Grampo de Moro em cela da Lava Jato se repete na Vaza Jato

A Polícia Federal – desta vez, em Brasília – comandada pelo ministro Sérgio Moro volta a apelar aos métodos nada ortodoxos da Lava Jato. Sem maiores alardes da imprensa – notícias a respeito saíram apenas no site do Estadão, na segunda-feira (11/11) e nesta terça-feira (12/11), sem serem republicadas nas edições impressas – o microfone de um equipamento de gravação (grampo) foi localizado embutido no chuveiros de uma das celas da Superintendência do Departamento de Polícia Federal na capital (SR/DPF/DF). Na cela estavam dois acusados de hackear o celular do procurador da República Deltan Dallagnol, da Força Tarefa de Curitiba, presos em consequência da Operação Spoofing: Thiago Eliezer Martins e Danilo Marques, motorista de aplicativo preso na cidade de Araraquara (SP) na primeira fase da Spoofing, há quatro meses.

Walter Delgatti Neto, o ‘Vermelho’, que está recolhido na Penitenciária da Papuda, foi levado à cela da Polícia Federal após o grampo ser instalado, sem que lhe tomassem o depoimento como tinham dito que ocorreria. Entendeu, depois, que queriam apenas captar suas conversas

Trata-se do mesmo método utilizado pela Lava Jato, em março de 2014, quando da deflagração de sua primeira fase, aquela que prendeu um grupo de doleiros. No caso de Curitiba, como se verificaria um ano depois, o grampo que captou mais de 260 horas de conversas entre os presos era ilegal.

Da escuta localizada na cela de Brasília ainda não se sabe da legalidade, tal como admite o defensor público federal Igor Roque, responsável pela defesa de Marques. Ele, como narrou ao Estadão, buscou informações a respeito:

“Nós estivemos com o delegado do caso e ele disse que desconhecia a escuta. A gente não teve acesso ao inquérito completo, não sabe se isso está sendo investigado, pois está sigiloso. Uma gravação seria de uma gravidade absurda”.

Segunda-feira (11/11), ao visitar Vermelho na Papuda, colheu maiores informações, como publicado no site do jornal, na terça feira:

Roque encontrou Walter na “ala de vulneráveis” da Papuda. Vermelho disse que foi conduzido para a superintendência para prestar depoimento. O que o suspeito se queixou, logo de início, é que nenhum depoimento teria sido colhido durante os quatro dias em que esteve na carceragem. Walter reclama, por isso, que foi levado para a superintendência “apenas para ser gravado”.

Um dia antes de Walter chegar à carceragem, relatou ele, a área de banho de sol dos presos da Spoofing foi completamente fechada. “Isso o Walter ficou sabendo com o Thiago e o Molição. Pelo que ele me contou, tem um local de banho de sol que é dividido, colado com a parede da cela. Nessa parede, no canto superior, tem um cano no alto para fazer circulação de ar. Ele disse que, no dia anterior à chegada dele, o Thiago e o Molição foram retirados de lá para serem ouvidos em outra unidade da PF. Depois, eles voltaram”.

A Polícia Federal acabou abrindo uma investigação interna após os presos terem recolhido o microfone do chuveiro. Mas dela pouco se sabe, ainda.

Ao Blog, o defensor avançou mais. Considerou que a confirmação do grampo na cela demonstra apenas o desespero da Polícia Federal em não encontrar um tipo penal para enquadrar os chamados hackeadores, em especial Vermelho. Este assumiu ter colhido os diálogos de Dallagnol pelos aplicativos, sem invadir o celular do procurador. Apenas acessando o que estava armazenado na “nuvem”, algo não previsto nas mudanças feitas no Código Penal em 2012, porque à época isso ainda não existia.

Ou seja, como a lei Carolina Dieckmann – Lei nº 12.737/2012 – que modificou o Código Penal, em seu artigo Art. 154-A, passou a prever como crime “invadir dispositivo informático alheio”, o defensor garante que não há como enquadrar o hackeador confesso uma vez que ele colheu os dados “armazenados na nuvem”, sem invadir o aparelho celular (dispositivo móvel) do procurador da República de Curitiba.

