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Brasileiros trans nos EUA reagem à era Trump: ‘Vamos desmantelar o ódio’

Pessoas trans que vivem nos EUA têm camada maior de preocupações com decisões de Trump que vão além da imigração.

Crises de choro, ataques de pânico e uma sensação de tristeza profunda. Essas foram algumas das reações relatadas por brasileiros transgênero residentes nos EUA ouvidos pela Agência Pública após o início do segundo mandato do republicano Donald Trump à frente da Casa Branca.

Em seu discurso de posse, na segunda-feira (20), Trump reafirmou promessas de campanha e, em tom incisivo, reiterou que, dali em diante, a “política oficial do governo dos Estados Unidos reconheceria apenas dois gêneros, feminino e masculino”. Já nas primeiras horas de governo, o republicano assinou e revogou ordens executivas, incluindo algumas que visavam proteger a população LGBTQIA+, como medidas que garantiam proteção contra discriminação e ampliavam direitos de pessoas trans nas Forças Armadas.

No mesmo dia, Trump decretou que agências do governo passassem a usar o termo “sexo”, em vez de “gênero”. A alteração vale para passaportes e outros documentos federais de identificação –- Marco Rubio, novo chefe de diplomacia do governo norte-americano mandou suspender os pedidos de passaportes que tinham “X” como marcador de sexo, em vez de “masculino” ou “feminino”, segundo o The Guardian. O governo decidiu também que detentas trans sob custódia federal sejam colocadas em celas masculinas. A ordem inclui, ainda, uma orientação para que todas as agências “acabem com o financiamento federal da ideologia de gênero”, sem deixar claro como isso seria posto em prática.

Trump pôs fim também aos programas e políticas conhecidos sob a sigla “DEI” (Diversidade, Igualdade e Inclusão, na sigla em inglês), voltados a grupos que historicamente foram sub-representados ou enfrentam discriminação. A ordem é que todos os funcionários públicos federais de setores de diversidade, equidade, inclusão e acessibilidade sejam colocados em “licença administrativa remunerada” – enquanto as agências federais tomam medidas para encerrar os programas.

Nascida em Fortaleza, Klas Gomes, de 21 anos, mora em Nova Iorque desde os 12 anos e teme que o segundo mandato de Trump seja pior que o primeiro. O receio não se deve só aos decretos, mas ao fato de que a postura do presidente passaria “a mensagem de que está tudo bem ser transfóbico”.

Ela conta que há um sentimento de tristeza desde o dia 6 de novembro de 2024, quando Trump foi declarado vitorioso. “Passei o dia inteiro acompanhando a apuração. Quando vi que ele havia ganhado, foram lágrimas e lágrimas — não só minhas, mas de todos os meus amigos”, relata a jovem, que se descobriu mulher trans apenas aos 18 anos, no início da faculdade — ela estuda inglês e quer se tornar professora ou tradutora.

Klas confessa que, inicialmente, chegou a cogitar deixar os Estados Unidos, tamanho foi o choque após a vitória eleitoral de Trump. Hoje, está convencida a ficar e se diz privilegiada por viver em uma das cidades mais cosmopolitas e diversas do mundo, onde, segundo ela, o preconceito não seria tão explícito. “Precisamos usar a nossa voz e gritar o mais alto possível que não concordamos com o que está sendo imposto. Somos reais e temos um lugar nesse país, mesmo que nos digam o contrário.”

Manter-se nos EUA é uma opção que não vem sem preocupações, não apenas para quem é atingido pelas mudanças, mas para quem vê nas ações de Trump um incentivo para crimes de ódio contra a população LGBTQIA+. “Não sou a favor de armas. Apesar disso, estou pensando seriamente em pegar uma licença e andar com uma arma sempre comigo”, afirma Luca Lima, homem trans brasileiro de 25 anos que mora em Nova Jersey. “Não dá para ficar vivendo a vida com medo de entrar em um banheiro e nunca mais sair”, completou.

