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Militar revela detalhes de como o Exército deu fim ao corpo de Rubens Paiva: ‘Fiquei calado por muito tempo’

Por Sergio Barbo, The Intercept Brasil

O assassinato de Rubens Paiva, um dos crimes mais emblemáticos da ditadura militar e que norteia a história do filme ‘Ainda Estou Aqui’, indicado ao Oscar, permanece com muitas perguntas sem resposta.

Uma delas é o que os militares fizeram com o corpo do deputado após matá-lo. Agora, uma nova revelação pode ajudar a montar um quebra-cabeça que dura mais de 50 anos.

Veterano paraquedista, o militar Valdemar Martins de Oliveira prestou serviços de busca, apreensão e espionagem para o Exército durante a década de 1970 — alguns deles sob coação, disse ele em entrevista ao Intercept Brasil.

Em alguns desses trabalhos, ele acabou testemunhando ou tomando ciência de crimes praticados pelos órgãos de segurança da ditadura. Lembranças que, segundo Valdemar, nunca o abandonaram.

Uma delas envolve o destino dado pelos militares aos restos mortais de Rubens Paiva. As versões conhecidas se alternam entre seu corpo ter sido enterrado na praia ou atirado ao mar ou num rio.

De acordo com Valdemar, Paiva foi arremessado ao mar com um peso amarrado ao corpo: “uma roda de caminhão”.

Dois de seus colegas de regimento – Jurandyr Ochsendorf e Souza e Jacy Ochsendorf e Souza – participaram da ação de ocultação do corpo em janeiro de 1971, sob ordens de Paulo Malhães, chefe da equipe. Jurandyr lhe contou que o corpo de Paiva foi levado no mesmo dia da morte por um barco da Marinha.

Meses depois, os irmãos Ochsendorf seriam agraciados com a Medalha do Pacificador, honraria igualmente concedida pelo Exército ao assassino do deputado, o tenente Antônio Fernando Hughes de Carvalho, ligado ao Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica, CISA.

“Rubens Paiva já chegou quebrado ao 1º BPE [sede do DOI-Codi/RJ], vindo do CISA. Fernando Hughes terminou o serviço”, afirma.

Hoje, ele vive em uma espécie de limbo jurídico-militar. De um lado, o Exército o taxou de ter sido desertor durante a ditadura e isso o impediu de passar para a reserva. Mas ele garante que nunca desertou e que demorou anos até descobrir que havia um termo de deserção em seu nome. E, justamente por não saber que havia sido acusado de abandonar a tropa, conta que se sentia coagido a realizar trabalhos para o Exército.

Valdemar conta que resolveu falar por não ter mais medo de ameaças à sua família e, por isso, prefere contar o que sabe. “Fiquei calado por muito tempo. Dizem que a pena máxima é 30 anos, mas estou numa prisão há 50 anos”, desabafa.

Cinco denunciados, nenhum condenado
Em 2014, o Ministério Público Federal denunciou cinco envolvidos, por formação de quadrilha armada, fraude processual, homicídio doloso e ocultação do cadáver de Rubens Paiva.

Entre eles, além de Jurandyr e Jacy Ochsendorf, Rubens Paim Sampaio, que integrou o Centro de Informações do Exército no Rio, José Antônio Nogueira Belham, ex-comandante do DOI-Codi/RJ, e Raymundo Ronaldo Campos.

Outros acusados, como Hughes, Malhães e o capitão Freddie Perdigão Pereira, que também teriam participado do crime, já haviam morrido na época da denúncia.

Até hoje, ninguém foi condenado pela morte de Paiva. Em fevereiro deste ano, o assassinato do deputado foi um dos três casos concretos analisados pelo Supremo Tribunal Federal, STF, durante a discussão se a Lei de Anistia deve valer para crimes permanentes e graves violações de direitos humanos — a Corte formou maioria para reconhecer que há repercussão geral.

Para o ex-preso político Ivan Seixas, ex-membro da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo – Rubens Paiva e consultor da Comissão Nacional da Verdade, as declarações do ex-militar são um importante resgate de informações sobre as ações repressivas do período.

“O fato de ele ter a disposição de falar tem de ser valorizado. Ele já mostrou que se opôs às mortes”, avalia. “Na Argentina não há um documento que prove nada, tudo é baseado em depoimentos, e ainda assim condenaram os culpados”.

