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Professor Heleno Corrêa escracha a ‘lei do coronavírus 2019’: Obsoleta, desprezível; AI-5 Sanitário disfarçado de urgência

Heleno Corrêa Filho: “É terrível ver o Congresso Nacional do Brasil aprovar lei com esse texto sem assessoria de pessoas das áreas de epidemiologia, direitos humanos, direito civil e administrativo de renome”.

Segunda-feira, 3 de fevereiro. O ministro da Saúde, Luiz Mandetta (DEM-MS), submete ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) o anteprojeto de lei “sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus“.

Terça-feira, 4 de fevereiro. Em regime de urgência, o Executivo encaminha-o à Câmara dos Deputados, onde recebe o número 23/2020 (PL 23/).

Na noite do mesmo dia, a Câmara aprecia, vota e aprova o projeto com algumas emendas ao texto original. A votação é nominal.

Vai, então, para o Senado.

Quarta-feira, 5 de fevereiro. Os senadores aprovam-no também. A votação é simbólica, ou seja, sem contagem no painel.

O texto segue para sanção presidencial.

O médico epidemiologista Heleno Rodrigues Corrêa Filho analisou o projeto de lei aprovado.

Confira a avaliação :

“Lei do CoronaVirus 2019” – autoritarismo sem garantias de cidadania

por Heleno Rodrigues Corrêa Filho*, Cebes

Algumas pérolas jurídicas e epidemiológicas de exceção escritas no texto do Projeto de Lei que está no Senado Federal (1) :

“Art. 3º Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, poderão ser adotadas, entre outras, as seguintes medidas:

VI – Restrição excepcional e temporária de entrada e saída do País, conforme recomendação técnica e fundamentada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), por rodovias, portos ou aeroportos; VII – requisição de bens e serviços de pessoas naturais e jurídicas, hipótese em que será garantido o pagamento posterior de indenização justa;

§ 4º As pessoas deverão sujeitar-se ao cumprimento das medidas previstas neste artigo, e o descumprimento delas acarretará responsabilização, nos termos previstos em lei. ”

Uma lei autoritária sem garantias de cidadania.

É terrível ver o Congresso Nacional do Brasil aprovar lei com esse texto sem assessoria de pessoas das áreas de epidemiologia, direitos humanos, direito civil e administrativo de renome.

Quem põe o próprio nome nessa Lei Federal aprovada às pressas? Equivale a um “AI-5 Sanitário” em 2020.

Quem são os cientistas e juristas que aprovam esse texto e colocam seus nomes dando fundamento ao que está escrito no Projeto de Lei?

O Brasil já tem uma lei de Vigilância Epidemiológica promulgada na época da ditadura que tem pelo menos a marca da tentativa de ser competente.

Essa lei não foi derrogada por legislação posterior e nem é referida nesse novo projeto juntamente com sua regulamentação pelo Decreto Nº 78.231, DE 12 DE AGOSTO DE 1976 (2).

O fato de aprovar-se uma lei com referência a um agente patogênico – o Novo Coronavírus de 2019 – ou 2019-NCov deixa margem para toda vez que um agente de poder policial, militar, sanitário ou de alfândega alegar que “viu” o vírus passando na testa de uma pessoa dará a essa pessoa o poder de fazer coisas que a Constituição não autoriza, sem recurso, sem evidências, sem documentação probatória, sem testemunho, sem atuação obrigatória de agentes epidemiológicos e sanitários responsáveis, mesmo anos depois que o vírus esteja apenas na lembrança e no noticiário não especializado.

Onde já se viu restrições de entrada e saída do país ao sabor de QUALQUER AUTORIDADE não designada quanto ao tipo, nível, qualificação técnica que não tem respaldo na epidemiologia da transmissão internacional de agentes epidêmicos?

Onde já se viu a falta de informação pública e de participação de pessoas que entendem de vírus, bactérias, transmissibilidade e que sejam capazes de dizer que no mundo moderno, o guarda da esquina tem capacidade zero de detectar quem pode e quem não pode entrar ou sair do país?

QUEM em sã consciência entregará sua casa, seu automóvel, seus bens (ativos em dinheiro, joias, bens artísticos) mediante requisição sem garantia de devolução com ressarcimento pleno pelos danos, sem justificativa que coloque quais são os direitos das pessoas ao darem recibo por esta suposta “devolução”?

Por que não existe na lei o estabelecimento de instâncias de recurso e de garantias para os que forem esbulhados, roubados, tolhidos em seus direitos legítimos por falta de comitês de análise de pertinência, qualidade e necessidade das supostas medidas?

Por que não existe na lei garantia de que ninguém pode ou deve se sujeitar a procedimentos médicos, exames ou técnicas de saúde que coloquem em risco sua própria vida ou integridade?

Por que não existe na lei garantia de estabelecimento de instâncias epidemiológicas de avaliação sanitária que digam quais são as pessoas, as medidas e os procedimentos a serem adotados em caso de necessidade por risco de epidemia transmitida através de fronteiras?

É uma lei desprezível, obsoleta, incompetente, que despreza o direito e a ciência em seu conhecimento moderno.

É uma lei vergonhosa que só poderia ser aprovada por um Congresso Nacional de maioria autoritária, golpista, racista e de supremacia de classe.

Um verdadeiro AI-5 Sanitário disfarçado de urgência, com truculenta incompetência pública.

*Heleno Rodrigues Corrêa Filho é médico epidemiologista, professor livre-docente (aposentado) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pesquisador colaborador da Universidade de Brasília (UnB). Integra a diretoria executiva do Centro Brasileiro de Estudos em Saúde (Cebes)

 

 

*Do Viomundo