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Agentes da Abin relatam como governo Bolsonaro ignorou alertas sobre pandemia

Livro escrito durante o governo Lula expõe pela primeira vez as dificuldades de servidores da ABIN durante a gestão de Alexandre Ramagem na pandemia.

No silêncio dos corredores diplomáticos, entre relatórios classificados e reuniões à distância, agentes da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) enfrentaram não apenas o avanço da covid-19, mas também a negação oficial da gravidade da crise. Para esses profissionais, a pandemia foi mais do que um desafio sanitário global: foi um teste de integridade, de responsabilidade institucional — e de coragem. Enfrentaram uma conjuntura em que o trabalho técnico colidia com interesses políticos, exigindo escolhas difíceis entre o silêncio e a persistência ética.

É o que revela o livro “Memórias da Pandemia: A atuação da ABIN no enfrentamento à COVID-19” (2020–2021), lançado em abril de 2025. A obra dá voz a servidores da Agência que atuaram em diferentes partes do mundo durante os anos mais críticos da crise, e mostra como a missão de proteger a sociedade brasileira esbarrou em barreiras internas, ideológicas e políticas. Ao mesmo tempo, é um documento de memória institucional, que busca não apenas registrar os bastidores da crise, mas também reconhecer o esforço silencioso de quem, mesmo sob pressão, insistiu em produzir inteligência de qualidade.

“Era muito ruim assistir a isso tudo de longe”
Oficial de Inteligência há 24 anos na ABIN, Guilherme* estava lotado na China quando o vírus começou a se espalhar pelo mundo. Viu, em primeira mão, a aplicação de medidas rigorosas para conter o surto. Do outro lado do globo, o Brasil parecia caminhar na direção oposta, deixando transparecer uma mistura de despreparo, negacionismo e desorganização institucional.

“Esse contraste entre o controle da doença na China e o seu avanço no Brasil foi muito impactante para mim e para minha esposa. Foi gerando em nós uma mistura de desespero, de angústia, de depressão. Uma tia minha faleceu, a avó da minha esposa também. Assistir a isso tudo de longe, sem poder fazer nada, gerava uma sensação de impotência muito grande.”

O sentimento de frustração aumentou quando vieram as ordens para deixar de priorizar o tema em seus relatórios, mesmo com novos surtos surgindo em território chinês. Para um agente acostumado a operar com base na antecipação e na prevenção, ter que ignorar dados relevantes era uma violência silenciosa, difícil de suportar.

“Recebi mensagens de Brasília recomendando que eu deixasse de priorizar o acompanhamento da pandemia. Parei por um tempo, mas retomei quando houve um surto em Pequim. Fiz documentos que considerava importantes, mas ouvi que talvez não valesse a pena — não seriam aproveitados.”

Esse distanciamento forçado entre o conhecimento produzido e a decisão política ilustra, de forma trágica, o que foi a experiência da ABIN naquele período: produzir evidência, mesmo quando ela era sistematicamente ignorada.

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“Havia um contexto hostil ao enfrentamento da doença”
Na Itália, outro epicentro da pandemia, Flávio* vivia realidade semelhante. Oficial também experiente na ABIN, ele relatou um ambiente de ceticismo e relativização por parte de setores do governo. O que deveria ser uma ação coordenada para salvar vidas virou um campo de disputa ideológica.

“Era fato que havia um contexto ideológico hostil ao enfrentamento da doença. Um sentimento de que tudo estava sendo exagerado. Isso se espalhou por setores do governo e até por algumas embaixadas.”

O ponto de maior conflito surgiu com a politização de medicamentos sem eficácia comprovada, que passaram a ser tratados como soluções oficiais. O Brasil se distanciava do debate científico global, enquanto insistia em soluções mágicas e discursos sem base técnica.

“O ápice disso tudo foi a discussão sobre a eficácia de medicamentos como hidroxicloroquina, ivermectina, ozônio… Enquanto o mundo buscava vacinas e dados confiáveis, o Brasil promovia desinformação.”

Para Flávio, a inteligência havia se tornado refém da disputa política, e a missão de fornecer dados objetivos colidia frontalmente com a narrativa que o governo queria sustentar.

Inteligência sob censura
Os relatos apontam uma tensão constante entre a produção técnica da ABIN e o ambiente político hostil à ciência. Mesmo dentro de uma agência dedicada à produção de conhecimento estratégico, houve tentativas de silenciar análises e relatórios por não se alinharem com discursos oficiais. A negação partia do topo e se infiltrava nas estruturas decisórias, contaminando o ecossistema da informação.

Apesar da pressão, os agentes seguiram produzindo conteúdo técnico. Muitos desses documentos foram posteriormente desclassificados e compõem hoje o acervo apresentado no livro. O material revela não apenas a atuação técnica da Agência, mas também sua resiliência institucional diante de um cenário adverso.