Refutando versões oficiais de crimes
Valdemar também contou detalhes de outro crime ocorrido na ditadura. Na chamada Casa da Morte, antro secreto de tortura e extermínio em Petrópolis, no RJ, ele conta que viu a morte do cabo e agente duplo Victor Luiz Papandreu, o “Grego”.

Militante do Vanguarda Armada Revolucionária Palmares, VAR-Palmares, Papandreu havia sido preso, aceitara ser informante dos órgãos de segurança e foi morto quando os agentes consideraram que ele não tinha mais serventia.

Após ser diagnosticado com transtornos psicológicos pelo médico Amílcar Lobo, Grego foi fuzilado à queima-roupa por Rubens Paim Sampaio, também denunciado no assassinato de Rubens Paiva, em maio de 1971.

Após sua morte, o corpo de Grego foi levado para uma usina e incinerado. De acordo com o médico, Paim havia assassinado mais de dez pessoas na casa de Petrópolis.

“Grego era inteligente, não estava louco. Mas ele era um incômodo, como eu”, conta Valdemar, que garante que Paim tinha uma extensa lista de assassinatos.

Um mês antes, o paraquedista havia participado do cerco ao casal de militantes do MR-8 [o grupo Movimento Revolucionário 8 de Outubro] Mário de Souza Prata e Marilena Villas-Boas, que resultou em tiroteio e morte do major José Túlio Toja Martinez numa rua de Campo Grande, subúrbio do Rio. O presidente Médici usou o episódio para adotar a execução como política de estado.

A versão oficial descreve que Marilena alvejou o major com um revólver ao ser abordada. Valdemar sustenta que o tiro inicial foi disparado por um potente fuzil FAL, do Exército, ou seja, o oficial pode ter sido morto por “fogo amigo”. “Seria necessário fazer um exame pericial para saber que tipo de bala o atingiu”, sugere.

Ele afirma também que o motorista de táxi que transportava o casal foi pressionado, posteriormente, a declarar que o primeiro disparo foi dado por Marilena. Ela e Mário teriam sido feridos e levados para o Hospital Central do Exército.

Anos depois, soube-se pela militante Inês Etienne Romeu que Marilena foi levada para a Casa da Morte, local onde Valdemar esteve por três vezes.

“O que vocês chamam de Casa da Morte, era a casa de Mario Lodders, filho de um alemão nazista”, ele explica.

Inês também contou ter reconhecido Hughes como um dos torturadores do local. Criado a mando do ministro do Exército Orlando Geisel, o centro de tortura teria sido desativado no fim de 1973.

Ingresso no Exército e nos porões da ditadura
A trajetória de Valdemar no Exército começou em 15 de janeiro de 1968, com 17 anos, quando ingressou como soldado concursado no Núcleo de Divisão Aeroterrestre, onde hoje está o 27º Batalhão de Infantaria Paraquedista, no Rio de Janeiro.

Primeiro paraquedista de sua turma, foi cooptado já em agosto daquele ano pelo Centro de Informações do Exército, o CIE, órgão do aparato de segurança criado em 1967, subordinado ao Ministério do Exército e ao Serviço Nacional de Informação, o SNI.

Segundo ele, os paraquedistas, uma tropa de elite, eram fanatizados e treinados para a guerra. Após sua convocação, o sargento Guilherme do Rosário o apresentou ao então capitão Rubens Paim Sampaio.

Valdemar conta que Sampaio comparou sua aparência à de jovens militantes de esquerda. Ele ainda observa que não se deu conta que estava se embrenhando no submundo da vida militar. “Não sabia o que era o CIE. Simplesmente fazia o que meus superiores ordenavam”, relata.

Rubens Paim Sampaio, um dos mais ativos agentes da repressão, conhecido como “Dr. Teixeira”

O recruta teve treinamento especial no 1º Batalhão de Polícia do Exército, sede do futuro Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna, o DOI-Codi, no Rio de Janeiro.

Entre os instrutores, diz Valdemar, estavam dois oficiais estadunidenses egressos do Vietnã, que ministraram aulas sobre explosivos, fotografia, métodos de espionagem, sabotagem, interrogatório e tortura, além de temas sobre anticomunismo e ideologias de esquerda.

