O laboratório indiano Bharat Biotech, fabricante da vacina Covaxin, negou a autenticidade de dois documentos enviados pela Precisa Medicamentos para o Ministério da Saúde, com carimbo da Bharat Biotech, assinatura de um suposto diretor-executivo e papel timbrado. A farmacêutica indiana também anunciou a extinção imediata do acordo com a Precisa Medicamentos.
“Recentemente, fomos informados de que certas cartas (conforme anexo), supostamente assinadas por executivos da empresa, estão sendo distribuídas online. Gostaríamos de ressaltar, enfaticamente, que esses documentos não foram emitidos pela empresa ou por seus executivos e, portanto, negamos veementemente os mesmos”, diz nota divulgada hoje pelo laboratório indiano.
Documento enviado pela Precisa ao Ministério da Saúde, com assinatura do diretor da Bharat Biotech Imagem: Reprodução
Procurada, a Precisa ainda não se manifestou sobre a autenticidade dos dois documentos citados pela Bharat Biotech. A resposta será publicada caso seja recebida. Sobre o rompimento do acordo com a Bharat Biotech, a empresa brasileira disse que foi uma decisão “precipitada”: “É ainda mais lastimável porque [o fim do acordo] é consequência direta do caos político que se tornou o debate sobre a pandemia, que deveria ter como foco a saúde pública, e não interesses políticos”.
O UOL confirmou que as duas cartas supostamente assinadas pelo diretor-executivo da Bharat, Krishna Mohan Vadrevu, constam nas 1.008 páginas do processo de compra da Covaxin, enviadas pelo Ministério da Saúde para a CPI da Covid no Senado. Na sexta-feira (16), a CBN publicou matéria apontando que havia indícios de irregularidades nos documentos.
Ambos são datados de 19 de fevereiro deste ano, seis dias antes da assinatura do contrato entre o Ministério da Saúde e a Precisa para fornecimento de 20 milhões de doses da Covaxin. O valor de cada dose, US$ 15, foi o mais alto contratado pelo Brasil, totalizando um compromisso de pagamento de R$ 1,6 bilhão. Após a instauração da CPI, o contrato foi suspenso.
Pelo menos um dos documentos foi solicitado pelo Ministério da Saúde à Precisa para avançar no processo de negociação —uma “Declaração de Inexistência de Fatos Impeditivos” por parte da Bharat Biotech. “Em continuidade às tratativas, seguindo as solicitações de documentos, segue anexo conforme a seguir”, diz email da diretora técnica da Precisa, Emanuela Medrades, para o Ministério da Saúde, no mesmo dia 19 de fevereiro.
Ainda em 19 de fevereiro, o então secretário-executivo do Ministério da Saúde, Elcio Franco, enviou um despacho “urgente” solicitando a lavratura do contrato.
“Trata-se de solicitação de autorização de governança, com vistas à aquisição de 20 milhões de doses da vacina Covaxin (…) desenvolvida pela empresa internacional Bharat Biotech, representada na presente contratação pela empresa nacional Precisa Medicamentos, (…) observadas as especificações técnicas e justificativas da aquisição constantes do Termo de Referência na versão mais recente, deverá ser lavrado o instrumento contratual”, diz o despacho.
Três dias depois, em 22 de fevereiro, o texto do contrato foi enviado para parecer da consultoria jurídica do Ministério da Sáude. Em 24 de fevereiro, o Coordenador-Geral de Análise Jurídica de Licitações, Contratos e Instrumentos Congêneres enviou seu parecer, listando pontos críticos. Um deles era a falta de pesquisa de preço. Mesmo assim, sem sanar os problemas apontados, o contrato foi assinado no dia seguinte, 25 de fevereiro.
O contrato para compra de vacinas da Pfizer, por exemplo, só foi assinado quase um mês depois, em 19 de março.
O que dizem os documentos
A “Declaração de Inexistência de Fatos Impeditivos” por parte da Bharat Biotech apresenta, inclusive, dados pessoais de um diretor da farmacêutica indiana.
“A Bharat Biotech International Limited, incorporada sob as leis da Índia, (…) neste ato representada por seu Presidente Krishna Ella, casado, de nacionalidade indiana, empresário, residente e domiciliado na (omitido pelo UOL), portador do documento de identidade (omitido pelo UOL), declara, sob as penas da lei, a inexistência de fatos impeditivos para sua habilitação relativo à contratação junto ao Ministério da Saúde, ciente da obrigatoriedade de declarar ocorrências posteriores. Por ser expressão da verdade, firmamos a presente, para que surta os efeitos legais. Hyderabad, 19 de fevereiro de 2021”, diz o documento enviado pela Precisa, em português, para o Ministério da Saúde.
O segundo documento afirma: “Ao Ministério da Saúde do Brasil, Nós da Bharat Biotech Limited International (…) autorizamos a: Precisa Comercialização de Medicamentos Ltda (…) para ser nosso representante legal e exclusivo no Brasil com poder de receber todas as notificações do Governo, sendo responsável administrativamente e judicialmente por meio de sua legislação nacional”.
“A empresa também está autorizada a participar de todos os processos de aquisição oficiais do Ministério da Saúde da Covaxin (vacina contra o Sars-CoV-2) produzidas pela Bharat Biotech International Limited, negociando preços e condições de pagamento, assim como datas de entrega, e todos os detalhes pertinentes a operação, formalizando o contrato para nós, através da empresa Precisa legalmente representada e nomeada”, continua o documento.
Rompimento do contrato
Ao anunciar o rompimento do acordo com a Precisa, a Bharat Biotech ressaltou que “todas as suas ações, incluindo suas negociações globais, são feitas de acordo com as leis locais e que a empresa emprega e segue os mais altos padrões de ética, integridade e conformidade em todos os momentos”.
A empresa disse ainda que, apesar do fim do acordo com a Precisa, continuará a trabalhar com a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para completar o processo de obtenção de aprovação regulatória da vacina no Brasil. Hoje, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, disse que a compra de vacinas Covaxin está descartada neste momento.
O negócio entre a Precisa e o Ministério da Saúde foi fechado em um prazo muito curto em comparação com o de outras vacinas, e antes mesmo da aprovação pela Anvisa.
O deputado federal Luis Cláudio Miranda (DEM-DF) e seu irmão Luis Ricardo Miranda, servidor do Ministério da Saúde, dizem ter relatado suspeitas na negociação da Covaxin diretamente ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido). O servidor Miranda teria sofrido pressão atípica para liberar documentos da Covaxin, recebendo ligações inclusive do dono da Precisa Medicamentos. Bolsonaro confirmou que recebeu “papéis” dos irmãos Miranda.
*Amanda Rossi/Uol
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