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Madeireiras suspeitas de exportação ilegal no caso Salles transportaram R$ 84 milhões em pouco mais de um ano

Dados estão em documentos de origem florestal, do Ibama; empresas negam irregularidades e afirmam agir dentro da lei.

Segundo a Folha, madeireiras suspeitas de exportação ilegal para os EUA e a Europa e que estão no centro das investigações envolvendo o ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente) movimentaram no país cargas de madeira avaliadas em R$ 83,6 milhões. Essas cargas foram transportadas em 2020 e nos primeiros meses de 2021.

Ao todo, foram deslocados 151 mil m3 de espécies da Amazônia como andiroba, ipês amarelo e roxo, maçaranduba, jatobá e garapeira. A comercialização de toda essa madeira, remetida de endereços no Pará, foi feita por apenas quatro empresas.

Os dados estão registrados nos chamados DOFs (documentos de origem florestal), necessários para o transporte de madeira dentro do país e também com destino à exportação.

A Folha sistematizou as informações a partir de dados abertos do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), que torna públicos os DOFs emitidos no mercado da madeira.

Em 19 de maio, a Polícia Federal deflagrou a Operação Akuanduba, a partir de uma autorização do STF (Supremo Tribunal Federal). A PF investiga um suposto esquema de exportação ilegal de madeira para os EUA e a Europa, com a suposta participação de Salles e do presidente do Ibama, Eduardo Fortunato Bim. Bim foi afastado do cargo por 90 dias, por determinação do STF.

Ao todo, a PF fez buscas e apreensões nos endereços de 23 alvos, Salles e Bim entre eles. Também houve quebras de sigilo bancário e fiscal e o afastamento de nove servidores da área ambiental.

O cerne da investigação é um suposto favorecimento a madeireiras no Pará, após lobby dessas empresas para alterar as regras do jogo.

Segundo a PF, Salles e Bim agiram para mudar as regras e regularizar, assim, cargas de madeira apreendidas no exterior. A PF investiga suspeita de corrupção de autoridades, servidores e madeireiras.

O presidente do Ibama elaborou um despacho interpretativo que dispensou a necessidade de autorização de exportação para o envio da madeira a outros países. Passaram a ser necessários apenas os DOFs, que são usados para o deslocamento do produto de um ponto a outro. O STF também suspendeu a validade desse despacho, e as autorizações voltaram a ser necessárias.

Enquanto eram multadas pelo próprio Ibama por exportações ilegais, madeireiras faziam intenso tráfego de madeira dentro do país, o que evidencia a dimensão e a rentabilidade desses negócios.

A existência dos DOFs, com o registro do transporte, aponta para a aparente legalidade desse deslocamento, mas as madeireiras investigadas foram recorrentemente autuadas pelo Ibama por infrações ambientais.

A Ebata Produtos Florestais, investigada na Operação Akuanduba, transportou 101,8 mil metros cúbicos de madeira em 2020 e no começo de 2021. As cargas estavam avaliadas em R$ 55 milhões, conforme os DOFs tornados públicos pelo Ibama.

Os principais pontos de origem desse transporte foram as cidades de Oriximiná, Terra Santa e Belém, no Pará. Entre as espécies amazônicas transportadas estão angelim, jatobá e maçaranduba.

Relatórios de inteligência financeira elaborados pelo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), usados pela PF nas investigações, apontam operações suspeitas da madeireira, envolvendo créditos de R$ 5,5 milhões. Os relatórios registram movimentação de recursos incompatível com o patrimônio e fragmentação de saques.

A empresa teria participado de pressão ao Ibama para regularizar cargas de madeira, conforme as investigações. Ela exportou de forma ilegal e foi autuada em R$ 12,9 mil pelo Ibama, segundo a PF. As espécies vendidas, itauba e angelim-pedra, estão ameaçadas de extinção.

Desde 2010, a empresa já recebeu multas do Ibama que somam R$ 345,2 mil, como consta em relatório policial.

A madeireira não respondeu aos questionamentos da reportagem.

Na ocasião da deflagração da Operação Akuanduba, a madeireira afirmou que todas as suas movimentações financeiras são registradas e regulares. A origem da madeira é comprovadamente lícita, e questões sobre autorização de exportação foram tratadas por associações empresariais, não pela própria empresa, disse.

Outra madeireira investigada é a Tradelink Madeiras, que também teve cargas retidas em outros países. A madeira da Tradelink está na origem das investigações, por ter despertado a atenção de autoridades ambientais norte-americanas.

A reportagem não localizou DOFs no nome da empresa. Mas, segundo a PF, duas empresas ligadas a uma associação de concessionárias florestais são a “origem da maior parte das cargas exportadas” pela Tradelink e apreendidas nos EUA.

Essas duas empresas fizeram um intenso tráfego de madeira no país em 2020 e nos primeiros meses de 2021, segundo os DOFs abertos pelo Ibama: 49 mil metros cúbicos de madeira, avaliados em R$ 28,3 milhões. Os pontos de partida foram Belém, Itaituba e Altamira, no Pará.

