“Fui ao centro comprar material para meu trabalho e acabei cego de um olho”, desabafou Daniel Campelo, 51 anos, que perdeu a visão ao ser atingido por bala de borracha ontem durante manifestação anti-Bolsonaro no Recife.
Daniel sequer sabia que haveria protesto na cidade. Ele e as filhas não costumam acompanhar a política do país nem participar de qualquer tipo de ato público.
“Meu pai trabalha com adesivação de veículos. Foi só comprar umas coisas para adesivar táxis. A gente nem sabia que estava tendo protesto”, contou Evelyn Maria de Sena ao UOL, uma das filhas de Daniel.
Ela relatou que o pai seguia por uma das pontes que cortam o rio Capibaribe, próximo à avenida Guararapes, quando percebeu a ação da PM.
“Ele disse que saiu do meio da rua e foi para o canto da calçada, já para sair do meio da confusão e seguir o caminho. Mas, de repente, sentiu a pancada no olho”, detalhou.
As filhas de Daniel foram avisadas da condição dele por um amigo. “Um colega dele taxista, que socorreu ele, foi quem nos ligou para avisar que meu pai tinha levado um tiro”, relembrou Daniele de Sena, outra filha da vítima.
“Nós não gostamos de falar de política. Não temos interesse de falar contra ou a favor de Bolsonaro ou de quem quer que seja. Nem sabia de manifestação. E até iria ao centro também. Não fui porque recebi a notícia do ferimento do meu pai”, continuou Daniele.
Após ser atingido, Daniel foi amparado por pessoas que passavam pelo local e, em seguida, socorrido no HR (Hospital da Restauração), onde passou a noite à espera de cirurgia.
As filhas de Daniel Campelo adiantaram que já estão à procura de assessoria jurídica e que vão processar o estado.
O que dizem as autoridades
Sobre a agressão a Daniel, a Polícia Militar de Pernambuco informou que não vai se pronunciar. A corporação se limitou a dizer que o governador Paulo Câmara (PSB) já se posicionou, fazendo menção ao vídeo divulgado ontem, que não aborda a questão dos feridos.
O UOL procurou o governo do estado, que garantiu que presta assistência aos dois feridos pela PM.
O governador Paulo Câmara determinou que a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos acompanhe a assistência médica e inicie processo de indenização às vítimas.
“Assim como estamos acompanhando a investigação que está sendo realizada pela Corregedoria, também vamos seguir de perto a assistência às pessoas feridas”, afirmou o gestor.
Foi isso que disseram neste sábado as milhares de pessoas que foram às ruas em todo o país: Bolsonaro é pior que o vírus. Chegou a hora de vencer o medo, e tomando as precauções necessárias, mostrar que a maioria (57% segundo o Poderdata) não suporta mais o genocida e exigem seu impeachment, além de mais vacinas e auxílio emergencial de R$ 600 para os desvalidos da pandemia.
Bolsonaro, o intolerável, passou recibo no seu melhor estilo “vulgaridade ilimitada”. Postou nas redes sua fotografia com camiseta em que se lê: “imorrível, imbroxável, incomível”. Como se endeusa este sujeito, como é grande sua fixação em sexo e no próprio falo!
Passou este recibo chulo, sabedor de que o sucesso das manifestações deste sábado azul mudou a conjuntura. Até aqui, estava bem para ele: sem vacina e com o vírus solto, ruas vazias. Agora mudou. Outras manifestações virão, e se era por falta de povo na rua, o presidente da Câmara, Arthur Lira, terá dificuldades para continuar sentado sobre mais de uma centena de pedidos de impeachment.
A CPI, revelando a cada depoimento a responsabilidade cristalina de Bolsonaro pelo morticínio, expondo seu negacionismo e crueldade, já fez o presidente da Câmara dizer na semana passada que vai começar a examinar os pedidos. Comece logo Lira, antes que o bonde popular o atropele. Lira é um oportunista típico do Centrão: não acolhe nenhum dos pedidos nem arquiva nenhum. Sentado sobre a pilha, conserva o poder de chantagem sobre o genocida, que pode se achar imorrível, mas não será eterno no cargo. Se não cair por impeachment, perderá para Lula em 2022.
