Presidente do BC diz a investidores que reduzir mortes por coronavírus é pior para a economia.
“Esse é um gráfico que muita gente tem comunicado em palavras, que é a troca entre o tamanho da recessão e o achatamento da curva [de contaminação] que você quer atingir. Mostra que, quando você tem um achatamento maior, você tem uma recessão maior e vice-versa”, teorizou Campos Neto em uma live organizada pela XP Investimentos, uma das maiores corretoras de valores do Brasil.
A fala foi acompanhada ao vivo por mais de 6 mil pessoas no último dia 4, um sábado à noite.
Na ótica do neto de Roberto Campos – ministro do Planejamento da ditadura militar e um dos maiores expoentes do liberalismo econômico no Brasil –, o gráfico serve “para ilustrar que existe essa troca [entre salvar vidas ou combater a recessão] e é uma troca que está sendo considerada.”
Na lógica fria de Campos Neto, quanto mais rápido vierem novos casos e mortes por covid-19, melhor para a economia. Mais importante é que a indústria continue produzindo e vendendo. Ainda que isso cause o colapso de hospitais e do sistema de saúde pública, forçando médicos a escolher quem atender e quem deixar morrer, é um preço razoável a pagar em nome do lucro.
A fala do presidente do BC embute uma desonestidade intelectual. O gráfico usado por ele consta da introdução do livro “Mitigating the covid economic crisis: act fast and do whatever it takes” – “Reduzindo a crise econômica da covid: agir rápido e fazer todo o possível”, em tradução livre.
Trata-se de uma compilação de artigos organizada pelos economistas Richard Baldwin e Beatrice Weder di Mauro, do Centro de Pesquisas de Política Econômica, um think tank baseado em Genebra e que desde 1983 reúne mais de 700 pesquisadores de universidades majoritariamente europeias. Lançado em 18 de março, o livro (em inglês) pode ser baixado de graça na internet.
Na obra, os pesquisadores concluem sem deixar margem para dúvidas que a recessão causada pela quarentena é uma “medida de saúde pública necessária” e que perder vidas para preservar a economia não deve sequer ser uma opção considerada pelos líderes mundiais. Talvez Campos Neto não tenha lido esse trecho da obra – se leu, preferiu se esquecer dele. Em mais de uma hora e meia de fala aos investidores, ele não mencionou a conclusão uma única vez. Não foi a primeira vez que o BC usou o gráfico fora de seu contexto original: ele havia aparecido anteriormente no relatório trimestral de inflação divulgado em março.
*Do Intercept Brasil