Categorias
Uncategorized

Reportagem sobre “respiradores fantasmas” do The Intercept gera impacto

A reportagem do ano e o jornalismo de impacto

Se a COVID-19 alterou a rotina do planeta e se nossas vidas nunca mais serão as mesmas depois dela, não é exagero dizer que a pandemia talvez seja a maior história que nossas gerações venham a contar. Por isso, reportagens que contam o drama humano pela sobrevivência e a transformação de nossos hábitos e relacionamentos são importantes para registrarmos na história este trágico episódio. O jornalismo deve oferecer a crônica desses tempos, mas não pode deixar de acompanhar como as autoridades lideram o combate à doença, quem se beneficia com a dor alheia e como os mais frágeis são novamente atingidos por decisões políticas ruins ou desastradas. E se assim é, o jornalismo catarinense já tem a sua reportagem do ano.

Publicada no dia 28 de abril no The Intercept Brasil, a reportagem denuncia a compra de 200 respiradores mecânicos pelo governo de Santa Catarina de uma empresa sem qualquer tradição na área e com valores bem acima aos praticados no mercado. Os repórteres Fábio Bispo e Hyury Potter mostram que a escolha da empresa prestadora do serviço não passou por licitação pública, que o processo durou apenas cinco horas e que foi celebrado um contrato de R$ 33 milhões. Os equipamentos deveriam ter sido entregues, mas não foram e quando isso acontecer, não é garantido que tenham as especificações técnicas necessárias. A reportagem ouve os envolvidos, cobra o poder público e mostra como negócios suspeitos podem ser feitos em situações emergenciais, quando as barreiras de controle habituais são dispensadas.

Mas por que esta é a reportagem do ano? Por seu impacto imediato.

Um dia depois de publicada, levou à criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Assembleia Legislativa, fez o governador Carlos Moisés abrir sindicâncias internas para apurar o pagamento antecipado do contrato e motivou uma decisão judicial bloqueando as contas da Veigamed, a empresa contratada. Em poucas horas, uma única reportagem mobilizou os três poderes para analisar um negócio suspeito, cujo objeto é um tipo de equipamento que pode salvar vidas em meio a uma epidemia. Não é pouca coisa, e não é comum no cenário jornalístico catarinense, bastante acomodado no duopólio e pouco disposto a fazer investigações do tipo.

A história do furo

O mercado jornalístico catarinense tem dois grandes players: a NSC – que comprou as operações da RBS no Estado, tem meios em todos os suportes e que retransmite a TV Globo – e o o Grupo ND – que também atua em todas as mídias e é o braço local da Rede Record. Apesar desse poder e capilaridade, a reportagem do ano não veio de nenhum desses gigantes, e foi publicada num meio alternativo e cuja sede fica no Rio de Janeiro. Entretanto, a história estava bem debaixo do nariz das redações locais.

Há duas semanas, o repórter Fábio Bispo já havia publicado reportagem apontando compra de respiradores pelo governo do Estado a preços 65% maiores. A matéria foi feita para a Associação dos Diários do Interior (ADI) e distribuída a jornais do interior catarinense, que não investiram na história. Diário Catarinense e Notícias do Dia também ignoraram a pista de que havia algo de estranho no negócio.

Bispo insistiu. “Fiz um pente fino no Portal da Transparência e me deparei com essa compra. Continuei fuçando e vi que o buraco é mais embaixo”. Como a história era complexa, Bispo foi buscar reforços e procurou o repórter Hyury Potter, com quem já trabalhou em outras ocasiões. Potter colabora com regularidade para The Intercept Brasil, e a reportagem foi aceita na hora.

Buscar um meio de circulação nacional para veicular a matéria foi estratégico. Em dez anos de reportagem, Fabio Bispo já viu CPIs serem instaladas com base no noticiário, mas muitas não avançaram. A operação abafa resfriava os ânimos dos políticos e da opinião pública.

Se os meios jornalísticos catarinense não serviram de berço da reportagem do ano, também não puderam ignorá-la. O assombro com as revelações provocou fatos nos três poderes, e as redações locais precisaram repercutir o assunto. Algumas deram os créditos, outras não. “Fiz várias perguntas nas coletivas do governo perguntando sobre os respiradores. Em quase todas elas, o secretário de Saúde ou mentiu ou omitiu informações. Foi a senha pra eu saber que estávamos com a pauta certa na mão”, relembra Fábio Bispo.

Pra que serve o jornalismo?

A repercussão foi rápida e maior do que os repórteres imaginavam.

