Aliado de Bolsonaro, governador debochou de denúncia à ONU por violência policial.
Assim que venceu a eleição de 2022, Tarcísio de Freitas deu início a uma operação de reposicionamento. Queria suavizar a imagem e se descolar da extrema direita. “Nunca fui bolsonarista raiz”, jurou, dias antes da posse. “Sou cristão e contra o aborto, mas não vou entrar em guerra cultural”, prometeu.
Com ambições presidenciais, o governador de São Paulo foi aconselhado a se vender como um político moderado. Na sexta-feira, abandonou o teatro e rasgou a fantasia.
Entidades civis denunciaram a polícia paulista ao Conselho de Direitos Humanos da ONU. Relataram ameaças, torturas e execuções sumárias na Baixada Santista. Questionado sobre o assunto, o governador respondeu em tom de deboche. “O pessoal pode ir na ONU, na Liga da Justiça ou no raio que o parta, que eu não tô nem aí”, disse.
Antes de chegarem a Genebra, as acusações fizeram escala no Ministério Público. Dossiê chancelado pela Ouvidoria da Polícia, pela Comissão Arns e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública enumerou irregularidades e abusos na segunda fase da Operação Escudo. O documento descreveu uma PM sem controle, que parece ter carta branca para atuar fora da lei.
Números oficiais reforçam a suspeita de que a violência é autorizada. Em pouco mais de um ano sob o comando de Tarcísio, a polícia promoveu as duas maiores matanças registradas no estado desde o Massacre do Carandiru. Entre julho e setembro de 2023, a primeira fase da Escudo deixou 28 mortos na Baixada. Entre janeiro e fevereiro de 2024, a Promotoria contou mais 54 mortes em ações policiais na região.
Eleito com os votos de Jair Bolsonaro, Tarcísio dedicou os primeiros meses a se diferenciar do padrinho. Depois do 8 de Janeiro, foi visitar o presidente Lula e deu declarações contra o extremismo. Mais tarde, reuniu-se com o ministro Fernando Haddad e elogiou a reforma tributária. A pose de direitista civilizado irritou o capitão, que passou a fazer críticas públicas ao pupilo.
O pito surtiu efeito. Para agradar o chefe, o governador defendeu o batismo de uma ponte com o nome do coronel Erasmo Dias, símbolo da repressão na ditadura. Depois perdoou R$ 1 milhão em multas aplicadas a Bolsonaro por infrações sanitárias na pandemia. Além de desfalcar os cofres estaduais, premiou o negacionismo e o descaso com a saúde pública.
No mês passado, Tarcísio discursou no comício convocado pelo ex-presidente para tentar se livrar da cadeia. Em outro ato de subserviência, ofereceu hospedagem a Jair e Michelle no Palácio dos Bandeirantes.
Eleito após sete mandatos consecutivos do PSDB em São Paulo, o bolsonarista busca ocupar mais um espaço que pertencia ao partido: o de preferido do poder econômico. Já aprovou a venda da Sabesp e promete desestatizar os serviços de trem e metrô.
Ao peitar uma greve contra as privatizações, ele somou mais alguns pontos com o establishment, que ainda procura candidato para 2026. Mas quem comprar seu bilhete não poderá dizer que apostou num liberal. Vai levar no pacote o “tô nem aí” para a barbárie.
*Bernardo Mello Franco/O Globo