Relatórios, briefings e alertas foram produzidos com base em fontes abertas, dados internacionais e conhecimento acumulado. Mesmo sem garantias de que seriam lidos ou levados em consideração, os servidores insistiram em fazer sua parte — uma resistência silenciosa, mas poderosa.

Um testemunho sobre coragem e responsabilidade
“Memórias da Pandemia” não é apenas um repositório de dados. É, acima de tudo, um relato sobre ética, compromisso com o interesse público e o valor da informação qualificada — especialmente quando ela é ignorada. A obra revela o embate entre o dever institucional de proteger a sociedade e a tentativa política de controlar narrativas. Revela também o isolamento dos técnicos que, muitas vezes, enfrentaram a pandemia não apenas do ponto de vista epidemiológico, mas também político e psicológico.

“Se as decisões não foram tomadas, há que se perguntar àqueles que as receberam”, escreve o pesquisador Gustavo Matta, da Fiocruz, no prefácio da obra.

É também uma homenagem silenciosa aos profissionais da inteligência que, mesmo na sombra, escolheram agir com luz. A publicação marca um esforço inédito de transparência e de abertura da ABIN à sociedade, mostrando que é possível — e necessário — democratizar a inteligência de Estado sem abrir mão do sigilo, mas abrindo espaço para a verdade.

*Os nomes são fictícios para preservar a identidade dos agentes citados.

*Juliana Dal Piva e Cleber Lourenço/ICL

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Bolsonaro disse a Delgatti que “agentes de outro país” grampearam Alexandre de Moraes

Em depoimento à CPMI dos Atos Golpistas, o hacker walter Delgatti Neto afirmou que Jair Bolsonaro (PL) disse a ele que “agentes de outros país” haviam grampeado o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes e obtido “conversas comprometedoras” do magistrado, diz o 247.

Bolsonaro queria que Delgatti assumisse a autoria do grampo, em uma tentativa de dar mais credibilidade ao material. O então chefe do Executivo ainda teria prometido proteção ao hacker. “Eu falei com o presidente da República e, segundo ele, eles haviam conseguido o grampo, que era tão esperado na época, do ministro Alexandre de Moraes. Segundo ele, esse grampo foi realizado já e teria conversas comprometedoras do ministro, e ele precisava que eu assumisse a autoria desse grampo, lembrando que à época eu era o hacker da Lava Jato. Então seria difícil a esquerda questionar essa autoria, porque lá atrás eu havia assumido a Lava Jato – que realmente fui eu – e eles apoiaram. Então a ideia seria o que? O garoto da esquerda assumir esse grampo”.

“Ele disse nesse telefonema que esse grampo foi realizado por agentes de outro país. Não sei se é verdade, se realmente existiu o grampo, porque eu não tive acesso a ele. E disse que em troca eu teria o prometido indulto. E ainda disse assim ó: ‘se caso alguém te prender, eu mando prender o juiz’. Ele disse assim: ‘fique tranquilo, se caso alguém te prender, eu mando prender o juiz’, e deu risada. Porque esse grampo seria suficiente para alguma ação contra o ministro. Eu concordei [assumir a autoria] porque era uma proposta do presidente da República, ficaria até difícil falar não”.

 

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40% dos agentes de segurança pública concordam totalmente ou parcialmente com atos golpistas

“A pesquisa mostra o quão grave é a situação”, alerta presidente de instituto de pesquisa.

Brasil de Fato – O Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) divulgará, nesta segunda-feira (30), o resultado de uma pesquisa com integrantes das forças de segurança pública sobre a percepção deles dos atos golpistas de 8 de janeiro. Em suas redes sociais, o presidente do órgão, Renato Sérgio de Lima, adiantou um dos resultados.

De acordo com o pesquisador, 40% dos agentes de segurança pública concordam totalmente “que as pautas dos invasores era legítima”. “A pesquisa mostra o quão grave é a situação e que deveríamos atuar para lançar as bases de uma nova arquitetura institucional para a segurança pública. Não adiantará pensar cada polícia isoladamente”, afirmou Lima em seu perfil no Twitter.

Na entrevista com os agentes das forças de segurança pública, o FBSP perguntou se a depredação das sedes do Palácio do Planalto, Congresso Nacional e Superior Tribunal Federal (STF), promovida por bolsonaristas, é considerada condenável, mas com motivação legítima. A afirmação foi aprovada totalmente por 19,4% dos policiais e parcialmente de 20,5%.

Ainda de acordo com o levantamento do FBSP, 62,1% dos agentes concordam total ou parcialmente com a punição aos policiais que facilitaram a ação dos golpistas; 17,3% discordam totalmente da sanção. O levantamento mostra, ainda, que 55,7% entendem que houve omissão do policiamento local e 72% concordam que a falha foi de planejamento e comando.

A pesquisa do FBSP mostra que 58,9% dos entrevistados concorda que a conduta dos policiais das linhas de proteção foi inadequada para impedir o avanço dos bolsonaristas; para 61,7% a culpa foi do comando do Exército, que tardou a decisão de remover os acampamentos dos golpistas em Brasília.

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