A reportagem do The Intecept Brasil tem valor jornalístico, mas também oferece algumas pistas de como qualificar este exercício profissional em Santa Catarina (e também em outros estados). A matéria mostra o quanto os meios locais ainda podem fazer em se tratando de jornalismo investigativo. Denúncias como esta deveriam partir das redações mais próximas dos acontecimentos.

A matéria mostra também que repórteres obstinados com uma história podem recorrer a alternativas fora do Estado, quando observarem pouca receptividade regional. Às vezes, santo de casa não faz milagre mesmo e é necessário apelar para outras entidades…

Mais uma vez, o episódio demonstra o quanto o jornalismo sério e responsável tem lugar cativo na agenda da sociedade. Ele pode prestar serviços, trazendo à tona mal feitos e distorções sociais; pode aumentar o nível de transparência pública que impede crimes e abusos; e pode ajudar a frear medidas que causem prejuízos concretos à vida humana.

Alguém pode perguntar: “E daí?” Não estamos tratando do aquecedor da piscina do Palácio da Alvorada, mas de respiradores artificiais, tão necessários a milhares de pacientes infectados pelo novo coronavírus. De forma indireta, mas sem exageros, o jornalismo pode ajudar a salvar vidas humanas.

https://twitter.com/demori/status/1255984606270099457?s=20

 

 

*Rogério Christofoletti/GGN – Professor de jornalismo na UFSC e pesquisador do objETHOS

Categorias
Saúde

Projeção de casos no Brasil, com progressões geométricas, é assustadora

A rotina dos hospitais públicos e privados mudou drasticamente a partir do avanço do coronavírus. Ao chegar já com quadro respiratório comprometido, com febre e tosse intermitente, o paciente hoje, no sistema privado, no Rio e em São Paulo, é recebido por uma equipe especialmente escalada para o atendimento. Como definem as regras internacionais, são levados a uma ala específica de UTI, aberta para receber a avalanche de casos. Foi o caso de um paciente que sobreviveu, mas prefere não se identificar, atendido no Copa D’Or, no Rio. Os médicos, com equipamentos de segurança (as EPIs), contam com respiradores e aspiradores em cada leito. A estimativa da direção é colocar à disposição todos os leitos de UTI da unidade (108).

As perspectivas de crescimento do coronavírus no Brasil apontam progressões geométricas. Tanto na rede pública quanto na privada, a curva de crescimento de quadros de coronavírus até a última quinta chegava a 20% a 30% por dia. O cálculo é feito com dados de todo o Brasil, mas com base em resultados já confirmados pelos exames. O número de suspeitos cresce, mas só é computado depois do resultado concluído. O tempo de demora para o diagnóstico varia de 4 a 5 dias. A base de dados é da rede privada e do Ministério da Saúde. As projeções são feitas com o cálculo percentual em cima desses avanços e com estudos de especialistas em estatística. Por isso há profissionais de ciência de dados no grupo multidisciplinar, que presta assessoria às duas redes.

— Estamos fazendo projeções de curto prazo. Porque a médio e longo é difícil o resultado preciso. É um vírus ainda desconhecido. Que age em cada lugar de um jeito — diz o pesquisador Fernando Bozzo.

A projeção é feita para todo o país. Fernando Bozzo alerta para o grande perigo da subnotificação. Não há hospitais privados em 67% dos municípios. Os pacientes com problemas respiratórios são atendidos sem que se examine a possibilidade de contaminação por coronavírus. O que agrava o risco de uma contaminação silenciosa do vírus.

— A subnotificação é um problema grave, porque há inúmeras regiões em que o diagnóstico não consegue sequer ser feito nos pacientes — alerta Bozzo.

Hospital de referência no setor privado do Rio, que está tratando exclusivamente de pacientes com casos graves de coronavírus, o Ronaldo Gazzola aumentou em três dias o atendimento com esse quadro: de 12 para 30, de acordo com um dos médicos que atua lá. Até anteontem, o hospital estava se preparando para abrir 50 leitos. A expectativa é que até o começo da semana que vem cheguem 200 respiradores.

Com a proliferação do vírus, muitos pacientes com sintomas de gripe têm procurado o hospital, que, no entanto, não é de emergência. Atende através do sistema de seleção da secretaria de Saúde, uma central de regulação. Um paciente com sintomas como febre baixa e dificuldades respiratórias, por exemplo, na rede pública, deve procurar primeiro um posto de saúde, se for indicação, uma UPA, em seguida, depois de avaliação, segue para o Gazzola. O hospital Piedade, em Piedade, com 100 leitos, também está sendo preparado para receber pacientes.

 

 

*Com informações do Extra