Dois de seus superiores estavam entre os mais ativos agentes da repressão institucionalizada: o próprio Paim Sampaio, que usava o codinome “Dr. Teixeira”, membro do CIE e oficial dos gabinetes dos generais Orlando Geisel (irmão do presidente da República) e Sylvio Frota; e o capitão Freddie Perdigão Pereira, o “Dr. Roberto”, integrante do CIE, DOI-Codi/SP, SNI e Grupo Secreto – milícia responsável por atentados a bombas a sedes de jornais, bancas de revistas, OAB/RJ e Riocentro.

Paim Sampaio e Perdigão eram chefes da Casa da Morte, cuja zeladoria era feita por um colega do grupo de paraquedismo de Valdemar: Antônio “Camarão” Waneir Lima, torturador e abusador de Inês Etienne Romeu, a única sobrevivente do local. “No quartel, ele gostava de dizer que tinha sodomizado Inês”, recorda Valdemar.

Elo entre a casa e o DOI-Codi de São Paulo, Perdigão foi um dos envolvidos no atentado à estilista Zuzu Angel, morta num acidente automobilístico em 1976.

Ele e Paim Sampaio também estiveram entre os 14 apontados pelo Ministério Público Federal, em 2014, como autores do sequestro, assassinato e ocultação do corpo do deputado Rubens Paiva.

Um terceiro chefe de Valdemar, o capitão Paulo Malhães, era um dos idealizadores da Casa de Morte, igualmente implicado no caso Rubens Paiva.

Em entrevistas, Malhães admitiu que utilizava animais para torturar presos (a famosa jiboia do DOI-Codi pertencia a ele) e que retirava arcadas dentárias e dedos dos corpos de guerrilheiros antes de jogar os cadáveres em rios.

No CIE, o soldado relata ter testemunhado até mesmo a quebra de hierarquia militar: oficiais de maiores patentes obedeciam a oficiais de menores patentes, coronéis obedeciam a capitães.

Ele assegura que o órgão estava diretamente conectado à Presidência e que suas determinações prevaleciam sobre as de outros destacamentos: “o presidente sabia tudo o que ocorria ali”, afirma.

Missões de espionagem e repressão
Após deixar o cabelo crescer e adotar trajes civis, uma de suas primeiras missões foi fotografar jovens do movimento estudantil, entre eles, João Antônio Abi-Eçab e Catarina Helena Abi-Eçab, estudantes da USP e militantes da Ação Libertadora Nacional, a ALN, suspeitos da execução do capitão estadunidense Charles Chandler em outubro de 1968.

Em seguida, Valdemar Martins participou da ação de captura que resultou em tortura e morte do casal num sítio de um coronel em São João de Meriti, no Rio de Janeiro, em novembro de 1968.

“O governo procurava os assassinos do capitão, queria os culpados, mas eu disse que o casal nada sabia”, conta.

Após discordar da violência exercida pelos agentes, Valdemar relata ter sido agredido por “Miro”, policial do DOPS, e depois afirma que passou a ser perseguido e ameaçado por seus pares.

Dias depois, segundo Valdemar, Paim Sampaio produziu um falso termo de deserção que acredita ter como objetivo lhe imputar a execução do casal, que teria sido feita por Perdigão.

O termo de deserção

“O termo foi escrito à mão numa folha de caderno. Eles queriam que eu segurasse essa bucha”, relata.

A versão oficial sobre o caso Abi-Eçab citava que o casal morrera num acidente automobilístico, cujo veículo carregava explosivos.

Os militares receavam que o recruta denunciasse os crimes – algo que ocorreria muito depois, mas sem surtir efeito perante à Justiça Militar.

Hospedado no Hotel Marialva, no bairro da Lapa, Rio de Janeiro, Valdemar partia para operações diversas na região.

Em 1970, contudo, ele se reuniu com os militares na casa de sua irmã, em São Paulo, para tratar de sua permanência no quartel do Rio de Janeiro, proposta rechaçada pelos agentes de segurança.

Valdemar afirma que, como se recusou a dar continuidade às atividades de vigilância, acabou agredido, juntamente com sua mãe e irmã – ele teve um corte profundo na cabeça e seu braço quebrado, enquanto sua irmã sofreu um aborto.

Coagido, permaneceu ligado ao CIE. “Quem entrasse, não sairia mais, então eu me fazia de besta”, afirma.