Para Roque, aí reside o desespero da Polícia Federal que justificaria a colocação de um grampo na cela onde estão recolhidos os acusados. “A Polícia Federal não aceita a versão de Walter, de que através da Caixa Postal do celular do procurador conseguiu a senha para acessar os arquivos na “nuvem”. Por isso os mantém presos há quatro meses para força-los a falar. Mas eles já falaram o que tinham que falar e a história contada faz sentido, mas não satisfaz à Polícia Federal”.

Nessa queda de braço, a prisão temporária decretada anteriormente para impedir a interferência dos acusados na instrução processual agora é justificada como prisão em nome da ordem pública. Para o defensor, isso tem outro nome: pura tortura. Ele entende que o jogo se iguala ao que aconteceu na Lava Jato: mantêm-se os acusados presos por longo período na tentativa de colher confissões. Paralelamente, montam uma escuta na cela na expectativa de alguma nova informação que corrobore a tese de acusação. Tal e qual ocorreu em Curitiba.

Em Curitiba, grampo ilegal permanece impune

Se em Brasília o defensor Roque ainda não tem confirmação da legalidade do grampo – que outros advogados de presos, segundo a reportagem do Estadão, admitiram que pode ser legal – na Lava Jato de Curitiba a ilegalidade foi confirmada pelo então juiz Sérgio Moro, hoje ministro da Justiça do governo que ajudou a eleger.,

Questionado pelo advogado do doleiro Alberto Youssef, Antônio Augusto Lopes Figueiredo Basto, em março de 2014, ele negou ter autorizado a escuta ambiental, como noticiamos em Lava Jato revolve lamaçal na PF-PR.

O grampo na cela da Polícia Federal,em Curitiba, foi descoberto no local onde deveria ter uma luminária no teto, 12 dias após a chegada dos presos. Moro também garantiu que nos processos nada havia resultante de escutas ilegal. Em termos. Afinal, o próprio Youssef admitiu em diversas oportunidades que ao ser chamado pelos delegados era questionados sobre assuntos que tinha conversado com os colegas de cela. Não era, portanto, uma questão de adivinhação. Nem mera coincidência.

Apesar da ilegalidade da escuta, a Polícia Federal, o Ministério Público Federal e o próprio juiz Moro nada fizeram para apurar responsabilidades. Muito antes pelo contrário, na tentativa de esconder a ilegalidade que poderia gerar uma possível anulação da Operação Lava Jato, enveredaram por um caminho de, no mínimo, mentiras e irregularidades.

A começar por uma sindicância – a 04/2014 – presidida pelo delegado Maurício Moscardi Grillo, propositadamente conduzida para concluir que o grampo teria sido instalado em 2008, com autorização do juiz federal Odilon de Oliveira, de Campo Grande (MS). Visava monitorar o traficante Fernandinho Beira Mar na sua passagem por aquela custódia. Moscardi concluiu anda que o grampo estava inativo.

Algo impossível de acontecer uma vez que o traficante não ocupou a cela 05 na qual o grampo foi encontrado pelos doleiros. Além disso, como posteriormente ficou comprovado, o aparelho de áudio encontrado, pertencente à própria Polícia Federal, só chegou à Superintendência do DPF em Curitiba meses após Beira Mar retornar para Campo Grande (MS). A inatividade do grampo foi derrubada pelas 260 horas de gravações encontradas, posteriormente, em servidores da Superintendência.

Nesta sindicância (04/2014), inclusive, Moro quis dar palpite, indevidamente. Afinal, tratava-se de uma investigação interna da Polícia Federal. Mas antes dela ser concluída foi submetida ao juiz, como revelou o próprio Moscardi Grillo em depoimento judicial, tal e qual noticiamos em Exclusivo: Moro interferiu na sindicância do grampo ilegal na PF. Mesmo tendo acesso à investigação antes dela ser concluída, o juiz que aparecia na mídia como defensor da lei, foi incapaz de verificar as falhas da investigação. Até mesmo da falta de perícia no aparelho encontrado, um erro primário em casos policiais.

