menor do que a de 2022 que, segundo fontes oficiais, deu 35 mil pessoas, pode-se afirmar com a mão na consciência, sem medo de errar, que não há malabarismo artístico capaz de mudar a fisionomia do fracasso, nem utilizando todos os clichês de um romancismo bolsonarista.

Não é uma interpretação teórica da força política de Bolsonaro na atualidade, mas, se comparar o número de manifestantes deste domingo, 25, com o passado recente do bolsonarismo, que sonhava em dar golpes sobre golpes, num grande plano para se eternizar no poder, é possível, com um mínimo de boa vontade, estabelecer uma medida diametralmente oposta ao Bolsonaro, dentro e fora do poder.

Não se trata de uma equação complexa, convenhamos. O poder deu a Bolsonaro a possibilidade de fazer acordo com o inferno, que só funciona na base da propina, do orçamento secreto e de todas as modulações de picaretagens das quais ele lançou mão, via cofres públicos, para tentar se reeleger, mas fracassou.

Não é sem motivos que Bolsonaro, na Paulista, apareceu não só pouco inspirado para seu próprio público, como também acabou resultando numa espécie de “autogolpe”, já que deu com a língua nos dentes, confessando alto e em bom som, que sim havia uma relação íntima entre a minuta do golpe e o próprio, na busca por uma saída golpista para sua derrota.

Então, não há outra forma de sintetizar o que se viu neste domingo na Paulista, que não seja a palavra fracasso não assumido pelos fracassados, assim como a derrota nas urnas, não assumida pelos derrotados.

Diferente disso, o drama de Bolsonaro piorou, ficou mais explícito, lógico, rumo a um desfecho dramático no sentido da condenação e prisão.

PF vê “admissão de culpa” de Bolsonaro em discurso na Avenida Paulista

A Polícia Federal (PF) vai incorporar o discurso do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) às investigações sobre a suposta tentativa de golpe.

A Polícia Federal (PF) vai incorporar o discurso do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) durante o ato com apoiadores na Avenida Paulista, em São Paulo, neste domingo (25/2), às investigações sobre a suposta tentativa de golpe de Estado.

Fontes confirmaram ao Metrópoles que há indícios de “admissão de culpa” nas falas de Bolsonaro. O discurso do ex-presidente será transcrito e inserido nos autos da “narrativa golpista”.

Para milhares de apoiadores, Bolsonaro se defendeu das acusações de suposta tentativa de golpe de Estado e adotou postura mais amena ao criticar o Supremo Tribunal Federal (STF) e os seus ministros, diz o Metrópoles.

Na Paulista, o ex-presidente afirmou que busca a pacificação do país e pediu a anistia dos criminosos presos pelos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023.

“Golpe é tanque na rua, é arma, é conspiração. Nada disso foi feito no Brasil. Por que continuam me acusando de golpe? Porque tem uma minuta de decreto de estado de defesa”, disse. “Golpe usando a Constituição? Deixo claro que estado de sítio começa com presidente convocando conselho da República. Isso foi feito? Não”, completou Bolsonaro.

Afundado num pântano, se Bolsonaro ficar calado, afunda, se falar, afunda também

A manifestação, convocada no atropelo, foi a suposta saída, a de buscar uma estratégia que anulasse uma transparente prova material de sua autoria na tentativa de golpe de Estado, que acabou não ocorrendo antes da eleição de 2022, talvez pela esperança da vitória, mas que acabou chegando às vias de fato no dia 8 de janeiro, logo após a posse de Lula.

Em função da violência empregada pelos prodigiosos terroristas do bolsonarismo mais radical, a tentativa de explosão de uma bomba, diante dos olhos do Brasil, no aeroporto de Brasília, no dia da diplomação de Lula, certamente não estava desprovido de apoio de Bolsonaro..

Na verdade, Bolsonaro, que nunca teve qualquer grandeza, não teria, após sua derrota e apresentaria suas armas, experimentando em cada ação sublinhada pela violência e fixando preliminarmente uma ação programática alheia à legalidade.

Bolsonaro foi o arquiteto do conjunto da obra golpista, não em somente um movimento, mas em vários, uns mais, outros menos tradicionais. Tudo feito com a colaboração de seus mais próximos aliados.