Vida na clandestinidade e retorno à caserna

Valdemar Martins executou também tarefas mais amenas e burocráticas. Mesmo sem experiência, atuou como “funcionário” e olheiro nas empresas DIMIG e SPI, onde emitia certificados de títulos mobiliários e fundos de investimento, e na fábrica de cigarros Sabratti.

Diariamente, conta ele, tinha que se apresentar no prédio do DOI-Codi em São Paulo. Por discordar dos métodos de repressão, Valdemar revela que, frequentemente, neste e em outros casos, seus relatórios omitiam informações.

Em 1972, ele foi enviado para as regiões de Marília e de Ribeirão Preto, ambas no interior de São Paulo, para se infiltrar em grupos de teatros, bares de universitários e igrejas.

Quatro anos depois, Valdemar foi avisado que estava sendo procurado por Mariel Mariscot, ex-paraquedista e notório integrante do temido Esquadrão da Morte, e teve sua casa invadida. Ao perceber que a porta seria arrombada, conta que escapou pelos fundos e pulou o muro. Mariscot seria preso em seguida.

Em meio a turbulências, partiu para o Chile, onde trabalhou numa mineradora e prestou serviços para o CIE quando requisitado. “Havia o receio de ameaças à minha família”, pontua.

No início da reabertura política, em 1979, procurou seu antigo chefe em São Paulo e Marília, Waldir Silveira Mello, que havia se tornado juiz auditor da Justiça Militar.

Porém, foi aconselhado a “sumir, pois sabia demais”. O conselho, além de outro ataque, no qual seu carro foi alvejado por tiros, o compeliram a seguir na semiclandestinidade durante as décadas seguintes, quando trabalhou em garimpos e fazendas, como boia-fria – e procurou, sem sucesso, auxílio de oficiais para resolver sua situação militar.

A sua sorte mudou em 1997. Após relatar sua condição a diversos oficiais, foi chamado para se reapresentar ao seu antigo batalhão. Munido de habeas corpus preventivo foi, 30 anos após seu ingresso nas Forças Armadas, reincorporado em 12 de março de 1998, com 47 anos de idade.

A estadia no quartel foi curta. Ele foi licenciado do serviço em 26 de julho de 1999 por ultrapassar a idade permitida para a função de soldado, sem direitos assegurados aos agentes militares – situação que persiste até hoje.

Negou-se a assinar o certificado de reservista por discordar de sua permanência no cargo de soldado.

Antes de sua saída, o capitão José Vanildo Cerqueira havia se prontificado a regularizar sua situação militar por meio de Inquérito Policial Militar, IPM, reunindo provas e documentos. Mas, em questão de um mês, o oficial foi transferido do batalhão e faleceu durante exercício na Amazônia.

Fotos e documentos desapareceram, e várias versões foram dadas para a morte do capitão. Seu substituto foi Reginaldo Vieira de Abreu, que seria indiciado na trama golpista de 8 de janeiro de 2023.

Um dos oficiais que havia articulado sua reincorporação, o general Osvaldo Pereira Gomes, propôs a ele que passasse para a reserva como sargento, contanto que esquecesse o IPM e não comentasse mais o caso.

“Os irmãos Ochsendorf já estavam como capitães a essa altura. Como não acreditava em mais nada do que falavam e insistia em uma investigação, não concordei. Fui licenciado sem mais nem menos”, diz.

Testemunhos sobre crimes e golpes
Nos anos 2000, o ex-agente começou a tornar públicas suas histórias. Em 2001, Valdemar ajudou o repórter Caco Barcellos a trazer à tona a verdadeira história por trás das mortes de João Antônio e Catarina Helena Abi-Eçab, provando que o acidente fora forjado por militares.

Conforme sua descrição, os peritos constataram que Catarina fora executada com um tiro no crânio. “Havia vestígios de chumbo em sua nuca, no local onde eu havia indicado”, revela.

O irmão de Catarina, Lula Ferreira, ex-técnico da seleção brasileira de basquete, consentiu que fosse feita a necropsia nos restos mortais. Ele considera que o ex-militar também foi uma vítima da ditadura civil-militar. “Assim como Catarina e João, ele era muito jovem na época”, disse Ferreira.