Por falar em Lula, li neste domingo análises que atribuíram as manifestações a uma estratégia dele, e outras que cobravam sua ausência e seu silêncio sobre o primeiro ronco das ruas.
Lula não tinha que ir mesmo. As manifestações foram puxadas pelas frentes Povo Sem Medo, Brasil Popular e Coalizão Negra por Direitos. Não pelos partidos políticos, embora PT, PSOL, PC do B, PCO e PCB as tenham apoiado. Elas materializaram uma frente popular e suprapartidária contra Bolsonaro, em defesa das vacinas e da proteção social. Se Lula tivesse ido, estaria sendo acusado de oportunismo eleitoral.
Ademais, como defensor ardoroso das medidas de isolamento e proteção sanitária em combinação com a vacinação em massa, sua presença carregaria uma contradição. O silêncio das primeiras horas é um sinal de seu respeito pelos que, vencendo o medo do vírus, foram às ruas dizer que não é mais possível suportar Bolsonaro na Presidência. Candidato favorito hoje, respeitou a natureza não eleitoral do protesto. E ainda que nem todos que protestaram sejam seus eleitores, foi para sua candidatura que as águas correram neste sábado.
A avalanche democrática e popular que tomou conta das ruas das principais cidades do Brasil neste 29 de maio [29M] é o rechaço mais poderoso a Bolsonaro e ao governo fascista-militar controlado pelo partido fardado.
Governos militaristas não chegam ao fim por vontade própria, nem mesmo quando perdem eleições por eles manipuladas.
Por isso, não se pode alimentar ilusões quanto à disposição do governo militar em “largar o filé” caso não consigam eleger seu candidato em 2022 para continuarem o projeto de poder que pretendem seja duradouro.
O partido dos generais alojou mais de 10 mil militares-parasitas em cargos técnicos, típicos de ocupação por profissionais civis.
Os militares ocupam os ministérios mais relevantes, e, além disso, colonizam agências governamentais, empresas estatais e cargos técnicos de 1º, 2º e 3º escalões, para os quais, na maioria dos casos, não possuem qualificação profissional. O exemplo mais notório é do general da ativa e ex-ministro da Morte Eduardo Pazuello. O apego deles à mamata e às regalias de ganhos extra-teto, portanto, é grande.
O encerramento antecipado deste governo genocida, que tem Bolsonaro como seu biombo, só será viável com forte pressão popular e intensa mobilização social. O mesmo se pode dizer acerca do respeito que o partido militar terá em caso de sufrágio pelas urnas em 2022 de presidente que não seja do agrado deles.
Hoje eles no máximo toleram Lula, a quem consideram como inimigo mortal, em duas condições: ou inelegível, ou morto.
A história mostra que os militares só se verão obrigados a respeitar o resultado eleitoral, ou só terão seus instintos totalitários contidos, diante de gigantesca mobilização civil.
Foi o que aconteceu com a ditadura instalada em 1964, que só chegou ao fim [muito tardiamente] em 1985 em meio a um processo social vigoroso e intenso, para o qual confluíram movimentos sociais, de estudantes, de juventudes e camponeses; artistas e intelectuais; sindicalismo independente, organizações de esquerda, igreja progressista e setores liberais.
Se dependesse apenas do conchavo entre as 2 frações da classe dominante autorizadas pelo regime, que se expressavam apenas por meio dos 2 partidos autorizados pela ditadura a funcionar – a ARENA e o MDB –, o regime demoraria muito mais tempo a ruir, em que pese sua inexorável crise de legitimidade.
Neste aspecto é que reside a enorme importância da avalanche democrática e popular que ocupou as ruas do país neste 29M para reivindicar [i] o impeachment do Bolsonaro e do Mourão, [ii] vacinas para toda população já, e [iii] pão e comida para saciar a fome de milhões de brasileiros/as desvalidos/as.
A eficácia da luta para afastar urgentemente o genocida da presidência e deter o morticínio macabro, do mesmo modo que a eficácia da luta pela garantia do respeito ao resultado da eleição de 2022, depende da ampla e radicalizada mobilização popular nas ruas.
Este 29 de maio de 2021 pode representar o início de um novo ciclo. Pode simbolizar o marco de um novo padrão de resposta popular para o enfrentamento frontal e eficaz a Bolsonaro e ao governo militar que é indispensável de ser dada, mesmo em meio à pandemia,.