EUA: “Tive até que tomar remédio para ansiedade”
Luca está entre o 1,6 milhão de pessoas trans nos Estados Unidos, segundo estimativa de 2022 do Instituto Williams, líder em pesquisas sobre leis e políticas de orientação sexual e identidade de gênero, e vê seus direitos ameaçados diante da volta de Trump ao poder. “No dia da posse, tive até que tomar remédio para ansiedade porque não estava bem. Infelizmente, já está ruim e só vai piorar”, conta.


Para Luca Lima, situação ‘infelizmente, já está ruim e só vai piorar.’ (Foto: Arquivo pessoal)

O brasileiro nasceu no Rio de Janeiro e mora em Nova Jersey há dois anos, após se mudar de Connecticut, onde vivia desde os 13 anos. Aos 16, descobriu ser uma pessoa trans. “Eu pensava: ‘Não tenho problema em me ver no espelho, mas, se eu pudesse ter um corpo diferente, eu teria’. Um dia, meus amigos me perguntaram se eu queria que eles me tratassem no masculino para eu ver como me sentia. Depois, começamos a pensar em nomes. Esse foi um dos finais de semana mais felizes da minha vida”, lembra.

Para Luca, ser uma pessoa trans é difícil, mas ele se sente privilegiado em comparação a outras pessoas da comunidade. Além de ter o apoio da família, ele é percebido como um homem cisgênero e, por esse motivo, não sofre tanto preconceito, mas o receio ainda é grande em situações específicas, como ao usar banheiros públicos ou ao praticar artes marciais — que ele decidiu aprender justamente para se sentir mais seguro, segundo o ICL.

“Certa vez, estava no vestiário e ouvi alguns homens conversando. No meio da conversa, um deles soltou: ‘Isso é muito gay’. Não sei qual foi o contexto, mas deu para perceber que não são pessoas de mente aberta”, afirma. “Imagina se esses caras descobrem que eu estava rolando no chão com eles. O que aconteceria?”

Luca já tem o chamado green card — visto de residência permanente concedido a imigrantes –- e está prestes a obter a versão do documento para estrangeiros que moram no país há pelo menos dez anos, por isso não considera a ideia de voltar ao Brasil. Sua carteira de habilitação e cartão do Seguro Social, equivalente à importância do CPF no Brasil, foram emitidos em seu novo nome e apresentam o gênero “masculino”. O green card ainda não. E para a nova versão do documento, a questão do gênero ainda é incerta.

“O green card não é um documento que eu uso no dia a dia. Eu o deixo guardado em casa e é algo que ninguém vê”, conta.

‘Um passo de cada vez’
A goiana Sara Wagner York, mulher trans de 49 anos que mora em Pittsburgh, na Pensilvânia, desde agosto de 2024, já enfrentou uma série de dificuldades e situações discriminatórias por se entender trans desde os 12 anos, em um meio –- e época –- em que havia pouca informação sobre o assunto. Ela foi expulsa de casa quando se assumiu.

Sara Wagner York destaca: ‘Nossas vidas são válidas, nossas existências são dignas.’ (Foto: Arquivo pessoal)

Sara chegou a morar na rua e conta que apanhou diversas vezes – da mãe, de colegas de escola e da polícia. Aos 15, membro de uma igreja evangélica e encampando uma tentativa de “virar homem”, engravidou uma mulher -– o filho tem hoje 32 anos.

Colecionando experiências desafiadoras, Sara não encara o novo mandato de Trump com tanto medo e o enxerga como mais um obstáculo a ser enfrentado. Pesquisadora na área de educação e saúde e estudante de doutorado na Universidade de Pittsburgh, ela diz que “o que Trump está propondo é um retrocesso aos direitos humanos, uma tentativa de apagar nossa identidade e, mais do que isso, deslegitimar nossa existência. Precisamos nos manter organizados e unidos para garantir que a voz da comunidade seja ouvida”.

“Esses ataques, em vez de nos silenciarem, só nos fortalecem. Continuaremos a existir, a lutar e a exigir respeito, independentemente de ameaças. Nossas vidas são válidas, nossas existências são dignas e vamos continuar a desmantelar o ódio, um passo de cada vez”, acrescenta.

