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Cultura

Como a cultura institucional contribuiu com o golpe e a tragédia provocada por Bolsonaro

A cultura institucional no Brasil está tão impregnada de regras supostamente técnicas que desvirtuam completamente a cultura do país que as pessoas sequer sabem como lidar com essa questão, até porque criou-se uma crosta de tecnicalidade que formou naturalmente um corporativismo que desumaniza a cultura e, consequentemente, afasta as pessoas desse ambiente que se transforma em um tratado de colegas.

O fato é que os editais, absolutamente tecnocratas, produziram um ambiente institucional na cultura, um pensamento sem alma com uma limitação intelectual inacreditável e, com isso, o conceito de resistência e luta de uma sociedade através da cultura é barrado já nas exigências de se buscar um espaço nessa loteria de editais públicos que não deixa de ser uma cópia do excremento neoliberal chamado lei Rouanet.

Se na lei Rouanet os recursos públicos são transferidos para grandes empresas públicas e privadas para que elas aloquem esses recursos naquilo que interessa a imagem delas, ou seja, naquilo que é voltado para os interesses empresariais em detrimento dos interesses culturais, esse sistema de editais que virou uma febre no país em municípios e estados, é um assassinato da ideia da cultura de uma nação.

Essa destruição está expressa numa cultura que, de imediato, abandona a solidariedade, uma das principais marcas da identidade cultural brasileira, sobretudo nas cidades menores e nas camadas mais pobres da população, já que nas cidades maiores isso já faz parte das chamadas crises urbanas, aonde a cultura é enxergada muito mais pelo ponto de vista do espetáculo em espaços institucionais, públicos ou privados.

O resultado não poderia ser outro, a mais absoluta contradição que se poderia produzir. Pior, a tendência é se agravar, porque não há dentro dessa democracia cultural de mercado qualquer luz de pensamento que inverta essa lógica.

O elogio da técnica para auto-satisfazer a burocracia que os tecnocratas impuseram como norma central de competitividade, como normas privadas, arrasta as políticas públicas para um buraco sem fim e a segregação do povo brasileiro é inevitável.

A obrigatoriedade de se preencher formulários técnicos como se a cultura fosse escrava de uma máquina tecnocrata, serve muito mais para produzir conflitos do que formar uma consciência cidadã no país.

Ou seja, reduziram a cultura do Brasil a uma mediocridade protocolar, aonde as manifestações culturais brasileiras, que são as mais diversas do mundo, passaram dentro desse universo a cheirar igual, ajudando a imobilidade da própria instituição cultural do Brasil.

É uma tomada de posição contrária ao que acontece na vida real do país. O que se tem nesse ritual burocrático e vazio, festejado como se fosse política pública de cultura, é um discurso tolo, adequado a um gueto dentro da burocracia completamente distante do mundo real.

Por isso, a esquerda, voltando ao poder, tem que abandonar esse sistema podre e enfrentar a questão dos princípios que está historicamente dentro do universo cultural brasileiro.

Diferente desse novo plano de debate, todos os movimentos culturais de base, sobretudo os espontâneos, estarão totalmente dissociados desse sistema multiplicador de limitações, quando o país mais necessita de medidas que desfaçam no ambiente institucional a criminalização daquilo que temos de mais digno, humano e verdadeiro na identidade nacional, a cultura do povo brasileiro.

*Carlos Henrique Machado Freitas

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Opinião

Roger, do conjunto “A gente somos inúteu”, diz que nunca precisou da Funarte. Precisaria pra quê?

Roger é talvez o mais resiliente dos decadentes do universo bolsonarista. Seu olhar em torno de si mesmo produz a perfeita caricatura do Brasil, representada pelas classes média e alta desse país.

Preconceituoso até a medula, Roger, quando fala do Brasil, fala muito mais de si e dessa manada patriótica formada por americanófilos de carreira.

