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Se Mauro Cid “cumpria missão” no golpe, cúpulas militares foram mandantes

Conforme noticiado, oficiais das Forças Armadas justificam que o tenente coronel Mauro Cid compareceu com farda do Exército no depoimento à CPMI porque, como ajudante de ordens do Bolsonaro, “cumpria missão” atribuída a ele pelos comandantes.

Hierarquia e disciplina são pilares estruturantes das Forças Armadas.

São princípios tão caros para a organização militar que “devem ser mantidos em todas as circunstâncias da vida entre militares da ativa, da reserva remunerada e reformados”, como estabelece o Estatuto dos Militares [Lei 6880/1980].

O Código Penal Militar, no artigo 163, prevê pena de prisão de até dois anos para o militar que “recusar obedecer a ordem do superior sobre assunto ou matéria de serviço”.

Se, portanto, oficiais militares justificam que Mauro Cid compareceu fardado à CMPI porque cumpria missão militar, isso significa que as próprias cúpulas militares reconhecem e assumem a responsabilidade direta pelos atos ilegais do seu subordinado.

Ou seja, as cúpulas fardadas admitem claramente o papel central que desempenharam na concepção e no engendramento permanente dos atentados antidemocráticos e nos ataques sistemáticos às instituições da República. O tenente coronel era apenas um operador – um operador relevante, é verdade – do empreendimento golpista dos chefes militares.

Numa estratégia presumivelmente estabelecida em entendimento com o comando do Exército, na abertura do seu depoimento à CPMI Mauro Cid fez questão de ressaltar que cumpriu ordens do comando do Exército.

Ele relatou que “em 2018 eu havia sido selecionado para participar de um curso de Estado-Maior do Exército americano. Entretanto, fui redesignado pelo então comandante do Exército para assumir a função de chefe da ajudância de ordens da Presidência da República”.

Cid ainda destacou que “a minha nomeação jamais teve ingerência política. Minha vinculação administrativa era estabelecida pelo Gabinete de Segurança Institucional, inclusive por meio de onde provinha minha remuneração”. O general conspirador Augusto Heleno, seu chefe direto, era o ministro do GSI.

Como diria o general da Morte Eduardo Pazuello, “é simples assim”: se o tenente coronel Mauro Cid “cumpria missão” a ele atribuída, os seus superiores imediatos – os generais do partido militar – foram os mandantes da missão cumprida por ele.

Não é por outra razão que até o presente momento o Exército ainda não tenha instaurado investigações e procedimentos disciplinares em relação a Mauro Cid, a despeito dos inúmeros ilícitos cometidos por ele. Se prevalecesse no Exército o mínimo de legalidade e de profissionalismo, o tenente coronel Mauro Cid já teria sido expulso da corporação.

Não fosse por decisão do STF, a depender do MP militar, da justiça militar e do comando do Exército, o faz-tudo de Bolsonaro e das cúpulas militares sequer estaria preso por falsificar carteiras de vacinação e adulterar documentos públicos – apenas um dos inúmeros crimes pelos quais, se justiça for feita, ele ainda deverá cumprir muitos anos de prisão.

Combinada com as próprias cúpulas militares, a estratégia de Mauro Cid de arrastar as Forças Armadas para o foco central da CPMI tem como objetivo central, além de eximir sua responsabilidade individual, amedrontar a Comissão Parlamentar com a ameaça militar.

A CPMI, como expressão do poder político e da representação popular, tem diante de si uma extraordinária oportunidade de trazer para o banco dos réus os artífices centrais do projeto golpista, que são as cúpulas partidarizadas das Forças Armadas.

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Opinião

As cúpulas militares só abortaram plano de golpe por falta de apoio dos EUA

Em que pese o conhecimento detalhado que se tem hoje sobre a atuação partidária organizada das cúpulas das Forças Armadas como um partido político com projeto próprio de poder, amplos setores da sociedade brasileira ainda acreditam nas “narrativas” mentirosas dos militares, como a do chefe do Estado-Maior do Exército, general Fernando José Sant’Ana Soares e Silva, que sustenta que “nós, o Exército, nunca quisemos dar nenhum golpe”.

Decerto amparado na crença da eterna impunidade, o general vai longe no seu atrevimento: “Tanto não quisemos, que não demos [o golpe]”, declarou. A mensagem é clara: quando quiserem – ou, quando puderem –, os militares perpetrarão o golpe para tomarem de assalto o poder.

As cúpulas militares estão vencendo a batalha comunicacional sobre este período histórico em que tiveram não só primazia absoluta na condução do governo fascista-militar, como centralidade nos trágicos acontecimentos precedentes e posteriores à eleição de 2018, quando elegeram a chapa militar Bolsonaro/Mourão à presidência do Brasil.