Toda aquela dramaticidade, na busca por uma solução violenta, cantada como pedra por Bolsonaro, por perceber que seria derrotado, está longe de ser uma exceção, ao contrário, sempre esteve consciente de que, mesmo de forma delirante, não tinha outra saída para se manter no poder sem ser através de alguma forma de golpe.

Isso, mesmo sem uma técnica propriamente dita, ficou indubitavelmente explícito naquela reunião ministerial em que ele tinha como conceito final o golpe em estado puro.

Assim, Bolsonaro imaginou que, através de uma manifestação barulhenta que viesse a ocorrer, sem cartazes e frases de guerra contra o Supremo, os efeitos contra a sua prisão seriam facilmente alcançados, como quem se acha a própria divindade, um semideus, um herói mítico que, tendo o povo como instrumento, a qualquer momento poderia enfrentar o judiciário e, com isso, extinguir qualquer prova de culpa.

No entanto, Bolsonaro, hoje, chegou na Paulista de um jeito e saiu da manifestação do mesmo jeito, o que lhe reduziu o tamanho, porque afundou ainda mais no pântano e o colocou mais perto da prisão.

Carta aos que não sepultei

Não sairemos iguais após o horror em Gaza. Seremos assombrados pelos rostos palestinos que vimos sucumbir e pelo gozo perverso dos sionistas. E se alguém não está cheio de hematomas internos, é porque não olhou nos olhos das crianças palestinas

Por Berenice Bento*, na Cult

Em uma sala iluminada precariamente, um palestino dava uma entrevista. A calvície, os óculos, a barba por fazer revelam uma pessoa cansada, de noites insones.

Enquanto durava a entrevista, o som das bombas lá fora não arrefecia. Ele olhava para a câmera e dizia: Não sei se vou sobreviver.

Não gritava. Não pedia socorro. Não, ele não olhava para a câmera. Olhava diretamente nos meus olhos. E me perguntava: você pode me salvar? Eu o escutava em desespero.

Eu não podia acreditar. Ele vai sobreviver, desejava. Ele sabia que não. Foi a última vez que o vi. Foi daquela casa que, minutos depois, seria seu túmulo e de sua família, que o poeta palestino expôs uma nova forma de denunciar o genocídio em curso.

Logo depois da entrevista, Refaat al-Areer, de 44 anos, professor de literatura, tradutor e poeta, sucumbia vítima de um bombardeio de Israel. Ele morreu no dia 7 de dezembro de 2023.

Durante a Guerra do Golfo, em 1990, aconteceu algo inédito. Pela primeira vez, os combates e os bombardeios eram mostrados ao vivo. Estava sendo inaugurada ali o chamado “jornalismo 24 horas” e a transmissão da guerra se dava ao vivo.

A guerra tornou-se um espetáculo midiático como nunca antes se havia visto. As pessoas passaram a sentar-se diante da televisão, com pipocas e refrigerantes, para assistir aos bombardeios.

Agora, algo novo está acontecendo e ainda não temos léxico suficiente para alcançar o que estamos testemunhando.

Não são apenas vídeos panorâmicos. Imagens de bombardeios. Pela primeira vez na história da humanidade, acompanhamos o anúncio da morte. Um anúncio feito diretamente aos nossos olhos.

Somos levados, pelos rostos e olhares, ao momento do sacrifício. Assistimos ao sacrífico de um povo, mas este povo, agora, olha diretamente para mim. É isso que chamam de testemunhar?

Testemunhar não é uma atitude passiva, mas um ato que me torna parte, um gesto que me convoca. Quando eu digo: “eu vi ou eu escutei”, já faço parte da história.

Os meios de comunicação sionistas sabem disso. Sabem que precisam controlar com precisão cirúrgica o fluxo de imagens, sons e textos que são exibidos. Não é uma narrativa da guerra, mas uma guerra de narrativa, uma operação bélica construída nos detalhes.

E quando digo detalhes não é uma figura de retórica. É na miudeza do olhar de uma criança que olha diretamente nos meus olhos que está o perigo.

A estratégia de humanização, da produção da empatia, foi amplamente acionada pela imprensa sionista, chegando à exaustão ao expor as histórias de vida dos reféns israelenses feitos pela resistência palestina.

Em algum momento, começou-se a entrevistar e dar um pouco de visibilidade à dor palestina. Só então, acredito, houve uma mudança na opinião pública.