Sara nunca cogitou deixar os Estados Unidos. “Entendi que existem formas mais incisivas de luta, e uma delas é o enfrentamento. Então não, não penso em voltar”, diz. “O ato de ‘abandonar’ não faz mais parte da minha vida. Tenho metas a cumprir e estou focada nisso.”

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Bolsonaro pede para ir a baile latino de “titãs” trumpistas nos EUA

Segundo convite anexado no processo que corre no STF, Bolsonaro foi convidado para encontro VIP com “titãs”.

Na tentativa de convencer o ministro Alexandre de Moraes a deixá-lo comparecer à posse do presidente eleito Donald Trump, nos Estados Unidos, marcada para 20 de janeiro, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) anexou um segundo convite no processo que corre no Supremo Tribunal Federal (STF). Trata-se de uma chamada para participar de um baile latino, em 18 de janeiro, dois dias antes do evento principal.

Entenda:

  • Bolsonaro está sem passaporte desde fevereiro de 2024.
  • Ele é alvo de um inquérito sobre tentativa de golpe.
  • O ex-presidente pede autorização do relator, Alexandre de Moraes, para comparecer à posse de Trump.
  • A PGR se manifestou contrariamente à autorização.

O governo Lula deve enviar a embaixadora do Brasil em Washington, Maria Luiza Viotti.
Para comparecer ao evento no Omni Hotel, em Washington DC, e à posse de Trump, o ex-presidente precisa da liberação de seu passaporte, apreendido em operação da Polícia Federal em investigação sobre suposta tentativa de golpe de Estado, realizada em fevereiro de 2024. Os defensores de Bolsonaro querem autorização para que o ex-presidente possa viajar para os EUA no período compreendido entre 17/01/2025 e 22/01/2025.

O caso foi analisado pela Procuradoria-Geral da República, que não reconheceu “interesse público” na autorização de viagem ao exterior para o ex-presidente investigado por suspeita de golpe de Estado. “É ocioso apontar que o requerente não exerce função que confira status de representação oficial do Brasil à sua presença na cerimônia oficial nos Estados Unidos”, afirmou o PGR, Paulo Gonet.

O convite
No convite para o evento que reúne lideranças latinas aliadas a Trump, afirma-se que Bolsonaro estará em um ambiente VIP, íntimo, em um encontro “entre Titãs”. O evento contará com lideranças de origem latina aliadas a Trump, como o senador Ted Cruz, o senador eleito Bernie Moreno, além de outros representantes do Congresso e lideranças conservadoras da América, do Caribe e da Espanha.

Também deve haver uma homenagem ao próximo secretário de Estado dos EUA, o senador Marco Rubio, filho de imigrantes cubanos.

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Política

Empresa israelense que teve apoio de Carlos Bolsonaro para vender spyware enfrenta acusação de espionagem nos EUA

A Justiça dos Estados Unidos considerou o NSO Group, de Israel, responsável pela instalação do spyware Pegasus, usado para monitorar celulares de centenas de políticos, jornalistas, opositores e ativistas de direitos humanos. No Brasil, o vereador Carlos Bolsonaro (PL-RJ) tentou convencer o governo federal, durante a gestão de Jair Bolsonaro (PL), a adquirir a ferramenta de espionagem.

Segundo a coluna do jornalista Jamil Chade, do UOL, nos EUA, a decisão judicial foi motivada por um processo movido pelo WhatsApp, pertencente à Meta, contra o NSO Group. A juíza Phyllis Hamilton considerou que a empresa israelense violou diversas leis, incluindo a Lei de Fraude e Abuso de Computador (CFAA), ao atacar 1.400 usuários do aplicativo de mensagens. Desde 2021, a administração do presidente Joe Biden colocou o NSO Group em uma lista negra, proibindo agências governamentais de adquirirem seus produtos.

O caso ganhou destaque em 2019, quando o WhatsApp acusou o NSO de espionagem direcionada contra defensores de direitos humanos e jornalistas, com implicações em governos autoritários ao redor do mundo. Uma investigação de um consórcio de 17 jornais revelou que ao menos 180 jornalistas foram monitorados pelo Pegasus.