“Não somos extratores, nem concessionários e não possuímos serrarias. A empresa compra toda sua matéria-prima de diferentes fornecedores que são cadastrados, fiscalizados e autorizados a operar pelo poder público”, afirmou a Tradelink, em nota.

Há rigorosos padrões de segurança, baseados em normas ambientais e trabalhistas, e parte da madeira foi extraída de concessões florestais federais, segundo a empresa.

A PF afirma que a madeireira é uma “infratora contumaz”. As multas aplicadas de 1996 a 2020 somam R$ 7,8 milhões, como consta no relatório da Operação Akuanduba.

O Coaf registra cinco comunicações de operações suspeitas, segundo a PF. Os créditos envolvidos somam R$ 114,5 milhões desde 2019. São apontadas fragmentação de saques em espécie e movimentação de valores incompatível com o faturamento mensal, além de suspeitas em transferências internacionais.

Contêineres da Tradelink, carregados com madeira brasileira, foram apreendidos nos EUA sem autorização de exportação. O mesmo ocorreu na Bélgica e na Dinamarca. Representantes da empresa passaram a pressionar o Ibama pela regularização, conforme a PF.

“As cargas da empresa foram exportadas de acordo com a legislação e procedimentos estadual e nacional vigentes”, afirmou a empresa.

Quanto aos autos de infração, a madeireira disse exercer seu direito de defesa, “contribuindo para o aprimoramento dos processos de controle de fiscalização”. Toda a movimentação de recursos está registrada no Banco Central, afirmou.

A Wizi Indústria, Comércio e Exportação de Madeira também é investigada pela PF. A empresa exportou produtos sem autorização e já foi multada em R$ 1 milhão pelo Ibama desde 2016, conforme o relatório da PF.

Os transportes registrados de madeira, porém, são bem inferiores aos das demais madeireiras. Em 2020 e começo de 2021, foram 300 metros cúbicos, avaliados em R$ 370 mil.

A reportagem não localizou um contato da empresa para pedir uma posição sobre as informações apuradas.

O Ibama não respondeu aos questionamentos da reportagem. Desde a deflagração da Operação Akuanduba, o órgão nega irregularidades, desqualifica as investigações da PF e afirma que “todas as dúvidas serão respondidas em juízo”.

Salles também critica a operação e diz que há exageros da PF. A defesa do ministro afirma que há uma mistura de fatos anteriores com fatos que não são criminosos, com um “claro propósito para induzir o STF em erro”.

As movimentações financeiras do escritório de advocacia que Salles mantém com a mãe, consideradas suspeitas pela PF, já foram objeto de investigação anterior, com esclarecimentos ao Ministério Público, segundo a defesa do ministro.

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PF aponta operações suspeitas de Salles em escritório com a mãe durante governo Bolsonaro

Relatório detalha ainda movimentações atípicas de três servidores da área ambiental e de duas madeireiras; ministro disse que não tem como se defender de algo que não conhece.

De acordo com matéria publicada na Folha, a PF (Polícia Federal) aponta operações financeiras suspeitas de Ricardo Salles a partir do escritório de advocacia que ele tem em sociedade com a mãe, durante o período em que exerce o cargo de ministro do Meio Ambiente no governo de Jair Bolsonaro e em meio a suposta prática de crimes na exportação de madeira ilegal.

A suspeita é descrita pela PF em relatórios que embasam a Operação Akuanduba, autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), e deflagrada na última quarta-feira (19).

Salles e o presidente do Ibama, Eduardo Bim, são investigados na operação.

A PF em Brasília fez uso de relatórios de inteligência financeira produzidos pelo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras). A decisão de Moraes cita esse material, mas sem detalhamento. Documentos da polícia trazem pormenores dos relatórios de inteligência financeira, chamados RIFs.

Sobre o RIF relacionado a Salles, a PF diz existir um “conteúdo bastante interessante”. O RIF “aponta para operações suspeitas, realizadas nos últimos dois anos, por intermédio do escritório de advocacia em que o ministro Ricardo Salles é sócio com sua genitora”.

“Obviamente a obtenção dos respectivos anexos e dados mais completos dependerá da autorização judicial emitida por esse STF, mas cremos que a confirmação da simples existência de operações suspeitas a cargo do ministro Salles, no mesmo período dos fatos em apuração, com os demais elementos, permitem que sejam apreciados os pedidos”, afirma a PF.

Moraes autorizou a polícia a ter acesso à íntegra do RIF referente a Salles. Segundo as investigações, há “fortes indícios de envolvimento” do ministro em esquema de facilitação ao contrabando de madeira ao exterior.

Em nota, o ministério afirmou que “não há como se defender de algo que não se conhece”. “Até o momento, o ministro não teve acesso ao inquérito, e tampouco a reportagem indicou quais são os fatos a esclarecer.”