Enquanto Valdemar fornecia declarações à TV Globo, no Rio de Janeiro, sua família recebeu a visita de Paim Sampaio, seu antigo chefe no CIE, no interior de São Paulo. Seu filho, então com 12 anos, foi intimidado pelo militar.

“Por telefone, Paim me disse para tomar cuidado com o que eu falava”, revela. Ele denunciaria Freddie Perdigão como o autor do homicídio do casal somente na Comissão Nacional da Verdade.

Entre 2013 e 2014, Valdemar prestou depoimentos à comissão sobre o assassinato dos Abi-Eçab e sobre o atentado à OAB/RJ em 1980, ao fazer reconhecimento do fabricante de bombas Hilário Corrales e do sargento Magno Cantarino Mota – este, presente também no Riocentro, em 1981.

Ele acredita que seu ex-colega, o sargento Guilherme do Rosário, que carregava uma das bombas que explodiu no atentado ao Riocentro, teve sua morte planejada. Freddie Perdigão, então um tenente-coronel, comandou as duas operações.

Um inesperado reencontro com o passado ocorreu numa sessão da comissão, quando se deparou com o ex-comandante Paulo Malhães. “Ele me disse ‘aprenda como se faz’, após mentir nos depoimentos para proteger seus amigos”, afirma Valdemar.

Semanas depois, Malhães foi encontrado morto, com sinais de asfixia, em seu sítio. “Ele morreu ‘no saco’, como se diz na gíria militar, com um saco plástico envolto na cabeça.”

Tentativas de reparação
Apesar de ter sido falsamente taxado de desertor durante a ditadura militar, o que lhe acarretou problemas constantes, Valdemar continuou a realizar trabalhos para o Exército e foi mantido contra sua vontade no posto de soldado até os 49 anos – mesmo com curso de cabo –, ultrapassando a idade limite para a função.

Agora, aos 73 anos, ele ainda não conseguiu passar para a reserva. “Se eu fosse mesmo um desertor, seria excluído do serviço ativo. O Supremo Tribunal Militar reconheceu que não houve deserção de praça, pois em 1998 não encontrou a Instrução Provisória de Deserção, o IPD”, argumenta.

No entanto, seus pedidos de anulação do ato de deserção, anistia política, reintegração à reserva do Exército Brasileiro e reparação econômica não foram acolhidos pela Justiça Militar.

“Meus processos sempre caíam na mão de Edmundo Franca Oliveira, o juiz do caso do Riocentro”, conta. Nem mesmo a Comissão de Anistia os acolheu – em 2021, ele obteve um parecer favorável e outro divergente pela comissão.

Os seus ex-colegas de regimento, Antônio “Camarão” Waneir e Jacy Ochsendorf, chegaram aos postos de, respectivamente, sargento e major. Eles, ao lado do general reformado José Antônio Belham, ex-comandante do DOI-Codi/RJ, seguem livres e recebendo salários.

Valdemar tem esperança de que seu depoimento seja considerado e, com isso, mudar o curso de sua história na segunda quinzena de março, quando será realizada uma oitiva, com presença de procuradores e da Polícia Federal, na Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos – um marco importante no reconhecimento de violações cometidas durante a ditadura, restabelecido no ano passado após sua extinção por Jair Bolsonaro, um ex-paraquedista.

*Intercept Brasil

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Poucos sabem de um fato de Eunice Paiva sobre o sumiço de seu marido

Ela lutou muito tempo praticamente sozinha para saber o que havia acontecido com o deputado Rubens Paiva, seu marido, morto pela ditadura militar em 1971.

O dia 20 de janeiro de 1971 foi marcado pelo maior desespero de toda a vida de Eunice Paiva. Ela, que se tornaria uma ativista respeita e símbolo da luta por direitos humanos no Brasil, viu seu marido, o deputado cassado Rubens Paiva, ser levado de casa, no Rio de Janeiro, por agentes da Ditadura Militar (1964-1985). Era para ser, segundo esses militares à paisana, apenas um interrogatório, mas ele nunca mais voltou e seu corpo jamais foi encontrando, tornando-se símbolo da crueldade de um regime sanguinário que vilipendiou o país por 21 anos.

