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O pária orgulhoso de um Brasil internacionalmente evitado

Ernesto Araújo não esconde mais o óbvio. Somos um país pária. Em seu discurso na formatura dos novos diplomatas brasileiros nesta semana, o chanceler usou manobras de retórica e meias verdades para confirmar nosso status internacional.

“É bom ser pária”, declarou.

A frase me lembrou de um encontro entre Steve Bannon e a extrema-direita francesa em 2018. “Se lhes chamarem de racistas, usem a acusação como uma medalha”, disse o americano ao grupo que tem o ódio como instrumento de política.

Desde ontem, somos oficialmente um país pária. Mas pária com orgulho. Com medalha. Araújo sabe do que fala. Há um objetivo e um método. No palco internacional, as posições adotadas pelo governo o afastaram de tradicionais parceiros e romperam consensos internacionais sobre temas que, por décadas, tinham se estabelecido como base.

Mas era isso que o governo queria: romper pilares para, então, construir um novo mundo, com base em valores ultraconservadores.

Enquanto Araújo discursava no Itamaraty, o Brasil assinava com o governo americano um pacto exatamente no sentido de consolidar uma postura internacional com fortes características ideológicas.

Mas o projeto mostrou o tamanho do isolamento. Apesar de uma forte campanha para atrair outros governos para a aliança, o Brasil foi o único sul-americano a embarcar na cruzada ultraconservadora. Na América Latina, o Haiti – completamente dependente da ajuda de Washington – foi o outro que colocou seu nome na lista.

A aliança conta com sauditas, paquistaneses, líbios, iraquianos e outros governos com fortes acusações de violações de direitos humanos e onde a liberdade é apenas um sonho para milhões de mulheres. Dos 194 países da ONU, apenas 32 aderiram ao “consenso”.

No resto do mundo, praticamente os demais aliados democráticos dos EUA se recusaram a se aliar ao projeto. Restaram apenas os governos da Hungria e Polônia, ambos duramente questionados por desmontar pilares da democracia em seus países.

Na América do Sul, a situação tampouco é de liderança. A ingerência na eleição argentina, as trapalhadas na Bolívia, a utilização do território nacional para promover os interesses americanos e a perda de espaço no debate ambiental para Ivan Duque, na Colômbia, são apenas peças de um caleidoscópio.

Na Europa, a imagem é de um país que não respeita seus engajamentos internacionais e que, de forma descarada, mente. O acordo comercial com a UE que Araújo citou em seu discurso dificilmente será aprovado pelos parlamentos nacionais, enquanto uma opinião pública hostil a tudo que vier de Bolsonaro cobrará um preço caro de seus representantes que ousem chancelar o governo.

Na OCDE, a avaliação é de um país que mina o combate à corrupção. Na ONU, pela primeira em sua era democrática, o Brasil foi alvo de uma recomendação de um relator para que um inquérito internacional seja aberto contra o país. Na OIT, denúncias se acumulam. Nos fundos soberanos, pressões são cada vez mais nítidas para que o Brasil seja evitado.

Com a China, Araújo sabe que pode elevar o tom contra Pequim. Mas uma coisa é fazer isso ao lado da maior potência nuclear do mundo. Outra é ser pária sem o apoio da Casa Branca. E, se o cenário político americano mudar nas próximas semanas, dúvidas pairam nos corredores do Itamaraty se o chanceler terá a capacidade de se reinventar.

Não por acaso, o chefe da diplomacia entrega elementos centrais do interesse nacional brasileiro, cede em tarifas e abre mão de reivindicações do setor produtivo para tentar ajudar Donald Trump ser reeleito. O que está em jogo é sua sobrevivência.

Ontem mesmo, nem bem terminado o discurso em Brasília, já surgiram comentários ácidos de que ele poderia mergulhar na carreira de poeta como opção. Afinal, em sua intervenção, ele declarou: “Modestamente, considero-me também as duas coisas, diplomata e poeta”.

De fato, o status de pária de Araújo também começa a ganhar força dentro dos muros do palácio do Itamaraty.

Por meses, não foram poucos os diplomatas que buscaram postos irrelevantes no exterior que os fizessem “desaparecer” do radar do gabinete do ministro. A ideia é de aguardar o fim desse pesadelo para, então, retornar à busca de uma carreira. Já outros optaram por “black label”. A bebida.

Mas um dos maiores atos de resistência foi feito por jovens diplomatas nesta semana. Ao escolher batizar a turma de João Cabral de Melo Neto, mandaram um recado de que a visão de mundo que impera hoje na chancelaria não será a que os guiará.

“Esta nova turma, quero crer, já nasce com os olhos abertos”, disse Araújo. Sim, e o que enxergam é um chanceler nu, dentro e fora do palácio. E não foi nem por zoom.

 

*Jamil Chade/Uoll

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