Advogado de Salles, Fernando Augusto Fernandes disse que há uma mistura de fatos anteriores com fatos que não são criminosos. “Há um claro propósito político para induzir o STF em erro.”

Segundo o advogado, as movimentações financeiras do escritório que integra já foram objeto de investigação anterior, com esclarecimentos ao MP (Ministério Público).

Em São Paulo, a pedido do MP, a Justiça já havia determinado, no ano passado, a quebra do sigilo bancário do escritório de advocacia ligado ao ministro. A ordem judicial incluiu a mãe de Salles, sócia dele.

A quebra ocorreu no âmbito de um inquérito civil aberto pela Promotoria para apurar a suspeita de enriquecimento ilícito e lavagem de dinheiro no período em que Salles comandou a Secretaria de Meio Ambiente do governo Geraldo Alckmin (PSDB).

De acordo com o MP, Salles movimentou, entre 2012 e 2017, cerca de R$ 2,8 milhões da conta de seu escritório para sua conta pessoal.

Os investigadores afirmaram no pedido enviado à Justiça haver discrepância entre a movimentação financeira e declarações de imposto de renda.

Na Operação Akuanduba, a PF aponta operações financeiras suspeitas de outros cinco investigados, além de Salles.

No caso de Olivaldi Alves Borges, que foi diretor de Proteção Ambiental no Ibama e secretário no ministério, houve registro de título com diferença entre o valor de venda de um bem, R$ 180 mil, e o valor venal, R$ 38,2 mil, conforme relatório da PF.

Segundo a PF, Olivaldi participou de reuniões com o setor madeireiro para flexibilizar a fiscalização e ignorou irregularidades no envio de madeira ao exterior.

“Nunca tive imóvel nenhum, portanto não há venda nenhuma”, disse Olivaldi.

Outras operações suspeitas, segundo relatório da PF, envolvem os analistas do Ibama João Riograndense Júnior e Artur Vallinoto. Quanto ao primeiro, é citada uma resistência a fornecer informações sobre operação financeira em 2017. Sobre o segundo, houve comunicado de depósito em espécie de R$ 50 mil.

Riograndense participou de elaboração de nota técnica que permitiu a assinatura do despacho flexibilizando a fiscalização de exportações de madeira, conforme a PF. Vallinoto emitiu uma autorização de exportação de madeira de forma “flagrantemente ilegal”, afirmou a PF, que quer saber se ele cumpriu ordens de superiores.

“Não tenho nem ideia do que se trata. Estive na PF espontaneamente e não houve nenhum questionamento sobre qualquer operação suspeita em 2017, assim como nunca houve resistência da minha parte em responder sobre qualquer questão”, disse Riograndense.

Vallinoto afirmou: “Estive na PF espontaneamente para prestar todos os esclarecimentos. Tenho um processo movido contra prefeitura e a venda de carro devidamente documentado. Não há nada suspeito.”

Maior apreensão de madeira da história

No caso da Ebata Produtos Florestais, no Pará, foram oito comunicações de operações suspeitas desde 2019, envolvendo créditos de R$ 5,5 milhões. RIFs registram movimentação de recursos incompatível com o patrimônio e fragmentação de saques. A empresa teria participado de pressão ao Ibama para regularizar cargas de madeira.

Em nota, a Ebata disse não ter tido acesso ao processo. “Todas as movimentações financeiras da empresa são devidamente registradas e regulares”, afirmou. A origem da madeira da empresa é comprovadamente lícita e questões sobre autorização de exportação foram tratadas por associações de classe, não pela empresa, segundo a nota.

Sobre a Tradelink Madeiras, houve cinco comunicações de operações suspeitas, segundo a PF. Os créditos envolvidos somam R$ 114,5 milhões desde 2019. São apontadas fragmentação de saques em espécie e movimentação de valores incompatível com o faturamento mensal, além de suspeitas em transferências internacionais.

Contêineres da Tradelink, carregados com madeira brasileira, foram apreendidos nos EUA, sem autorização de exportação, segundo a PF. O mesmo teria ocorrido na Bélgica e na Dinamarca. Representantes da empresa passaram a pressionar o Ibama pela regularização, conforme a PF.

A Tradelink disse, em nota, não ter sido oficiada da decisão do STF, nem ter tido acesso ao processo. Toda a movimentação de recursos está registrada no Banco Central, afirmou. A superintendência do Ibama no Pará e a presidência do órgão se manifestaram pela legalidade da carga apreendida nos EUA; na Europa, houve liberação após rigorosa auditoria, cita a nota.

O STF autorizou buscas e apreensões nos endereços de 23 alvos, Salles e Bim entre eles. Também houve quebras de sigilo bancário e fiscal. Nove servidores da área ambiental foram afastados de suas funções por 90 dias, entre eles o presidente do Ibama.

A PF investiga crimes de corrupção, advocacia administrativa, prevaricação e facilitação de contrabando por agentes públicos e empresários do ramo de madeira, extraída principalmente da Amazônia.

*Vinicius Sassine e Marcelo Rocha/Folha

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