A luta de Eunice passou a ser amplamente divulgada por décadas, mas foi no último ano que a história foi “recuperada” e ganhou visibilidade mundial, por conta do filme Ainda Estou Aqui, dirigido por Walter Salles e estrelado por Fernanda Torres, baseado no livro com o mesmo nome de autoria do filho do casal, o escritor Marcelo Rubens Paiva. Diante de tanto reconhecimento, o longa disputa este ano três categorias do Oscar, o mais importante prêmio do cinema mundial.

O que pouca gente sabe é que, dois meses após o rapto e desaparecimento de Rubens Paiva, ainda em meio à confusão que havia tomado conta da família, Eunice escreveu uma carta diretamente endereçada ao ditador “presidente” da República, Emílio Garrastazu Médici, o mais sanguinário, reacionário e cruel dos generais a comandar o Brasil naquele período. Com Forum.

Médici, como era de se esperar, jamais respondeu a Eunice, e pouco se importou com sofrimento dela e dos cinco filhos que ela tinha com Rubens. Era óbvio que o ditador sabia o que tinha acontecido e estava de acordo com a maldade devastadora produzida por seus subordinados do regime, até porque o caso teve uma ampla repercussão no Brasil e até no exterior.

Leia abaixo a íntegra da carta que Eunice Paiva mandou para o ditador Emílio Médici:

Excelentíssimo Senhor Presidente da República
Marechal Emílio Garrastazu Médici

Há mais de um mês enviei ao Ministro da Justiça do seu governo, que é igualmente presidente do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, a carta denúncia cuja cópia junto aqui para o conhecimento direto de Vossa Excelência.

É a carta de uma mulher aflita, que viu desabar sobre sua família uma torrente de arbitrariedades e de desatinos inomináveis, e de que ainda é ainda vítima seu marido, engenheiro Rubens Beyrodt Paiva, preso por agentes da Segurança da Aeronáutica no dia 20 de Janeiro, mantido até agora incomunicável, sem que se conheça o motivo da prisão, quem efetivamente a determinou, e o local onde se encontra.

Secundamos hoje, minha sogra e eu, a mãe e a esposa, os sentimentos de minha filha Eliana, menina de 15 anos, que se dirigiu a Vossa Excelência, depois de libertada, quando eu própria me encontrava detida incomunicável no quartel da Polícia do Exército, à Rua Barão de Mesquita, nesta cidade, pelo simples fato de ser a esposa de Rubens.

Pedimos ao Chefe da Nação, a justiça que deve resultar da obediência das Leis. Ao meu marido, que é um brasileiro honrado, não pode ser recusado, num País como o nosso, cristão e civilizado, o direito fundamental da defesa. Estamos certas de que Vossa Excelência não permitirá lhe seja negado, sob pena então do desmoronamento de toda a ordem pública, o direito elementar de ser preso segundo as leis vigentes no País.

Rubens foi preso na minha presença e na dos nossos cinco filhos; foi visto por Testemunhas ao longo do dia 20 de janeiro no Quartel da 3ª Zona Aérea de onde foi transportado no fim da tarde para o Quartel da Polícia do Exército na Barão de Mesquita; sua fotografia no livro de registro do prisioneiros no referido quartel da PE eu mesma vi, ao lado da minha própria e da minha filha Eliana; sua presença nesse Quartel me foi afirmada por Oficiais das Forças Armadas que me interrogaram ao longo dos 12 dias em que estive presa, isto é até o dia 2 de fevereiro último; seu carro próprio, no qual foi conduzido prisioneiro, vi-o no pátio do mencionado Quartel e me foi devolvido como comprova o recibo anexo.

Não é possível que, mais de 60 dias decorridos, conserve-se assim desaparecida uma pessoa humana!

Recusamo-nos a acreditar no pior.

Confiamos na ação de Vossa Excelência e em meio a inquietação e angústia enormes que estamos vivendo, acreditamos que Vossa Excelência fará prevalecer a autoridade das leis do seu Governo e o respeito à justiça que enobrece as nações.

Respeitosamente,

Maria Eunice Paiva
Rio de Janeiro, 22 de março de 1971

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Ativistas protestam na casa de general acusado por assassinato de Rubens Paiva no Rio

Em 2012, o Levante já tinha realizado uma série de escrachos denunciando os torturadores da ditadura militar.

