A nível mundial, expansão da capacidade de produção de lítio é crucial, o que torna imprescindível ter o controle das áreas onde se encontra o mineral, como a Bolívia.
Podemos tentar compreender a intentona golpista perpetrada no último dia 26 de junho contra o governo democraticamente eleito da Bolívia sob várias perspectivas. A meu ver, a geoestratégica e os interesses no campo energético é uma das principais. Juntamente com Argentina e Chile, o território boliviano compõe o que se denomina “triângulo do lítio”, essencial à procura por soluções de energia limpa e também evolução tecnológica, fatores-chave para o futuro da mobilidade e da transição energética globais.
Nos últimos quatro anos, esse país andino de 12,2 milhões de habitantes, cuja economia é baseada na extração de recursos naturais, principalmente gás e minérios, já sofreu duas tentativas de golpe de Estado, tendo a primeira sido exitosa, e a segunda providencialmente sufocada.
Preocupação com capitais chineses e russos
Em novembro de 2019, golpistas da extrema-direita forçaram a renúncia do então presidente Evo Morales, que viu-se obrigado a deixar seu país, exilando-se primeiramente no México, e posteriormente na Argentina. Durante o governo da presidenta golpista Jeanine Áñez, foram registradas centenas de prisões arbitrárias, e forte repressão policial aos movimentos contrários ao golpe. Neste 26 de junho de 2024, o agora ex-comandante do Exército Boliviano, Juan José Zúñiga, que se encontra preso, foi a principal liderança dessa segunda tentativa de golpe contra a democracia boliviana, a qual felizmente foi devidamente contida, segundo o Diálogos do Sul.
Conforme salientei, há várias maneiras de tentar compreender essas ameaças golpistas na Bolívia, mas, no meu entendimento, devemos partir para as questões geoestratégicas. Recentemente, no mês de abril, a titular do Comando Sul das Forças Armadas dos Estados Unidos, generala Laura Jane Richardson, se dirigiu à cidade de Ushuaia, na Argentina, onde foi recebida pelo presidente Javier Milei, entusiasta do país norte-americano. Naquela oportunidade, o mandatário rioplatense anunciou, entre outras questões, a instalação de uma base naval integrada aos EUA naquela localidade.
Trata-se de uma jogada estratégica, uma vez que há uma grande preocupação em Washington no que se refere ao Atlântico Sul, devido, sobretudo, à possibilidade de participação de capitais chineses e russos, em cooperações econômicas e no que se refere ao lítio, um dos recursos que faz parte da “estratégia de segurança” estadunidense nessa região.
Lítio, crucial para transição energética
O lítio é encontrado em lagos salgados ou salinas, sobretudo no Chile, na Argentina e na Bolívia (e em menor escala nos Estados Unidos e na China). A demanda por esse recurso tem experimentado aumento exponencial devido à sua aplicação predominante em baterias para veículos elétricos, para o armazenamento de energia renovável e para dispositivos eletrônicos portáteis. A alta procura por lítio tem sido fomentada pelas tendências globais em direção à redução da dependência de combustíveis fósseis.
Mas a questão não fica por aí. A produção de lítio enfrenta desafios significativos. E a maior parte dessa matéria-prima é extraída de salmouras e rochas pegmatíticas, principalmente na América do Sul (incluindo a Bolívia, como vimos), Austrália e China. E a expansão da capacidade de produção é crucial. Por isso é imprescindível ter o controle das áreas onde se encontra esse importante mineral.
Há duas semanas da tentativa de golpe, o presidente Luis Arce visitou San Petersburgo, onde acontecia o Fórum Econômico Internacional. Antes, porém, no mês de abril, a titular do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Bolívia, Celinda Sosa, reuniu-se, em Moscou, com o seu homólogo russo, Sergey Lavrov, que expressou o seu apoio às aspirações da Bolívia no que se refere à adesão ao grupo BRICS. Em dezembro de 2023, o país andino assinou acordo com a empresa russa Uranium One Group, para fins da construção de planta-piloto semi-industrial com tecnologia de Extração Direta de Lítio (DLI), no Salar de Uyuni, para produzir 14 mil toneladas de carbonato de lítio anuais.