Diante dessa mudança, o que os meios de comunicação fizeram? Acabaram simbolicamente com o genocídio. Pararam de pautar a questão.

Nada é mais perigoso do que conhecer o nome, a idade, os sonhos de alguém que foi assassinado. Não se trata de uma multidão sem rosto, mas de um ser único.

Nada é mais revolucionário do que o rosto do outro. E este rosto é um perigo. O rosto, aquilo que, ao mesmo tempo que me singulariza, me separa do outro, é também aquilo que me torna parte, que me faz responsável pelo outro.

Diante do rosto, toda a vulnerabilidade é exposta. Mas não são apenas fotografias, como aconteceu durante a Guerra do Golfo. São pessoas que relatam, anunciam, prenunciam suas mortes. Quando, na história da humanidade, vivemos a experiência de escutar alguém relatar sua própria morte?

O rosto nos remete à responsabilidade ética com o Outro. Este é o primeiro momento da relação ética.

Como apontou o filósofo judeu Emmanuel Levinas em Totalidade e infinito, “O rosto é o que não se pode matar ou, pelo menos, aquilo cujo sentido consiste em dizer: ‘tu não matarás’”.

O poeta palestino e tantos rostos de crianças que sumiram da face da terra nos últimos meses seguem comigo. A ausência física não os fez desaparecer. Seguem presentes. Eu não os enterrei. Eles seguem comigo.

O rosto é a representação mais contundente da humanidade, quando a imagem humana se torna visível. A minha identidade se constitui inexoravelmente a partir dessa relação com o Outro, da “responsabilidade” com o Outro.

Durante a Guerra do Golfo, começaram a circular nos jornais estadunidenses fotos com os rostos de crianças iraquianas mortas, o que começou a alterar a opinião pública em relação à guerra.

O Departamento de Defesa proibiu que as fotos circulassem. A orientação era clara: as fotos deveriam ser panorâmicas, de multidões e distantes dos corpos. O rosto é um risco. É um perigo à segurança nacional.

Olhar dentro dos olhos é um gesto que pode mudar uma posição. Os palestinos inventaram outra forma de nos deixar próximos a eles. Ainda não sabemos muito bem qual o efeito dessa nova forma de relatar e antecipar a morte em nossas subjetividades diante da dor do outro.

Agora, nos deparamos com rostos que clamam por ajuda. Como lidar, como elaborar o luto da perda de alguém que me pediu ajuda para, minutos depois, ser assassinado? Chorar basta? Indignar-se, clamar por justiça basta?

É tudo tão pouco, ainda que eu tenha repetido: “eu faço o possível”. Porém, o possível é muito pouco.

Não evitou a morte de 29.313 palestinos (este número pode chegar a 36313 palestinos, se considerarmos os 7 mil desaparecidos sob os escombros), sendo que, desse total, são cerca de 12300 crianças (dados do Ministério da Saúde da Palestina, em 21 de fevereiro de 2024).

Há outros rostos que nos miram diretamente nos olhos. Pequenos vídeos produzidos por soldados israelenses circulam pelo mundo. Eles gravam, em êxtase, a hora em que apertam um botão e jogam pelos ares mesquitas, residências e escolas.

Eu também posso olhá-los, mas não entendo, não alcanço totalmente o que lhes provocam as gargalhadas ou o que os fazem dançar freneticamente diante ou sobre os escombros.

O colonialismo é uma droga poderosa, pesada. Ao testemunhar o gozo perverso daqueles soldados, eu reverbero a pergunta de Primo Levi, outro pensador judeu: “É isto um homem?”.

O colonialismo sionista está convencido de que tem autorização, ou melhor, tem o direito (e o dever) de matar e que nada irá atingi-lo, porque a vida palestina é uma vida matável, está fora do registro do humano, é um corpo sacrificável, sem rosto, sem voz.

Nas paredes do Hospital Alshifa, em Gaza, algum palestino escreveu: “Nós somos todos funerais temporários”.

Aqui está a consciência da não importância da vida palestina, expressada por um palestino que, certamente, já teve seu funeral definitivo.

No fundamental, na relação com o Outro, o colonialismo sionista não se diferencia do colonialismo europeu. Negros, populações originárias nunca tiveram seu estatuto ontológico de gente reconhecido.