O 29M tem de impulsionar a inauguração de uma dinâmica radicalizada e vigorosa da ação política e de massas no Brasil. É hora da esquerda radicalizar, para se contrapor à altura à radicalização da extrema-direita.
Como alerta Safatle, “A gente tem um processo de natureza revolucionária sendo capitaneado pela extrema-direita e acho importante entender que tem que ter outra revolução. É necessário uma radicalização dos dois polos. O polo da extrema-direita já se radicalizou”.
É preciso, definitivamente, se levar mais a sério setores das juventudes no 29M em Porto Alegre que gritavam: “Fascistas não passarão! Vocês querem ditadura, nós queremos Revolução!”.
É isso, a Revolução; ou é o não-futuro, a ditadura.
Tribunais e Ministério Público derrubaram ao menos dez inquéritos que tinham opositores do presidente como alvo; quatro deles foram abertos com base na Lei de Segurança Nacional.
Estadão – A ofensiva jurídica do governo Jair Bolsonaro contra críticos tem sofrido seguidos reveses no Ministério Público e em tribunais do País. Usada como estratégia de intimidação a opositores, a iniciativa congestiona o sistema judicial, mas não tem surtido efeito prático. Levantamento feito pelo Estadão mostra que pelo menos dez investigações abertas após pedidos do Ministério da Justiça e até do filho do presidente, o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), foram barradas nos últimos meses.
Os alvos foram diversos – youtubers, advogados e professores estão na lista. As ações miram desde quem chamou Bolsonaro de “genocida” nas redes sociais a jornalistas que criticaram o presidente em publicações, numa prática que especialistas comparam à perseguição política da ditadura militar. Das dez investigações arquivadas, quatro são baseadas na Lei de Segurança Nacional (LSN), que prevê prisão de até quatro anos para quem “caluniar ou difamar” o presidente da República. A legislação, cuja redação é de 1983 – um resquício do regime ditatorial do País –, foi revogada pela Câmara dos Deputados no início do mês, mas o Senado ainda precisa avaliar se concorda em anulá-la.
Em março, o Estadão mostrou que, sob Bolsonaro, o número de inquéritos abertos pela Polícia Federal com base na Lei de Segurança Nacional aumentou 285% em relação a governos anteriores – foram 77 investigações entre 2019 e 2020.
Um dos principais argumentos usados por juízes e procuradores na hora de mandar as investigações pedidas pelo governo para a gaveta é o de que, embora algumas declarações possam ser reprováveis em termos morais (como desejar a morte do presidente, por exemplo), elas não representam crime.
Foi assim no caso em que o ex-ministro da Justiça André Mendonça pediu para investigar uma médica que afirmou, em suas redes sociais, que a facada em Bolsonaro na campanha eleitoral de 2018 foi “mal dada”. Na semana passada, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) mandou parar o inquérito. Na decisão, o desembargador Olindo Menezes afirmou que o comentário era “infeliz”, mas não havia ali qualquer indício de crime contra a democracia.
Na quarta-feira passada, a Justiça Federal em Brasília também derrubou a apuração aberta contra o cartunista Renato Aroeira e o jornalista Ricardo Noblat por causa de uma charge que retrata Bolsonaro ao lado de uma suástica, símbolo do nazismo. Segundo a decisão, a ilustração não é criminosa, e ocupantes de cargos públicos estão sujeitos a críticas.
O advogado Cláudio Pereira, professor de Processo Penal na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), vê uma “manipulação dos meios de persecução penal” nas iniciativas do governo contra críticos. Para ele, as divergências políticas estão sendo levadas para o sistema de Justiça com dois objetivos: o de “atemorizar aqueles que realizam quaisquer atos de oposição” e o de fazer as instituições aderirem à politização. “Essas derrotas revelam que são iniciativas políticas juridicamente sem cabimento.”
‘Pressões’. Segundo Pereira, as dezenas de pedidos de investigação acabam por atrapalhar. “Congestionam o sistema judiciário com questões que não são importantes, como também causam nas pessoas que são demandadas (MP, polícia e Justiça) pressões políticas de toda a natureza que não são democráticas, não são republicanas.”