As falhas e erros, por óbvio, não se encontram na investigação presidida por Moscardi, mas em uma segunda apuração – a Sindicância 04/2015, presidida pelo delegado Alfredo Junqueira, da Corregedoria, em Brasilia – instaurada a partir da confissão do agente de Polícia Federal, Dalmey Fernando Werlang. Em maio de 2015 ele admitiu ter instalado o aparelho de escuta, sem saber que inexistia autorização judicial.

Atendeu à determinação verbal do delegado Igor Romário de Paulo, coordenador da Delegacia Regional do Combate ao Crime Organizado (DRCOR). A ordem foi dada, segundo Werlang, na presença do superintendente do DPF no Paraná, Rosalvo Ferreira Franco, e do coordenador da Operação Lava Jato, Márcio Anselmo Adriano. Ou seja, pela cúpula da SR/DPF/PR.

Também a delegada Erika Mialiki Marena, na época à frente da Delegacia de Crimes Financeiros, tinha conhecimento do grampo ilegal. Afinal, ela era uma das destinatárias do pen-drive com o material gravado, conforme denunciou Werlang.

Neste fato – o envolvimento da cúpula da superintendência – reside a explicação para a impunidade. Jamais permitiram que investigações avançassem para que não se confirmasse a denúncia feita por Dalmey. Uma última tentativa nesse sentido partiu do delegado Marcio Magno Xavier, da Coordenadoria de Assuntos Internos (COAIN) da Corregedoria Geral (COGER) do DPF.

Ele presidiu o IPL 01/2017-COAIN/COGER (autos 5003191-72.2017.404.7000), em tramitação na 23ª Vara Federal, arquivado apressadamente a pedido do Ministério Público Federal e sob protestos do próprio delegado, tal como noticiamos em MPF-PR e Moro barram investigações contra PF-PR. Tudo para que ele não chegasse aos mandantes do grampo. Depois desta sua tentativa, Magno Xavier foi removido de Brasília.

O mesmo delegado foi impedido também, a pedido do MPF e com a concordância de Moro, de dar prosseguimento ao Inquérito Policial (IPL) nº. 05/2016-COAIN/COGER (autos nº. 5053382-58.2016.404.7000). Nele, apurava a relação aparentemente espúria que a Força Tarefa da Lava Jato de Curitiba teve com a ex-contadora do doleiro Alberto Youssef, Meire Poza.

Ela funcionou como uma espécie de “informante infiltrada” da Operação Lava Jato, auxiliando, em especial, o delegado Marcio Anselmo Adriano – hoje Coordenador-geral de Repressão a Corrupção e Lavagem de Dinheiro no DPF, em Brasília –, o agente Rodrigo Prado. Mas também foi “usada” pelos procuradores da República de Curitiba e o próprio juiz Moro, que a arrolou como testemunha do juízo. Depois, renegada pela Força Tarefa e até processada por ela, em sua defesa, pediu a anulação de toda a Operação, tal e qual postamos no Blog, em 4 de agosto de 2017: “Delatora” pede a Moro anulação da Lava Jato.

A impunidade no casso foi confirmada recentemente – 17 de outubro – quando o ministro da Justiça substituto, delegado federal Luiz Pontel de Souza, através da Portaria 787, anulou o Processo Administrativo Disciplinar 08200.001127/2015-96 (PAD 04/2017 COGER-PF) que puniu, com apenas oito dias de suspensão, o delegado federal Maurício Moscardi Grillo, um dos próceres da Operação Lava Jato. A punição era decorrente de seu trabalho ao presidir a Sindicância 04/2014, uma vez que a Corregedoria concluiu que ele “trabalhou mal”. Mas nem por isso ele foi punido, como informamos em Ministério de Moro promove impunidade na PF.

Com o grampo na cela em Brasília – independentemente da sua legalidade ou não – fica caracterizado que a Polícia Federal continua a usar métodos heterodoxos para confirmar suas teses acusatórias, tal como destacou acima o defensor público da União. Um aprendizado da Lava Jato.

 

 

*Do Blog do Marcelo Auler