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Brasil prepara complexa operação para resgatar mais brasileiros e palestinos da Faixa de Gaza

Maior desafio da operação diplomática é a quantidade de pessoas para serem repatriadas do conflito que já matou cerca de 16 mil palestinos.

O pai de um brasileiro teve um derrame enquanto aguarda a chance de poder sair de Gaza pelo único caminho possível atualmente: a fronteira com o Egito. Diplomatas brasileiros no Cairo já estão de prontidão, porque a qualquer momento podem precisar ir para Rafah, onde fica esta fronteira. O Brasil apresentou aos envolvidos nas negociações deste conflito uma lista com 102 nomes de pessoas que o governo quer resgatar de Gaza. Ao contrário do que alguns ainda pensam, esta não é uma decisão apenas tomada pelo governo egípcio.

Autoridades de Israel, Catar, além dos Estados Unidos e o Hamas também discutem e decidem os nomes de quem sai ou não. Desta relação, 41 são, de fato, brasileiros. O restante são familiares palestinos, o que até certo ponto vinha preocupando a diplomacia do Brasil desde que a lista estava sendo discutida.

Faz parte deste segundo grupo também uma ex-nora de um dos fundadores do Hamas. Ela é de Criciúma, Santa Catarina, e se mudou para Gaza em 2005 para se casar. Acabou se divorciando e continua na região sob forte ataque israelense há quase dois meses. Agora quer voltar ao Brasil.

Cerca de 80% das pessoas dessa lista estão em Rafah, mas na parte de Gaza que recebe o mesmo nome do trecho egípcio. Isso significa que estão bem perto da Fronteira. Os outros aproximadamente 20% estão em diferentes partes do território sitiado. Israel veio intensificando os ataques na região sul de Gaza depois de sete dias de tréguas, quando reféns e prisioneiros dos dois lados foram libertados.

Em mais de oito semanas de conflito, autoridades palestinas dizem que mais de 15.500 pessoas já foram mortas. Além de milhares de crianças, entre as vítimas estão 63 jornalistas até agora, segundo o Comitê de Proteção ao Jornalista, sendo 56 deles palestinos, 4 israelenses e 3 libaneses. Ainda de acordo com o CPJ, foram 11 jornalistas feridos, 3 estão desaparecidos e 19 foram presos cobrindo este conflito.

Esta operação diplomática, como um todo, está sendo mais complexa para o Itamaraty. O desafio logístico é maior, pois há muito mais pessoas para serem repatriadas, incluindo uma criança com hidrocefalia.

Quase 10 mil estrangeiros e palestinos com dupla nacionalidade já saíram da Faixa de Gaza pela fronteira de Rafah. Entre eles estão 32 brasileiros e parentes palestinos, lembrando que duas pessoas desistiram de sair na última hora, mesmo com seus nomes aprovados para cruzar a fronteira. A repatriação dos que integram essa segunda lista vai demandar mais esforço da enxuta equipe de diplomatas do Cairo, que deve contar com 6 pessoas envolvidas diretamente neste assunto.

Percurso
Um carro vai levar os diplomatas da capital egípcia até a fronteira, em Rafah, uma viagem de cerca de 350km que não tem durado menos de 7 horas. Há vários pontos de bloqueios militares, principalmente entre o canal de Suez e a fronteira. Assim como da outra vez, o grupo que conseguir sair agora deve ser trazido de ônibus para o Cairo e voltar para o Brasil em um avião da Força Aérea Brasileira. O Itamaraty tem até 72 horas para fazer isso, segundo exigências do governo egípcio, que cobra uma taxa de cerca de 10 dólares por cada estrangeiro que as embaixadas conseguem resgatar de Gaza.

Ao contrário da primeira operação, quando um avião da FAB passou semanas no Cairo à espera da saída do primeiro grupo, o Brasil só deve mandar um avião para o Egito desta vez quando as autoridades informarem que os brasileiros e os familiares palestinos poderão, de fato, entrar em território egípcio.

Esta semana começou com dezenas de tanques israelenses sendo vistos entrando parte sul da Faixa de Gaza, perto de Khan Younis, de acordo com agências internacionais. Espera-se que os militares israelenses comecem em breve operações por terra nesta área.

De acordo com a agência de notícias palestina WAFA, o exército israelense matou 30 palestinos em Al-Zaytoun e Al-Shujaiya, sul e leste de Gaza. Desde o início do conflito, o objetivo de Israel, que começou os ataques no norte da região, é pressionar o deslocamento interno de mais de dois milhões de palestinos para o sul, forçando o deslocamento da população para território egípcio, o que o governo do Egito até o momento diz que não aceitará, mesmo que receba alguma compensação financeira do governo de Israel em troca disso.

A presidente do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, Mirjana Spoljaric, viajou para Gaza e classificou como “intolerável” o sofrimento no território palestino. “Repito o nosso apelo urgente para que os civis sejam protegidos de acordo com as leis da guerra e para que a ajuda entre sem impedimentos”, postou no X, antigo Twitter.

Centenas de feridos já vieram para o Egito receber atendimento médico nas últimas semanas, já que quase todos os 35 hospitais de Gaza não têm condições de operar. Uma das pacientes é Rasha Elwan, que se recupera de ferimentos na perna no Hospital Geral de El-Arish, cidade a quase 50 km da fronteira. É onde também fica o aeroporto egípcio mais perto do sul de Gaza, operado pelas forças armadas locais. Na última quinta-feira, aviões vindos de Singapura, Catar e Itália desembarcaram com doações para serem levadas para a Faixa de Gaza.

Atraso na entrega de ajuda
Perto da fronteira ainda há uma imensa fila de caminhões carregados com ajuda humanitária. A reportagem conversou com alguns motoristas e voluntários que estão aguardando há mais de uma semana autorização para atravessar. Alguns disseram que preferem esperar do lado egípcio da fronteira, já que havia um congestionamento de caminhões carregados de ajuda humanitária que passaram pela fronteira, mas não tinham conseguido ainda entregar as doações.

É que com parte da estrada perto da fronteira foi danificada depois de ataques israelenses, os caminhões são forçados a percorrer um caminho maior – pelo menos 100km a mais – e os motoristas ainda precisam esperar que o exército israelense faça mais uma checagem nos veículos, o que está atrasando a entrega das doações e a entrada de mais veículos.

Ontem, a empresa palestina de telecomunicações Paltel divulgou um comunicado afirmando que os serviços de telecomunicações foram cortados na Faixa de Gaza depois de terem sido reparados. “Lamentamos anunciar que todos os serviços de telecomunicações na Faixa de Gaza foram perdidos devido ao corte das principais rotas de fibra do lado israelense”, disse a PalTel em mensagem nas redes sociais. “Gaza está… apagada de novo.”

*Opera Mundi