No parecer em que pediu o arquivamento do caso envolvendo o advogado Marcelo Feller, o procurador João Gabriel Morais de Queiroz foi na mesma linha. “Apesar dos arroubos antidemocráticos e da proliferação de defensores da ditadura observada nesses últimos anos, vivemos em um sistema democrático de direito”, disse Queiroz.
Feller foi alvo de investigação após usar os termos “genocida”, “criminoso” e “omisso” para se referir ao presidente, em um debate na CNN Brasil. A Justiça do Distrito Federal arquivou o inquérito em janeiro por considerar que as declarações se inserem no “exercício do direito à livre manifestação do pensamento”. “O governo pega críticas que ganham visibilidade e tenta passar o recado para a coletividade de que elas serão criminalizadas, como se dissesse: ‘Cuidado ao me criticar, porque vou te trazer problemas’”, afirmou Feller ao Estadão.
O professor Tiago Costa Rodrigues também foi alvo de pedido de investigação de Mendonça, por crime de calúnia contra a honra do presidente. Rodrigues foi o responsável por outdoors que comparavam Bolsonaro a um “pequi roído”. Em março, o Ministério Público Federal arquivou o caso sob alegação de que se tratou de “crítica política”.
Para o criminalista Augusto de Arruda Botelho, as pessoas que buscam investigações ou processos com base na LSN “no fundo sabem que não vai dar em nada”. O advogado integra o movimento Cala-Boca Já Morreu, lançado após o youtuber Felipe Neto ser alvo de investigação por ter chamado Bolsonaro de “genocida” nas redes. O inquérito foi aberto pela Polícia Civil a pedido de Carlos Bolsonaro e, depois, arquivado.
“As iniciativas do Ministério da Justiça, de parlamentares e familiares do presidente de investigar pessoas por terem se manifestado contra Bolsonaro são tentativas de constranger, porque o resultado prático, jurídico, dessas iniciativas, quase sempre é inexistente”, afirmou Botelho. O projeto encabeçado pelo advogado dá assistência gratuita a cidadãos processados por criticarem o governo ou qualquer autoridade pública. Hoje, o grupo cuida de sete casos.
O advogado João Paulo Martinelli, professor do Ibmec-SP, levantou ainda a possibilidade de os autores de pedidos de investigação baseados na LSN serem punidos. “É um abuso de autoridade, pois extrapola aquilo que a lei descreve como crime.”
Procurados, o Ministério da Justiça e André Mendonça não se manifestaram.
3 PERGUNTAS PARA…
Cláudio Couto, professor de Ciência Política da FGV
1.Na avaliação do senhor, qual é o efeito prático desses pedidos de investigação contra críticos e opositores do governo Jair Bolsonaro?
Eu acho que, na realidade, isso tem um custo particularmente para aquelas pessoas que são alvo desse tipo de representação. Afinal de contas, tem um custo judicial, tem que contratar advogado, dá trabalho, chateia. Há um monte de custos importantes que precisam ser considerados para que possamos entender por que o governo faz isso. Claro, ele faz para intimidar, faz para mostrar que ele não aceita qualquer tipo de crítica e nisso Bolsonaro tem uma clara demonstração do seu autoritarismo.
2.Mesmo com os arquivamentos, o senhor acredita que pode haver uma espécie de autocensura?
Acho que sim, algumas pessoas podem ficar mais, digamos, intimidadas e preferir não se expor. Mas acho que também tem o efeito reverso. Quando o governo age dessa forma, ele produz ondas de solidariedade às pessoas que são vitimadas por essa perseguição.
3.Existe algum paralelo possível entre essas tentativas de investigação com a perseguição política na ditadura?
O presidente Jair Bolsonaro é um fã da ditadura, ele nunca escondeu isso. Até mesmo dos torturadores, o que não dizer de outros aspectos da ditadura. Lançar mão de práticas autoritárias é esperado de alguém como ele.
Ju Amaral, irmã do querido Paulo Gustavo (1978-2021), fez uma tatuagem em homenagem ao ator e postou há pouco um recado para Jair Bolsonaro, que prestou condolências para a família do grande humorista, vítima aos 42 anos da Covid-19.
Frase da tatuagem: “Rir é um ato de resistência”, Tatau.
