Um thread (sequência de mensagens no Twitter) do jornalista Marlos Áypus disseca as ligações de Bolsonaro com a indústria da morte.
Acompanhe:
A overdose de informações no noticiário, contudo, faz com que a compreensão do ocorrido soe confusa até mesmo aos profissionais que trabalharam na cobertura.
Essa thread é, antes de qualquer coisa, uma homenagem a esses profissionais, que já não levavam uma vida fácil, mas tudo ficou ainda mais complicado com o autoritarismo dos que chegaram recentemente ao poder.
Cada informação aqui compartilhada traz um link para a fonte que a apurou. Alguns links, no entanto, surgem mais de uma vez, já que comportam mais de uma informação útil à cronologia dos fatos.
Cronologia que, como se perceberá, começa no estado de São Paulo.
O caso Lamarca
Era 8 de maio de 1970. Em Eldorado, Carlos Lamarca e sete guerrilheiros trocam tiros com policiais e fogem. O Exército mobilizaria centenas de homens à região, chamando a atenção do jovem Jair Bolsonaro, então com 15 anos.
Com relatos conflituosos, o próprio parlamentar narraria que ajudou os militares nas buscas pela mata.
Bolsonaro é o ‘moleque sabido’ que ajudou na captura de Lamarca?
Candidato repete que participou de busca a líder esquerdista, mas se aproveita de mito da caserna para avolumar – enganosamente – a própria biografia.
Lamarca, contudo, só seria encontrado e morto a tiros no município de Ipupiara, na Bahia, no 17 de setembro de 1971 Segundo os militares, o tiro fatal partiu do então major Nilton Cerqueira.
O caso Acari
Vinte e quatro anos depois, no Rio de Janeiro, Bolsonaro sai de casa por volta das 8h da manhã de 4 de julho de 1995. No caminho, é assaltado por dois bandidos armados, que levam a moto e a glock que o deputado federal trazia na jaqueta.
Assalto sofrido por Bolsonaro em 1995 culminou com a morte misteriosa de um bandido e de sua família
O fato aproximou o deputado do general linha-dura Nilton de Albuquerque Cerqueira, que comandou o DOI-Codi – órgão de repressão política da ditadura – no início da década de 1970.
No mesmo dia, a Secretaria de Segurança Pública designa cinquenta policiais na busca pelos objetos roubados. Um grupo foi à favela do Jacarezinho, onde Bolsonaro imaginava que os bandidos estivessem. Mas nada encontrou.
A Secretaria de Segurança Pública do Rio estava aos cuidados de Nilton Cerqueira, o major que matou Lamarca. Linha dura, ele seria responsabilizado pelo Ministério Público em 2014 por participar do planejamento do atentado à bomba no Riocentro, em 1981.
De volta a 1995, três depois após o assalto, a moto de Bolsonaro é encontrada na favela de Acari. Na mesma semana, o secretário de Segurança organiza uma operação contra o narcotráfico nas favelas da Zona Norte.
Mas o líder do tráfico em Acari só foi encontrado em 4 de março de 1996. Assim como Lamarca, estava na Bahia. Foi preso às 23h e, de avião, transferido para a Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro.
No dia seguinte, o líder do tráfico amanhece enforcado com um nó de marinheiro. Os peritos disseram ser suicídio.
O próprio governador referiu-se ao caso como “suposto suicídio”. Mas a polícia ventilou que o suicida seria fuzileiro naval e, portanto, conhecia o nó.
No enterro, contudo, a mãe e a esposa do traficante disseram que o líder do tráfico nunca fora militar, e que não saberia fazer aquele nó.
Um mês depois, ambas apareceram mortas a tiros às margens da Presidente Dutra.
Em 30 de julho de 2018, quando da participação no Roda Viva, Bolsonaro relembraria o episódio:
“Nós recuperamos a arma e a motocicleta e, por coincidência, o dono da favela lá de Acari apareceu morto, um tempo depois. Não matei ninguém, mas aconteceu.”
Guarnição do mal
Foi também em 1996 que Adriano da Nóbrega entrou para a PM fluminense, onde ficaria amigo de Fabrício Queiroz, amigo de Jair Bolsonaro havia 12 anos.
Em 12 de agosto de 2003, já no quarto mandato como deputado federal, Bolsonaro discursou na Câmara em defesa dos esquadrões da morte: “Esses grupos de extermínio são muito bem-vindos. E se não tiver espaço na Bahia, pode ir para o Rio de Janeiro.”
Em 24 de outubro daquele ano, Flávio Bolsonaro usa a ALERJ para homenagear Adriano da Nóbrega, primeiro-tenente do BOPE, “pelos inúmeros serviços prestados à sociedade”.
Apenas quatro dias depois, juntamente com oito policiais que integravam o grupo conhecido como “Guarnição do Mal”, Adriano sequestrou, torturou e extorquiu Wilton Arjona da Silva.
Uma semana depois, ainda sem o caso se tornar público, os integrantes do grupo receberam “moções de louvor” de Flávio Bolsonaro na ALERJ.
Os membros da Guarnição do Mal repetiram o crime em 11 de novembro de 2003, desta vez com Anderson Luiz Moura como vítima.
Dez dias depois, em 21 de novembro de 2003, foi a vez de Leandro dos Santos Silva, de 24 anos, passar por sequestro e tortura.
Após três dias, Leandro prestou queixa à corregedoria interna da Polícia Militar.
Às 6h30 da manhã seguinte, Leandro foi assassinado na porta de casa com três tiros.
Em agosto de 2005, novamente por indicação de Flávio, Adriano da Nóbrega recebe a medalha de Tiradentes, principal honraria da ALERJ.
Nessa mesma época, o já ex-membro do Bope começou a atuar como segurança para familiares do falecido bicheiro Valdomiro Paes Garcia, o Maninho.
Quase dois anos após o crime, em 24 de outubro de 2005, Adriano da Nóbrega e os demais policiais acusados pela morte de Leandro foram finalmente condenados.
Passados três dias, Jair Bolsonaro usou os microfones da Câmara Federal para defender o comandante da Guarnição do Mal, tratado por ele como “um brilhante oficial”.
No discurso, o registro de que o deputado federal acompanhara o julgamento in loco, e prometia atuar para reparar o que entendia ser uma injustiça.
Disse Bolsonaro:
“Pela primeira vez compareci a um tribunal do júri. Estava sendo julgado um tenente da Polícia Militar de nome Adriano”.
Disse ainda:
“Não sei como podemos colaborar. O advogado vai recorrer da sentença, mas os outros coronéis mais modernos não podem depor, senão vão para a geladeira, vão ser perseguidos. E o tenente, coitado, um jovem de vinte e poucos anos, foi condenado”.
Ao fim, falando na primeira pessoa do plural, o deputado federal disse querer se “assessorar” com Denise Frossard, magistrada.
“Quero me assessorar com a Deputada Juíza Denise Frossard e com outros juízes para saber como podemos proceder no futuro.”
O júri que condenou os policiais da Guarnição do Mal findaria anulado, com absolvição para todos os condenados em primeira instância.
De acordo com investigação interna da PM, Adriano participaria de ao menos oito homicídios entre 2006 e 2009, a mando do genro do bicheiro Maninho.
*Marlos Áypus/GGN