No Brasil, o Pegasus despertou interesse de procuradores da extinta força-tarefa da Lava Jato e foi promovido por Carlos Bolsonaro como uma ferramenta para fortalecer o aparato de espionagem estatal. Reportagens do UOL revelaram tentativas de venda do sistema ao Ministério da Justiça, que abriu licitação em 2020 para adquirir soluções tecnológicas de inteligência.

De acordo com a reportagem, as negociações começaram ainda na gestão do ex-juiz suspeito e então ministro da Justiça, Sergio Moro (atualmente senador pelo União Brasil-PR), que visava usar a ferramenta no Centro Integrado de Operações de Fronteira. No entanto, membros da cúpula militar, como o general Carlos dos Santos Cruz, então ministro da Secretaria de Governo, se opuseram ao Pegasus, apontando riscos éticos e estratégicos de trazer a tecnologia ao país. Essa oposição teria motivado a exoneração de Santos Cruz, articulada por Carlos Bolsonaro.

Paralelamente, a vulnerabilidade de dispositivos eletrônicos no Brasil foi exposta pela invasão do celular de Sergio Moro, que deu origem à Operação Spoofing. Apesar disso, a resistência ao Pegasus dentro do governo foi reforçada por preocupações militares e de membros do Ministério Público, que temiam o uso abusivo do software.

Conforme revelado por mensagens apreendidas na Operação Spoofing, procuradores da Lava Jato chegaram a discutir a aquisição de ferramentas como o Pegasus para investigações, gerando debates éticos internos. Um procurador, identificado como Paulo, questionou a funcionalidade de abrir microfones e câmeras em tempo real, considerando os impactos sobre direitos humanos.

Após a posse de Augusto Aras como procurador-geral da República, as negociações foram interrompidas. Aras determinou que qualquer software usado pelo Ministério Público deveria ser auditável e depender de autorizações judiciais, o que inviabilizaria o uso do Pegasus, que opera sem deixar rastros de suas invasões.

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Brasil

Farmacêutica de opioides repete no Brasil tática que matou milhares nos EUA

Empresa da crise de opioides contrata médicos para ensinar prescrição no Brasil; um deles fez projeto de lei que difunde uso das substâncias.

Em fevereiro de 2023, numa sala de convenções do resort de luxo Villa Rossa, funcionários da gigante farmacêutica Mundipharma ergueram suas taças de espumante e brindaram aos bons resultados de vendas no ano anterior e aos 10 anos de atividade do laboratório no Brasil. A celebração, que atravessou quatro dias no resort a 76 quilômetros de São Paulo, teve como ponto alto uma festa de carnaval com todos de abadá, e entrega de medalhas pelo empenho nas vendas de medicamentos à base de opioides, substâncias que, bem longe dali, foram protagonistas na morte de mais de meio milhão de americanos. Uma pista do passado da empresa estava nas paredes do salão, decoradas com cartazes da Mundipharma exibindo o slogan “Construindo um futuro com precisão” — uma referência à autocrítica que a empresa fez, de não terem sido precisos ao explicitar os riscos do uso da oxicodona, princípio ativo de seu principal produto, e assim terem levado a uma das mais mortais crises de saúde pública dos Estados Unidos.

A investigação jornalística Mundo da Dor, uma colaboração do Metrópoles e mais 10 veículos, entre eles o site americano The Examination e a revista alemã Der Spiegel, revela, porém, que a expiação do slogan talvez esteja mais para uma peça de marketing do que para uma mudança real de conduta da empresa.

Após cinco meses de apuração, a investigação mostrou que, tal qual nos Estados Unidos, a Mundipharma no Brasil repete táticas de venda usadas por lá na década de 1990 e no início dos anos 2000. O laboratório segue afirmando que a oxicodona de liberação prolongada não causa dependência, embora a ciência diga o contrário. A empresa também minimiza o eventual risco de uma crise semelhante à americana acontecer no Brasil, o que é contestado por especialistas. A Mundipharma financia, assim como fez nos Estados Unidos, eventos sobre o uso de opioides — em que médicos promovem essas substâncias a outros médicos —, sob a justificativa de que visam à formação e educação para o uso dos medicamentos. Nessas aulas, a farmacêutica detém o controle absoluto sobre o que os médicos falam das substâncias e paga todas as despesas dos profissionais convidados para participar dos eventos.