Ela manda o presidente do Brasil “nunca mais colocar o nome do irmão dela na boca”: “essa boca que disse não à vacina e condenou tantos à morte, essa mesma boca que debochou imitando pessoas com falta de ar, pessoas que viveram o horror que meu irmão viveu, não pode ser usada para pronunciar o nome dele nem lamentar a morte de todos os vitimados pela Covid”. Paulo Gustavo, presente!
Veja o post de Ju Amaral fez há pouco no seu Instagram: “Sr. presidente, me disseram algo sobre o senhor ter postado condolências à minha família. Só agora tive forças de vir responder como o senhor merece, e o mínimo que eu posso lhe dizer é que, por coerência, nunca mais ponha na sua boca o nome do meu irmão. Essa boca que disse não à vacina e condenou tantos à morte, essa mesma boca que debochou imitando pessoas com falta de ar, pessoas que viveram o horror que meu irmão viveu, não pode ser usada para pronunciar o nome dele nem lamentar a morte de todos os vitimados pela Covid. Também espero que o senhor não despeje sobre minha família os seus mais sinceros sentimentos pois eu não os aceito. Não sei que sentimentos tem um homem que deixa um país inteiro entregue à morte. Guarde pra você seus sentimentos e não nos obrigue a lidar com eles. Seus votos de pesar também peço que deposite em sua própria consciência, pois é sobre o seu governo que pesa a pior gestão desta pandemia mundial. Espero que o senhor saiba que meu irmão e você não tinham nada em comum. Vocês trafegam em vias opostas. Enquanto ele ia na estrada da vida, do afeto, da generosidade e empatia, o senhor vem pelas trevas, trazendo escuridão e morte. O Brasil que o senhor comanda carrega nas costas quase 500 mil filhos mortos, e dentre eles o meu irmão. #29mforabolsonaro #vacinaparatodos #luto”.
Impasse entre Planalto e Exército chega a ponto crítico; generais veem ‘desfaçatez’ de ex-ministro.
Segundo matéria da Folha, Jair Bolsonaro disse ao comandante do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, que não quer ver o ex-ministro Eduardo Pazuello (Saúde) punido por participar de um ato em favor do presidente no Rio de Janeiro domingo passado (23).
A sinalização foi dada ao comandante durante a viagem de ambos a São Gabriel da Cachoeira (AM), onde Bolsonaro foi inaugurar uma ponte de menos de 20 metros e fazer uma visita de dois dias a partir de quinta (27).
Pazuello é um general da ativa, no topo da carreira de intendente (responsável pela logística militar) com três estrelas. Paulo Sérgio é seu superior, e o pedido de Bolsonaro acirra a já grave crise entre o Planalto e a Força da qual o presidente saiu praticamente expulso como capitão em 1988.
Na viagem ao Amazonas estavam presentes o ministro da Defesa, Walter Braga Netto, e o chefe da Casa Civil, Luiz Eduardo Ramos. Ambos são generais de quatro estrelas, cume da hierarquia, da reserva do Exército.
No domingo passado, Pazuello participou de um evento de motociclistas com Bolsonaro e subiu ao palanque para dar apoio ao presidente. Demitido em março por sua gestão considerada desastrosa à frente da Saúde, o general foi incorporado a um cargo burocrático na Secretaria-Geral do Exército.
A proteção sugerida por Bolsonaro a Pazuello amplia muito a crise entre a Presidência e o Planalto. O ato de Pazuello gerou irritação no Alto-Comando do Exército, colegiado de 15 generais de quatro estrelas encabeçado por Paulo Sérgio.
O grupo defendeu a punição a Pazuello. Pelo regimento militar, que veta manifestações políticas de quem está fardado, é inegociável a situação: ele pode ser advertido verbalmente, receber uma repreensão por escrito ou pegar 30 dias de cadeia em um quartel.
No Alto-Comando, a repreensão, vista como desonrosa, parecia de bom tamanho. Menos que isso é contratar, nas palavras de um de seus generais, a anarquia —em especial na eleição polarizada de 2022 à frente.
A ideia de Pazuello ir à reserva para atenuar a crise, por sua vez, já é vista como insuficiente entre os fardados.
O ex-ministro deixou vazar sua linha de defesa, entregue na sexta (28) ao Exército. Ela foi considerada, segundo a Folha ouviu de generais, como “uma desfaçatez”. Basicamente, ele diz que não pode ser punido porque apoiava o cidadão Bolsonaro, não o presidente em um ato político.