Habilmente, descarregam as “culpas” nos bodes expiatórios midiaticamente mais atraentes, como Bolsonaro, Mauro Cid e elementos secundários da súcia. Desse modo, essas cúpulas que implicaram institucionalmente as Forças Armadas nos atentados à democracia vão conseguindo se safar das responsabilidades diretas e centrais na conspiração.

Já em 7 de outubro de 2018, data do primeiro turno da eleição presidencial, reportagem do jornalista argentino Marcelo Falak para o Ámbito Financiero destacava, a partir de relatos de uma fonte do alto oficialato das Forças Armadas brasileiras, que Bolsonaro era, na realidade, um Cavalo de Tróia para viabilizar o projeto secreto da cúpula militar – “o homem que a cúpula das Forças Armadas escolheram, há 4 anos [ainda em 2014, portanto], para que ele se fosse convertido no presidente do Brasil”.

Agora, quase cinco anos depois, outra matéria jornalística – do jornal inglês Financial Times [FT, de 21/6] – traz claridade a respeito do protagonismo decisivo das cúpulas militares na complexa dinâmica política nacional.

O FT relata “uma pressão silenciosa de um ano pelo governo dos EUA para conclamar os líderes políticos e militares do país a respeitarem e protegerem a democracia”.

Na matéria, o ex-embaixador dos EUA no Brasil [2016/2018] Michael McKinsley cita um “empenho muito incomum” que “durou quase um ano” e significou uma “campanha coordenada em várias ramificações do governo dos EUA, como os militares, a CIA, o Departamento de Estado, o Pentágono e a Casa Branca”.

De acordo com o também ex-embaixador dos EUA no Brasil [2009/2013] e ex-Sub-secretário do Departamento de Estado Thomas Shannon, “o esforço começou com a visita do assessor de segurança nacional de Biden, Jake Sullivan” a Bolsonaro e a autoridades do governo, em agosto de 2021.

O assessor de segurança do governo Biden se convenceu que “Bolsonaro seria totalmente capaz de manipular os resultados da eleição ou negá-los, como Donald Trump havia feito”. A partir de tal constatação, o governo estadunidense decidiu aumentar as pressões sobre Bolsonaro e os militares.

No dia seguinte ao encontro que Bolsonaro promoveu com representações diplomáticas estrangeiras em Brasília para avacalhar o sistema eleitoral brasileiro, o Departamento de Estado saiu em defesa do sistema eleitoral e das instituições brasileiras, numa sinalização crítica à postura de Bolsonaro.

Segundo uma autoridade do alto escalão do Brasil, aquele “endosso incomum” ao sistema de votação brasileiro “foi muito importante, especialmente para os militares. Eles recebem equipamentos dos EUA e fazem treinamentos lá, de modo que ter boas relações com os EUA é muito importante para os militares brasileiros. [Neste sentido], a declaração foi um antídoto contra a intervenção militar”.

Uma semana depois, foi a vez de Lloyd Austin, secretário de Defesa do governo Biden, dar uma reprimenda nas cúpulas fardadas nativas, dizendo que as forças militares precisavam estar “sob forte controle civil” [26/7/2022]. Conforme o FT, Austin alertou os militares brasileiros sobre as consequências negativas caso perpetrassem um golpe.

Além do assessor de segurança nacional e do secretário de Defesa dos EUA, a general Laura Richardson, chefe do Comando Sul dos EUA; e o chefe da CIA, William Burns, também se encontraram com o governo Bolsonaro no ano eleitoral. “Isso [tamanha movimentação] é comum? Não, não é”, disse McKinley, reconhecendo a anormalidade da situação.

Está claro, portanto, que as cúpulas militares só não prosseguiram o plano golpista de virada de mesa para impedir a posse do presidente Lula por falta de apoio dos EUA.

Fosse Donald Trump o presidente da potência do Norte, ou se Bolsonaro não fosse um aliado estadunidense tão visceralmente atrelado a Trump e contestador da eleição de Joe Biden, provavelmente o governo Biden não teria agido como agiu, e então os militares teriam avançado na consecução do golpe.

A democracia clama por investigação e responsabilização das cúpulas militares e oficiais conspiradores que atentaram contra o Estado de Direito. O Brasil não pode continuar nesse auto-engano eterno em relação às Forças Armadas. A impunidade é um caminho livre para a destruição da democracia.

*Do blog de Jeferson Miola

*Ilustração: Miguel Paiva

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