A Mundipharma é conhecida mundialmente por distribuir os remédios da Purdue Pharma, empresa americana que assumiu a culpa pela morte de mais de 500 mil pessoas nos Estados Unidos por overdose causada por opioides. Fundada pelos irmãos e médicos Arthur, Mortimer e Raymond Sackler, a Purdue Pharma é responsável por desenvolver o OxyContin, remédio composto pela substância oxicodona, que tem um efeito 150% maior que a morfina e possui alto risco de dependência. O marketing e a propagação do OxyContin para o tratamento de dor no fim da década de 1990 e início dos anos 2000 levaram aproximadamente 90 mil pessoas à morte só naqueles 10 anos, por overdose de opioides, segundo dados do Centro de Controle e Prevenção de Doenças americano.

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A Mundipharma desembarcou no Brasil em 2013, um ano antes de a Purdue começar a ser alvo de processos judiciais coletivos nos Estados Unidos pelas consequências do uso do OxyContin. A entrada do OxyContin no mercado de tratamento de dor no país era o principal objetivo da farmacêutica. Em março daquele ano, a empresa deu entrada no processo de regulamentação do medicamento na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e só conseguiu a aprovação três anos depois, em julho de 2016.

Remédios à base de oxicodona começaram a ser comercializados no Brasil em 2001 pelo laboratório Zodiac. Entretanto, os primeiros dados que a Anvisa tem sobre a venda de oxicodona são de 2014, quando foram comercializadas 149,8 mil caixas. Em 2016, ano em que o OxyContin, da Mundipharma, entrou para o mercado brasileiro, o número saltou para 169,5 mil caixas vendidas, um aumento de 13,5%. O crescimento aconteceu até 2017. No mesmo período, a Mundipharma começou a vender outro opioide no Brasil: o Restiva, um adesivo que tem como princípio ativo a buprenorfina e é considerado, atualmente, o principal produto da farmacêutica no Brasil.

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O medicamento mais recente do laboratório a ser regulamentado pela Anvisa, em 2018, foi o Targin, que representou um retorno da empresa à promoção da oxicodona, princípio ativo em que foi pioneira. Ao contrário do OxyContin, o Targin não tem apenas a oxicodona. O remédio é associado a outra substância, a naloxona, que funciona como um antídoto para algumas reações adversas do opioide. Sua bula explica que a naloxona é usada para reduzir os efeitos colaterais, como a constipação.

Outro efeito colateral do medicamento, também citado na bula, é a dependência. Em 21 de agosto de 2024, a Mundipharma disse, em resposta a essa investigação, porém, que a associação com a naloxona torna o uso do Targin seguro. A afirmação é falsa, segundo o pesquisador sênior da FioCruz Francisco Inácio Bastos. De acordo com o médico, a associação das duas substâncias não torna o medicamento seguro contra a dependência.

Um vídeo da Mundipharma usado para o treinamento de seus funcionários, e obtido pela coluna, mostra que, em 2022, a farmacêutica tinha o objetivo de transformar o ano seguinte no “ano de Targin” no Brasil. A peça apresenta o medicamento como “equivalente ao OxyContin” e fala em construir “o futuro de Targin com precisão”, em outra referência à confessa falta de precisão ao anunciar os efeitos do remédio protagonista da crise nos Estados Unidos. Mas o vídeo é impreciso na apresentação do risco de dependência. O tema foi tratado em breves quatro segundos, num longo texto com letras pequenas, somente no início do vídeo.

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A exemplo do OxyContin, o Targin é um comprimido com liberação lenta na corrente sanguínea. O desbloqueio controlado da substância no sangue não causa um pico no sistema nervoso central, que está diretamente ligado a efeitos colaterais, como a dependência. Em entrevista à coluna, Walter Almeida, gerente de Acesso da Mundipharma, afirmou que, no Brasil, nunca chegou a ser vendido o mesmo OxyContin comercializado no início da década de 1990 nos Estados Unidos. “O Oxycontin de liberação rápida, que causou o problema nos Estados Unidos, nunca chegou ao Brasil. O que a gente trouxe para cá já era de liberação controlada”, disse Almeida.