Chegou a alegar que o fato de o presidente não ser filiado a um partido despolitizaria todo o evento. O conceito foi dado pelo próprio Bolsonaro em uma live na quinta (26).
Por absurda, a argumentação reforçou a crítica inclusive à hipótese de Pazuello ir à reserva para proteger a instituição. Para militares ouvidos, mesmo que o ex-ministro fizesse o gesto, a linha já foi cruzada e a punição se faz imperiosa.
O que traz de volta o impasse. Paulo Sérgio não é um favorito de Bolsonaro. Ao contrário, dias antes de o presidente intervir no Ministério da Defesa e levar à demissão coletiva dos três comandantes de Força, ele havia concedido entrevista que irritou o Planalto ao defender medidas contra a Covid-19.
Como se sabe, Bolsonaro reza pela cartilha do negacionismo na pandemia. Mas ao ver os comandantes de saída, o presidente resolveu os demitir, na maior crise militar desde 1977.
Para acalmar os ânimos, encaminhou substituições que respeitaram critérios de antiguidade, o que ungiu Paulo Sérgio no comando.
Segundo um interlocutor do comandante do Exército, ele se vê num beco sem saída.
Se acatar o desejo do chefe e poupar Pazuello, abrirá a porta da politização das Forças Armadas de forma inequívoca e ainda perderá a autoridade ante seus pares que são contrários a isso.
A questão é uma fantasma que acompanha os militares desde que, de forma geral, adotaram Bolsonaro como um candidato capaz de dar vazão a seus sentimentos antipetistas e anticorrupção na esteira da Operação Lava Jato, em 2018.
Uma vez eleito, muitos aceitaram integrar o governo, inclusive oficiais da ativa, emprestando seu prestígio. Tal movimento hoje é ressentido por oficiais-generais que apoiaram a ideia, apesar das benesses obtidas, como um plano de carreira e Previdência generoso sob Bolsonaro.
Por outro lado, se punir Pazuello, Paulo Sérgio poderá se ver numa situação em que a permanência no cargo será insustentável, levando à segunda crise militar em dois meses.
Alguns observadores fardados, notadamente fora do Exército, acreditam que é exatamente isso o que Bolsonaro quer, visando gerar um ambiente de instabilidade para que possa sacar sua usual carta de “vou chamar meu Exército” para resolver a crise.
Nenhum ator sério acredita nisso, mas a confusão pode contaminar estratos inferiores do estamento militar se o exemplo da punição não for dado, argumentam esses militares preocupados.
Paulo Sérgio tem uma semana para decidir o que fazer com o ex-ministro da Saúde.
A tendência por uma punição intermediária parece ter sido rejeitada por Bolsonaro, e há a especulação acerca da hipótese de o general a manter e esperar a reação do Palácio do Planalto.
Se isso ocorrer, a piora da crise também estará dada: uma desautorização de Paulo Sérgio por parte de Bolsonaro será recebida, dizem aliados do comandante, com uma renúncia.
Os militares de cúpula mais otimistas ainda acreditam em uma saída na qual Bolsonaro irá recuar ante uma punição mais branda de Pazuello.
Seja como for, o esgarçamento proposto pelo presidente da tessitura institucional militar tem tido péssimas repercussões. As declarações do seu vice, o general da reserva Hamilton Mourão, são vistas como um sinal disso. No auge da pandemia, Bolsonaro aperta a mão de militares e tira a máscara No auge da pandemia, Bolsonaro aperta a mão de militares e tira a máscara
Praticamente rompido com Bolsonaro, Mourão passou a semana dizendo que Pazuello era culpado e que tinha de ser punido pela indisciplina.
Mesmo não sendo uma unanimidade no Exército, o general falava ali pela corporação —com a autoridade extra conferida pelos votos que recebeu na chapa com o chefe.
Não parece haver um final feliz possível para o impasse.