Não vou aqui discutir a arte, na verdade, reputo-me à condição de reproduzir a frase do grande guru da cultura brasileira, Mário de Andrade sobre o conceito de arte na sua Conferência na Sociedade da Cultura Artística em São Paulo, quando abriu a sua palestra dizendo: “Gostaria de dizer em primeiro lugar que eu não sei o que é arte”.

Mário de Andrade, que tinha obsessão pelo humano, fez com que ele enxergasse como ninguém o sentimento mais profundo da alma dos brasileiros, tinha um olhar agudo, os ouvidos atentos e a percepção do todo sobre a arte popular no Brasil. Por isso era um aficionado pelas manifestações culturais espontâneas do povo brasileiro, produzindo livros que são verdadeiras obras primas sobre cada filigrana desse universo sem fim de expressões culturais desse país, plantando com isso, um marco de uma espécie de renascença tropical e o período mais fecundo da produção da música sinfônica no país, pois foi grande orientador dos nossos maiores compositores e maestros da música erudita brasileira.

Para Mário de Andrade, como ele próprio escreveu no livro O Baile das Quatro Artes, “na arte, o humano é a fatalidade”.

É aí que começo a falar sobre Roger, esse produto forjado pela nefasta cultura de massa no Brasil.

Em primeiro lugar, é preciso dizer com todas as letras que há uma diferença abismal entre o que é popular e o que é virtualmente popular, porque no Brasil tudo o que é vulgar, é tido como arte pobre para ser consumida pelo povo pobre, quando, na verdade, as manifestações artísticas mais criativas, mais belas e, sobretudo mais independentes de qualquer rasgo estético vêm ou se inspiram nas manifestações culturais protagonizadas pelas camadas mais pobres da população, porque a arte só evolui pelo afeto. E por esse mesmo afeto o Brasil se tornou o país mais miscigenado do mundo, principalmente em sua base social. Em consequência, produziu a maior e mais rica diversidade cultural do mundo.

Isso posto, pode-se afirmar com a mão na consciência, que com a experiência da observação de um produto de mídia que Roger foi e, hoje, uma figura decadente e deprimente, que aquele manequim atochado na sua imagem como representante de uma juventude anarquista, era puro produto de mercado para atender, principalmente, às classes média e alta de imensa maioria branca no Brasil.

É essa ex-juventude, hoje sexagenária, que tinha Roger como ídolo nos seus tempos áureos de “a gente somos inúteu” que tem produzido as paspalhices mais agudas dos verde e amarelo apatetados na vida política do país.

A proporção diante do restante da população, como mostra o Datafolha hoje, diz respeito àquela mesmíssima parcela de alienados que, quando jovens, zanzavam pra lá e pra cá bancando os playboys tropicais, muitos inclusive, filhos das camadas operárias, arrotando burguesia de fachada para buscar um degrau a mais no ambiente social, político e institucional, demandado pelas classes economicamente dominantes.

Por isso Roger e seus ex-admiradores de juventude aplaudiram com entusiasmo o massacre de negros e pobres pela PM em Paraisópolis. E eles que tinham nas drogas o seu ponto de afirmação na juventude, hoje, criminalizam usuários e a comercialização da qual tanto lançaram mão.

Essa gente do “sexo, droga e rock and roll” encaretou? Não, sempre foi uma mentira social, sempre viveu de uma aparência forjada na sociedade de consumo para, através da etiqueta de uma roupa, calçado, de um automóvel ou de qualquer outra coisa banal vinda da futilidade típica da cultura de massa, criar o personagem do idiota perfeito para servir como o grande protagonista do consumo que se deu, sobretudo, a partir da década de 1960, copiando o modo de vida da juventude americana, inspirada nos enlatados hollywoodianos.

O maestro que hoje preside a Funarte, disse que o rock é satânico, entre outras sandices. Roger, depois de ser cobrado por tal declaração de um devoto como ele do fascismo tropical, respondeu, “eu nunca precisei da Funarte, eu quero que ela se dane”. Então, uma pergunta é inevitável, por que Roger algum dia precisaria do apoio da Funarte, Fundação Nacional da Arte?

 

*Carlos Henrique Machado Freitas