E no caso do sionismo, há uma outra camada: eles transformaram os nativos da terra em fantasmas, afinal, ali não existia gente, era uma terra vazia.

Quem se importa com as vidas palestinas? Não apenas se pode matá-las, mas deve-se performatizar o assassinato como um ato de festa, de comunhão coletiva.

Não se trata mais da “banalidade do mal”, conforme formulado por Hannah Arendt em Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal, em que o indivíduo abre mão de sua capacidade de decidir e torna-se um mero cumpridor de ordens, um corpo obediente esvaziado de sua capacidade de questionar as normas.

São seres que antes de tudo zelam pelo cumprimento da ordem, sem refletir sobre o bem ou o mal que podem causar. Não, a banalidade do mal não nos serve para entender o que estamos testemunhando. Não temos apenas obediência. Nada ali é passividade.

O soldado e a soldada orgulham-se, filmam-se, comemoram. Eles foram construídos no registro de vítimas absolutas, o que lhes gerou um crédito infinito que os autoriza a matar sem nenhum dilema ético.

Eles não estão matando, mas cobrando uma dívida que o mundo lhes deve. Querem ser o herói ou a heroína para sua comunidade. E o reconhecimento da comunidade será diretamente proporcional à quantidade de vidas palestinas sacrificadas.

A primeira reação, inevitável, diante do gozo perverso dos sionistas é um desejo profundo de expulsá-los da categoria e da comunidade humano, daí a pergunta “é isto um homem?”.

No entanto, de nada adianta chamá-los de monstros ou aberrações políticas. Precisamos, antes, reconhecer que a pedagogia colonial sionista é exitosa. A pedagogia do ódio venceu em Israel e as poucas vozes divergentes são sufocadas.

Não se trata de uma natureza humana perversa, mas de um projeto político-pedagógico que tem na morte e na guerra suas razões de ser.

Mas também me impressiona, na mesma intensidade, a força de pessoas judias que romperam com esta pedagogia da morte e decidiram pela justiça social, para seguir com a boa tradição judaica, a exemplo do que faz Breno Altman, um homem que, sozinho, tem sido um exército inteiro.

Assim como ele, milhões de pessoas judias em todo mundo gritam: “Não em nosso nome!”.

Eu não tenho dúvida: a tarefa de libertar a judaicidade do sionismo e a luta pela expulsão dos sionistas da Palestina são lutas irmãs.

Acho que não sairemos dessa história iguais. Seja porque fomos e somos perseguidos pelos rostos palestinos que vimos sucumbir, seja pelas novas formas de acompanhar e testemunhar o horror do genocídio.

Se antes o colonialismo fazia parte da minha vida como um tema de estudo e de atuação, agora transformou-se em uma dilacerante experiência de dor. No meu cotidiano, o que tem me acompanhado não são os vídeos macabros sionistas.

Vejo o olhar do pai que tenta juntar, em um saco de plástico, as partes do corpo do filho dilacerado por um bombardeio, para lhe dar os últimos ritos funerários e reinstaurar a humanidade negada.

Sou atravessada pelo olhar da mãe que, depois da ordem de evacuar um hospital, carrega nas costas o corpo do filho envolto em um lençol branco. Onde ela o enterrou?

Choro com o avô que aperta contra seu corpo o miúdo corpo da netinha e olha para o céu, certamente conversando com Allah, para encontrar algum sentido em tudo aquilo.

Lembro agora do olhar esfomeado de uma criança que tentava encontrar alguma grama para comer, depois que a ração dos animais que serviu sua família acabou. A fome como prenúncio da morte, como arma de extermínio. É isso o que eu vejo.

Vejo o olhar da menina de dentes de leite, que me olha e me pergunta: o que fizemos para merecer isso?

Engulo as notícias diárias como se ácido fossem. Algo morre e parece que um campo estéril de tristeza e desesperança brota. A dor do ácido talvez seja outro nome para “luto”.

Sim, eu posso repetir: “vamos resistir”, transformemos o luto em luta…

Mas precisamos dizer, com todas as letras, nos espaços públicos: os malditos sionistas também estão nos matando. Este é outro efeito da palestinização do mundo a que estamos testemunhando.

E se alguém não está cheio de hematomas internos é porque não olhou nos olhos das crianças palestinas.

*Berenice Bento é professora do Departamento de Sociologia da UnB e pesquisadora do CNPq.

*Viomundo