Parte do empreendimento foi construído em área irregular, o que levou a Secretaria Municipal de Urbanismo a defender a derrubada, em 2018.
O empresário Rafael Alves, apontado como operador do suposto esquema do “QG da propina” na Riotur, intercedeu junto ao prefeito Marcelo Crivella (Republicanos) para evitar a demolição de uma casa do senador Romário (Pode-RJ) na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio. Parte do empreendimento foi construído em área irregular, o que levou a Secretaria Municipal de Urbanismo a defender a derrubada, em 2018. Segundo Alves, Crivella cuidou do assunto “pessoalmente”.
Mensagens extraídas do celular de Rafael Alves – o aparelho foi apreendido em março, na primeira fase da operação – mostram que, no dia 15 de março de 2018, ele enviou uma mensagem a Crivella tratando do tema. O material está em poder do Ministério Público do Rio (MP-RJ), que investiga o caso. No dia 7 daquele mês, um laudo da secretaria havia defendido a demolição.
“Soube agora que amanhã vão demolir a casa do Romário. Se o senhor puder tentar segurar isso. Ele me ligou aqui e foi nosso companheiro. Isso destruiria a vida dele. Ele disse que quer ir lá e regularizar o que for necessário. E com isso acaba essas brigas bobas e indiferenças. Somos pessoas de bem”, escreveu o empresário, citando trocas de farpas públicas entre o senador e o prefeito que haviam ocorrido pouco antes.
Crivella respondeu no minuto seguinte:
“Claro, amigo. Me dá o endereço”.
Em seguida, Alves informou a localização da casa, e o prefeito respondeu com um “ok”.
Três horas depois, Alves enviou uma mensagem ao doleiro Sergio Mizrahy, que delatou o suposto esquema de corrupção na prefeitura, afirmando que conseguira impedir a derrubada do imóvel do senador.
“Iam demolir a casa do Romário. Não deixei. Me pediram ajuda, e resolvi com o prefeito”, afirmou o empresário.
O episódio é citado pelo Ministério Público como um exemplo da influência de Alves na Prefeitura do Rio, pois, segundo os promotores, “diz respeito a um pedido pessoal, imediatamente atendido, para evitar a demolição da casa do Senador da República Romário”.
No dia seguinte à troca de mensagens entre Alves e Crivella, O GLOBO revelou a existência do documento endossando a demolição e mostrou que a autorização para a ação da prefeitura já havia sido pública no diário oficial. O laudo afirma que “Parte da edificação destinada à edícula não é legalizável, tendo em vista que está sendo executada fora do limite do lote em questão, em área pública destinada a recuo, caso em que é previsto o desmonte ou demolição (…), por usurpação ou invasão de bem público”. O texto afirma também que “Deverão ser demolidas as obras ilegalizáveis”.
No mesmo dia em que a reportagem foi publicada, Alves enviou uma mensagem a um interlocutor perguntando se Romário “estava calmo” e havia ficado “feliz”. O interlocutor responde que sim, já que o empresário havia “segurado” o assunto.
No dia seguinte, no entanto, o mesmo interlocutor repassou a Alves a reportagem em que o GLOBO revelava o laudo e a autorização para a demolição. Alves retrucou afirmando que não haveria ação no imóvel e revelou um outro expediente publicado em diário oficial, com o objetivo de impedir a derrubada. “Ontem publicou (sic) um ato para ficar empurrando. Mudaram até a escrita para o Globo não se ligar. Prefeito cuidou disso pessoalmente”.
Para o Ministério Público, as mensagens revelam “o dolo do prefeito Marcelo Crivella ao rever um ato legítimo da administração municipal, apenas para atender à demanda de Rafael Alves, razão pela qual se empenhou pessoalmente na resolução da demanda e chegou a determinar que a publicação que acabou por impedir a demolição do imóvel do Senador Romário tivesse sua redação alterada para fugir dos padrões habituais, de forma a dificultar que a imprensa lograsse localizá-lo”.
Romário comprou a casa no segundo semestre de 2016 e, segundo o laudo, demoliu cerca de 60% do que havia sido erguido e acrescentou “mais de 600 metros quadrados de área construída”. A área total do terreno é de 1.575 metros quadrados. Antes de pertencer ao senador, o imóvel do local tinha 896 metros quadrados. Há ainda um campo de futebol. “A construção também excede o limite máximo de área total edificada permitido para o local”, diz o laudo.
A obra chegou a ser embargada em dezembro de 2016, quando uma fiscalização constatou que não havia licenciamento, mas as intervenções continuaram. Oito multas foram aplicadas em função do descumprimento, o que não foi suficiente para interromper os trabalhos.
Procurado, o senador Romário não respondeu os questionamentos da reportagem.
*Com informações de O Globo