Na manhã dessa segunda (24), o Levante Popular da Juventude fez um protesto na casa do general José Antônio Belham, general reformado do exército, ex-comandante do DOI-Codi do Rio, durante a ditadura e acusado pelo Ministério Público Federal pelo assassinato do ex-deputado federal Rubens Paiva.

Em 2012, o Levante já tinha realizado uma série de escrachos denunciando os torturadores da ditadura militar e defendeu a implementação da Comissão Nacional da Verdade. Naquela época, Belham já tinha sido alvo de “escracho” junto com outros torturadores em diversas partes do país.

Este ano, com o sucesso e a repercussão do filme “Ainda estou aqui”, o movimento fez um novo protesto denunciando os crimes ocorridos durante a Ditadura e exigindo justiça para Rubens Paiva.

Além disso, o grupo relembrou o fato de Maria de Fátima Campos, esposa de Belham, ter sido assessora parlamentar do então deputado federal Jair Bolsonaro em 2003. Informação revelada por esta colunista junto com a jornalista Juliana Castro, no jornal O Globo, em 2019.

Na semana passada, o Supremo Tribunal Federal (STF), votou por 11 votos a zero para que a Corte destrave o andamento da ação penal sobre a morte do ex-deputado federal Rubens Paiva, que desapareceu em janeiro de 1971 após ter sido capturado por agentes da ditadura militar no Brasil.

*Juliana Dal Piva/ICL


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Governo Lula prepara pedido de desculpas do Estado à família de Rubens Paiva e mais 413 desaparecidos

Familiares pediram para receber as desculpas e a certidão de óbito retificada ao lado de famílias de perseguidos políticos.

O Ministério dos Direitos Humanos e a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos planejam uma cerimônia de pedido de desculpas oficial à família do ex-deputado Rubens Paiva, morto pela ditadura militar, e de mais 413 desaparecidos durante o regime.

A perspectiva é de que as solenidades sejam feitas em abril, mas as datas exatas ainda serão divulgadas. A pedido dos familiares de Rubens Paiva, eles receberão o pedido de desculpas e a certidão de óbito do parlamentar retificada ao lado de outras famílias de perseguidos políticos.

Agora, a nova versão do documento indica uma morte “não natural; violenta; causada pelo Estado brasileiro no contexto da perseguição sistemática à população identificada como dissidente política do regime ditatorial instaurado em 1964”.

Há uma expectativa de que as primeiras certidões devam ser enviadas pelos cartórios à comissão nas próximas semanas.

O Conselho Nacional de Direitos Humanos reabriu em abril de 2024 o processo que investigava o desaparecimento e morte de Rubens Paiva, que havia sido arquivado por órgão do regime militar, o chamado Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana em 1971.

Com o desarquivamento do processo, o conselho elaborou um relatório sobre o caso, com investigações e conversas com a família.

“A partir desses contatos com a família já sentíamos e percebamos a necessidade de reconhecer o erro, resultado de uma coação, como foi mostrado posteriormente”, diz André Carneiro Leão, defensor público e ex-presidente do Conselho Nacional.

De acordo com ele, o caso havia sido arquivado pelo órgão antecessor mediante coação dos militares a membros do conselho, que pressionaram pelo arquivamento.

Governo gasta R$ 140,2 mil por mês com assassinos de Rubens Paiva e seus familiares.

Governo gasta R$ 140,2 mil por mês com assassinos de Rubens Paiva e seus familiares

Gesto de Lula é mais um passo para a reparação
O pedido de desculpas é uma das ações voltadas a garantir a reparação do caso da família Rubens Paiva. A partir dessa iniciativa da relatoria do caso, o objetivo é estender essas investigações e retratações a outras vítimas.

“Desde o início quando a gente decidiu reabrir o caso, a família sempre destacou que não podia ficar só no caso do Rubens Paiva. Não deveria ser tratado com um caso único e especial, mas sim um caso representativo do que sempre aconteceu a diversas famílias.”

Na causa da morte da certidão anterior, entregue à família em 1996, constava apenas que Rubens Paiva havia desaparecido em 1971.

A mudança atende a uma determinação do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) de dezembro passado para que cartórios de registro civil lavrem ou corrijam os documentos de pessoas mortas e desaparecidas políticas.

O CNJ encaminha aos cartórios os dados necessários para a retificação, com base em informações sistematizadas pela Comissão de Mortos e Desaparecidos. Após o recebimento dessas informações, os cartórios têm o prazo de 30 dias para lavrar os novos assentos e certidões de óbito.

