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Ignácio Rucci: um divisor de águas na luta pela Pátria Grande

O dia 25 de setembro passado marcou os 47 anos de um fato trágico que assinala um ponto de aprofundamento na divisão da esquerda argentina, e porque não dizer continental, e que precisa ser devidamente debatido e esclarecido por todos que se empenham sinceramente pela luta dos trabalhadores e pela libertação e unidade da América Ibérica. Falo do assassinato, aos 49 anos de idade, do trabalhador metalúrgico e braço direito de Perón no movimento sindical: José Ignácio Rucci, executado por um comando ligado ao movimento Montonero.

Rucci é um típico exemplo das lideranças trabalhistas que emergiram com Perón. Ele nasceu em Alcorta, Provincia de Santa Fé, em 15 de março de 1924 e foi para Buenos Aires na metade da década de 1940. Lá começou a trabalhar numa montadora de automóveis chamada Hispano-argentina. Foi quando ingressou numa entidade sindical denominada União Obreira Metalúrgica (UOM). Embora sindicalizado, ele não tinha militância política, mas no 17 de outubro de 1945 estava na Plaza de Mayo apoiando o então Coronel Perón. Desde então ficou clara sua identidade política: nacionalista, metalúrgico e peronista.

Quando o Partido Justicialista foi proscrito como consequência do golpe sangrento articulado pela Embaixada dos EUA e que culminou na derrubada e exílio de Perón, Rucci passou a militar na chamada Resistência Peronista atuando principalmente no movimento sindical na UOM. Nessa época foi eleito delegado sindical na empresa siderúrgica SOMISA e assumiu a secretaria de imprensa da UOM. Um pouco depois chegaria a secretário geral dessa entidade sindical na seccional de San Nicolás de los Arroyos. No final dos anos 50, sob Arturo Frondizi, a militância sindical peronista de Rucci o levou à prisão.

Já fora da cadeia e descontente com antigos companheiros sindicalistas, renunciou a seus cargos de dirigente sindical, vendeu a casa que havia comprado a crédito – e ainda estava pagando – e adquiriu um automóvel para trabalhar como taxista ou chofer, como ainda se dizia na época.

Mas acabaria voltando à vida de sindicalista e com o assassinato de Vandor “El Lobo” em 1969, assumiu a Secretaria Geral da poderosa Confederação Geral do Trabalho, a CGT. Ainda como parte de sua trajetória sindical vale destacar que em 1970 foi convidado a discursar na sede da OIT (Organização Internacional do Trabalho) em Genebra. Em sua fala criticou a concepção materialista da vida, na qual o homem “está a serviço da economia e na qual os trabalhadores são um simples instrumento da riqueza de uns poucos”. Esse discurso, segundo os especialistas no tema, representa a concepção cristã de justiça social a que está vinculada a comunidade organizada que defendia Perón desde 1949.

Ignácio Rucci, do alto da direção da CGT, lutou, efetiva e consequentemente, pela volta de Perón. Sua posição era de que a nação argentina deveria se reconciliar e buscar uma convivência pacífica e que para isso era necessário o retorno do General. Rucci via com grande preocupação o crescimento da violência política e ideológica vivida pelo país e que se intensificava cada vez mais desde meados da década de 1960. “Os que nos sentimos peronistas, que nos sentimos argentinos, que estamos dispostos a oferecer nossa dignidade como homens a serviço da causa do povo, jamais deixaremos nosso profundo sentimento de nacionalidade para nos envolvermos em esquemas estrangeirizantes”, afirmou em 1973.

Discursos como esse granjearam um grande número de inimigos. Um dos setores que reagiu de forma mais virulenta foi o então recentemente criado Exército Montonero e a guerrilha de orientação marxista-trotskista, como o ERP (Exército Revolucionário do Povo). Mario Firmenich, então principal liderança dos Montoneros, afirmou: “os que ocorrem em traições e desvios estão passíveis de sofrer medidas punitivas para que se estabeleça a justiça popular”. Desde então, era comum que setores mais radicais entoassem cânticos em que Rucci era chamado de traidor e que prometiam que ele seria morto, promessa que por pouco não se cumpriu em 1972, quando escapou de um atentado.

Com o retorno de Perón e os tristes e historicamente mal explicados episódios de Ezeiza, Rucci insistiu no discurso conciliatório: “a reconstrução da Pátria é uma tarefa comum para todos os argentinos, sem sectarismos nem exclusões”. Pouco tempo depois, em 25 de setembro de 1973, foi assassinado quando saía de casa.

No primeiro momento não se soube quem executou o líder sindical mais prestigioso do peronismo, mas em junho de 1975 os Montoneros, numa revista batizada com o nome de Evita, comunicaram que Rucci havia sido executado num ato de “justiça popular”.

Hoje é consensual entre os peronistas que José Ignacio Rucci foi um líder nacional e popular, exemplo de trabalhador, patriota convencido que o justicialismo (peronismo) é o caminho para a liberdade e o progresso dos argentinos. Um texto em sua memória afirma que “desde muito jovem ele compreendeu o valor dos grupos intermediários da sociedade para a conquista do bem comum, quer dizer o bem-estar de todos e de cada um dos argentinos. Por isso dizia que a recuperação plena dos salários, a valorização do trabalho, a criação de novas riquezas, seriam necessários para a pacificação dos espíritos, requisito indispensável para encarar o processo de reconstrução e reconquista dos valores nacionais”.

Ainda segundo o referido texto, foi justamente essa busca pela concórdia em meio à radicalização exacerbada dos anos sessenta e setenta que acabou sendo fatal para Ignácio Rucci. Passados todos esses anos a história continuaria prisioneira dos discursos ideológicos. Com isso a verdade acaba sendo colocada em segundo plano e as consignas defendidas por ele com a própria vida, embora essenciais para a recuperação da nação, não prosperam.

25 de setembro: data para recordar a história, buscar a recuperação da memória de José Ignácio Rucci e reacender o debate sobre o real papel desempenhado pelas forças populares na nossa Pátria Grande que o imperialismo e nossa insistência em ocultar (e por isso repetir) nossos erros mantém fraturada.

*H. Raphael de Carvalho
Professor colaborador e Pesquisador associado do Inst. de Estudos Estratégicos (INEST/UFF) e Laboratório de Política Internacional (LEPIN/UFF). Mestre em Política pela PUC/RJ. Doutor em Política pela UFF.

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