Mas um estudo de 2003 do Departamento de Prestação de Contas do governo dos Estados Unidos (Government Accountability Office) mostra que o OxyContin de liberação controlada, aprovado em 1995, foi apontado como o causador da crise dos opioides naquele país. A informação de que a dispensação lenta no sangue mitigaria a dependência da substância também era usada pela Mundipharma na década de 1990. Nas farmácias brasileiras, desde a chegada do Targin, o OxyContin foi substituído e, há alguns anos, a Mundipharma passou a vender o medicamento apenas para uso hospitalar.

Disse o estudo do Departamento de Prestação de Contas do governo dos Estados Unidos:

“Essa característica [liberação controlada] pode ter tornado o OxyContin um alvo atraente para abuso e desvio, segundo o DEA [Departamento Antidrogas dos EUA]. Funcionários da FDA [Food and Drug Administration, agência sanitária dos EUA] pensaram que o recurso de liberação controlada tornaria a droga menos atraente para os usuários. No entanto, a FDA não percebeu que o medicamento poderia ser dissolvido em água e injetado, o que reverte as características de liberação controlada e cria uma sensação imediata de euforia, aumentando, assim, o potencial de abuso”.

*Reportagem de Bruna Lima e Guilherme Amado/Metrópoles

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Joe Biden desiste de concorrer à reeleição nos EUA

Joe Biden anunciou a desistência da disputa neste domingo (21/7) em carta publicada nas redes sociais. Ele vai apoiar a vice, Kamala Harris.

O presidente dos Estados Unidos (EUA), Joe Biden, anunciou que desistiu de concorrer à Casa Branca. O democrata comunicou a decisão em uma carta publicada na rede X (antigo Twitter), na tarde deste domingo (21/7). Ele também anunciou apoio à candidatura de sua vice, Kamala Harris.

Biden se preparava para concorrer nas eleições deste ano contra o republicano Donald Trump. No entanto, opositores e aliados passaram a questionar a capacidade dele para um novo mandato diante do desempenho no último debate.

No comunicado, Biden diz que foi a maior honra da vida dele servir como presidente dos Estados Unidos. “Embora tenha sido minha intenção buscar a reeleição, acredito que é do interesse do meu partido e do país renunciar e me concentrar exclusivamente no cumprimento dos meus deveres como presidente durante o resto do meu prazo”.

Biden ainda destacou que se pronunciará à nação ainda nesta semana e que dará mais detalhes sobre a decisão. “Por enquanto, deixe-me expressar minha mais profunda gratidão a todos aqueles que trabalharam tanto para me ver reeleito”, frisou.

“Quero agradecer à vice-presidente Kamala Harris por ser uma parceira extraordinária em todo este trabalho. E deixe-me expressar o meu sincero agradecimento ao povo americano pela fé e confiança que depositou em mim”, disse.

Em outra publicação no X (antigo Twitter), Biden destaca que apoia que o partido democrata indique a vice-presidente Kamala Harris seja nomeada como candidata na disputa deste ano. “Democratas, é hora de nos unirmos e derrotar Trump. Vamos fazer isso”, finalizou.

Sob pressão
Em debate realizado em junho, a performance do líder norte-americano foi considerada desastrosa. O democrata demonstrou estar confuso, hesitante e pouco reativo, enquanto Trump dominou o embate do início ao fim. A performance gerou preocupação entre membros do Partido Democrata.

Em outras ocasiões, Biden cometeu gafes, por exemplo, ao trocar os nomes de Volodymyr Zelensky, presidente da Ucrânia, e de Vladmir Putin, presidente da Rússia. Desde então, a capacidade do democrata para liderar o país entrou no foco de aliados e de rivais.

Embora sofresse pressão pela desistência, o presidente reiterava que tinha condições para continuar na disputa. Ele chegou a dizer, por exemplo, que só desisitiria da candidatura caso um médico “dissesse que você tem esse e aquele problema” que impossibilitaria sua capacidade de concorrer e governar.

Na última semana, Biden ainda precisou interromper compromissos de campanha porque testou positivo para Covid-19.