ENTENDA POSSÍVEIS TRANSGRESSÕES DE PAZUELLO
O regulamento disciplinar do Exército, instituído por decreto em 2002, se aplica a militares da ativa, da reserva e a reformados (aposentados). Um anexo lista 113 transgressões possíveis
A transgressão de número 57 é a que mais compromete Pazuello: “Manifestar-se, publicamente, o militar da ativa, sem que esteja autorizado, a respeito de assuntos de natureza político-partidária.” Não há informação, até o momento, de que Pazuello tivesse autorização de seus superiores no Exército para a manifestação política a favor de Bolsonaro
Outras transgressões listadas são “faltar à verdade ou omitir deliberadamente informações que possam conduzir à apuração de uma transgressão disciplinar”; “portar-se de maneira inconveniente ou sem compostura”; e “frequentar lugares incompatíveis com o decoro da sociedade ou da classe”
O comandante do Exército, a quem cabe aplicar a punição, pode cometer uma transgressãodisciplinar se deixar de punir o subordinado transgressor, segundo o mesmo regulamento
O propósito do regramento, conforme a lei, é preservar a disciplina militar. Existe disciplina quando há “acatamento integral das leis, regulamentos, normas e disposições”;
Para julgar uma transgressão, são levados em conta aspectos como a pessoa do transgressor, acausa, a natureza dos fatos e as consequências. Se houver interesse do sossego público, legítima defesa, ignorância ou atendimento a ordem superior, a transgressão pode ser desconsiderada, o que não parece se enquadrar no caso de Pazuello
O acusado tem direito a defesa, manifestada por escrito. O bom comportamento é um atenuante. As punições vão de advertência e repreensão a prisão e exclusão dos quadros, “a bem da disciplina”
O caso de Pazuello pode se enquadrar ainda no Estatuto dos Militares, uma lei em vigor desde 1980. O artigo 45 diz que “são proibidas quaisquer manifestações coletivas, tanto sobre atos de superiores quanto as de caráter reivindicatório ou político”.
A vereadora do Recife Liana Cirne Lins (PT) foi agredida por policiais, que jogaram spray de pimenta no rosto da parlamentar. Ela chegou a cair no chão e precisou ser amparada por outra pessoa.
A polícia jogou bombas de gás lacrimogênio e balas de borracha contra vários manifestantes na capital pernambucana. Pelo menos uma pessoa já ficou gravemente ferida no ato.
Diversas cidades espalhadas pelo País têm protestos contra o governo Jair Bolsonaro neste sábado (29). As manifestações acontecem em mais de 200 locais de todas as regiões brasileiras e também em algumas cidades do exterior.
Várias lideranças políticas foram às redes sociais convocar a população para atos contra Bolsonaro.
O Ministério Público Federal em Brasília pediu à Justiça Federal a absolvição do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na ação em que é acusado de suposta corrupção passiva em um caso envolvendo a edição da Medida Provisória (MP) 471, que prorrogou por cinco anos benefícios tributários destinados a empresas do setor automobilístico. A medida foi editada em 2009, quando Lula ainda exercia o cargo de presidente da República.
Segundo a manifestação do MPF, não ficou demonstrada nenhuma prova de que o ex-presidente Lula tenha praticado qualquer irregularidade na edição da Medida Provisória.
“Desta forma, afigura-se imperiosa a afirmação da cláusula in dubio pro reo em favor dos acusados. O conjunto probatório produzidos nos autos, a despeito de corroborar a tese acusatória de que a edição da Medida Provisória nº 471/2009 foi comprada por corrupção, falha em produzir uma prova acima de qualquer dúvida razoável de que o produto do crime de corrupção passiva foi efetivamente entregue em favor do Partido dos Trabalhadores, por solicitação dos réus LUÍS INÁCIO LULA DA SILVA e GILBERTO CARVALHO”, diz trecho da manifestação do MPF.
Segundo a denúncia do MPF, R$ 6 milhões teriam sido prometidos ao ex-presidente Lula e a Gilberto Carvalho em troca da mudança na lei do setor automotivo. A denúncia foi apresentada pelo MPF-DF no dia 8 de setembro e é parte do desdobramento da operação Zelotes.
Também foram denunciados e viraram réus o ex-chefe de gabinete de Lula, Gilberto Carvalho, por corrupção passiva; e Mauro Marcondes e Alexandre Paes dos Santos, o ex-conselheiro do Carf José Ricardo da Silva e os executivos das montadoras Carlos Alberto de Oliveira Andrade e Paulo Arantes Ferraz, todos por corrupção ativa. Nas alegações finais apresentadas à Justiça, o MPF pediu a absolvição de todos.
A Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN) criticou hoje visita feita pelo presidente Jair Bolsonaro a comunidades indígenas em São Gabriel da Cachoeira (AM).
Segundo a entidade, Bolsonaro não se reuniu com as instituições que ajudam a combater a pandemia de covid-19 e sequer fez menção ao combate ao garimpo ilegal, narcotráfico e outros assuntos atingem as terras indígenas.
“Bolsonaro mais uma vez ignora os problemas e humilha o povo brasileiro. O presidente não encontrou com as instituições que mais ajudaram a combater a pandemia de Covid-19 aqui na região e sequer fez menção ao combate ao garimpo ilegal, narcotráfico e outros assuntos graves que assolam as terras indígenas aqui na região da tríplice fronteira com a Venezuela e Colômbia”, ressaltou Marivelton Barroso, do povo Baré, presidente da Foirn.
O movimento também protestou dizendo que “o desprezo por nosso povo indígena é tanto que o presidente sequer se deu o trabalho de conhecer nossa diversidade, criando ao seu bel-prazer uma nova etnia, a do povo Balaio, que não existe no Brasil e em nenhum lugar do mundo”.
Bolsonaro postou um vídeo da visita a São Gabriel da Cachoeira na sexta (28) chamando os índios de “nossos irmãos”. Neste sábado (29), ele postou novo vídeo, dessa vez, da sua visita ontem a uma feira na cidade. Houve aglomeração de pessoas, a maioria sem máscaras, inclusive o próprio presidente.
Após foto ao lado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), no início da semana, o padre Julio Lancellotti foi atacado hoje pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) durante conversa com apoiadores em frente ao Palácio da Alvorada, em Brasília. No vídeo, Bolsonaro relembra caso de extorsão envolvendo o religioso, em 2004, e faz insinuações sem apresentar provas.
“Publicaram uma foto do Lula com o padre Lancellotti, de São Paulo. Eu não vou falar tudo aqui, não. Mas o Lancellotti deu uma Pajero para alguém um tempo atrás… Não vou falar tudo porque tem gente gravando. Ninguém vai dar uma Pajero assim, né? Então esse padre é daquele padrão: é o ‘Padre Pajero’, né? Então, os caras botam o padre com o Lula e acham que o padre é aquele padre sério, responsável”, afirmou Bolsonaro.
Em 2004, o padre Julio Lancellotti disse ter sido extorquido por ex-interno da antiga Febem Anderson Marcos Batista, na época com 25 anos, conforme reportagem do jornal “Folha de S.Paulo”.
Segundo o padre, o ex-interno ameaçava procurar a imprensa para denunciá-lo por pedofilia —o alvo do abuso seria o enteado de Batista, de oito anos. O padre também disse ter recebido ameaças de agressão. Foi Lancellotti quem gravou conversas nas quais era chantageado e as entregou à polícia. Na época, o religioso afirmou que pagou por medo de ser agredido e por acreditar que “poderia mudar as pessoas que o extorquiam”.
As investigações constataram que Batista e sua mulher compraram pelo menos cinco carros de luxo com dinheiro extorquido, dentre eles, uma Pajero (R$ 65 mil, valor na época), citada por Bolsonaro no vídeo de hoje. O veículo foi financiado em nome do padre.
A reportagem do UOL tenta contato com o padre Julio Lancellotti. Caso ele se manifeste sobre as declarações de Bolsonaro, o texto será atualizado.
Foto: padre dá a bênção a Lula
Na terça-feira (25), Lula ganhou a bênção do sacerdote em uma das fotos compartilhadas nas redes sociais do ex-presidente. (Veja a foto abaixo)
Lula fez relato sobre encontros marcantes entre os dois, que aconteciam “todo [dia] 22 ou 23 de dezembro”, durante os oito anos em que foi presidente, no “Natal dos Catadores”. Na ocasião, o então presidente se reunia com o padre em viadutos de São Paulo.
Bolsonaro está atrás nas pesquisas…
Lula abriu 18 pontos de frente no primeiro turno (41 a 23) e 23 pontos no segundo (55 a 32), segundo levantamento feito pelo Datafolha, em maio.
Essa é mais ou menos a mesma vantagem que o ex-presidente tinha sobre Bolsonaro em 2018, quando foi retirado da disputa devido a investigações da Operação Lava Jato.