Concluída essa etapa, os cartórios devem remeter as certidões retificadas à comissão que, por sua vez, organizará a entrega dos documentos às famílias em cerimônias solenes, podendo haver pedidos de desculpas e outras homenagens.

As famílias que quiserem receber as certidões de óbito retificadas devem entrar em contato com a comissão informando o local onde elas gostariam que fossem entregues. Para tal, a orientação é responder a um formulário disponível no site do ministério. A partir daí, é feito o cronograma de entrega das certidões.

A história da família Rubens Paiva ganhou maior repercussão após ter sido retratada no filme “Ainda estou aqui”, dirigido por Walter Salles, que rendeu três indicações ao Oscar: melhor filme, melhor filme estrangeiro e melhor atriz para Fernanda Torres no papel de Eunice Paiva.

Com o impacto da produção, o governo Lula sancionou no início deste mês o Prêmio Eunice Paiva de Defesa da Democracia, destinado a personalidades de destaque na área.

A viúva de Rubens Paiva, que dá nome à premiação, se tornou advogada e ativista pelos direitos humanos após a morte do deputado. Eunice Paiva morreu em 2018, aos 89 anos. Com ICL

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General acusado por morte de Rubens Paiva mentiu em depoimento

General do Exército acusado pela morte de Rubens Paiva afirmou que estava de férias durante assassinato, mas documentos desmentem versão.

Em meados de janeiro de 1971, José Antônio Nogueira Belham tirou férias para descansar de seu período à frente do DOI-Codi do 1º Exército, no Rio de Janeiro. Foi esse argumento usado pelo general, em 2013, para tentar se desvencilhar do assassinato de Rubens Paiva durante as investigações conduzidas pela Comissão Nacional da Verdade (CNV). No entanto, documentos e testemunhas desmentiram a versão apresentada pelo oficial das Forças Armadas.

Entenda o caso:

José Antônio Nogueira Belham, um oficial do Exército, foi apontado como um dos autores do assassinato do ex-deputado Rubens Beyrodt Paiva

Belham alegou que estava de férias no dia da morte de Paiva, mas documentos mostraram que ele fez deslocamentos sigilosos no dia em que político foi preso

No relatório da CNV, general é ligado a 19 e mortes durante a ditadura militar.

Oficial continua recebendo uma remuneração de R$ 35.991,46 e aparece a patente de marechal.

Em 2014, o Ministério Público Federal (MPF) denunciou Belham e outros quatro militares pelo crime, mas o processo aguarda análise sobre a aplicação da Lei da Anistia para avançar

O general alegou que não estava no seu destacamento no dia 21 de janeiro de 1971, suposto dia da morte de Rubens Paiva, e que não teve envolvimento com os crimes ocorridos no local. Em contrapartida, a folha de alterações funcionais de José Antônio Nogueira Belham, obtida pelo CNV, identificou que o militar fez deslocamentos sigilosos com saque de diárias nos dias 2, 5, 8, 11, 14, 17, 20, 23, 26 e 29 de janeiro daquele ano.

Vale ressaltar que em 20 de janeiro de 1971, um dos dias em que o oficial interrompeu as férias para fazer deslocamento sigiloso, é a data em que o ex-deputado federal foi levado para o DOI-Codi do 1º Exército. Quando o político chegou até o destacamento, foi elaborado um termo descrevendo os objetos pessoais que ficariam apreendidos no local durante a prisão.

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Mulher de general acusado de matar o Deputado Rubens Paiva foi assessora de Bolsonaro

José Antônio Nogueira Belham responde por homicídio doloso qualificado, ocultação de cadáver, quadrilha armada e fraude processual no caso do desaparecimento do deputado federal, em 197.

Ao longo do ano de 2003, quando era deputado federal, o presidente Jair Bolsonaro nomeou em seu gabinete na Câmara, como assessora parlamentar, Maria de Fátima Campos Belham. Professora do Colégio Militar de Brasília até a aposentadoria, em 2013, ela é mulher do general reformado do Exército José Antônio Nogueira Belham. O general foi um dos quadros mais importantes do Exército nas ações de repressão durante a ditadura militar, chefiou o DOI (Destacamento de Operações de Informação) quando o deputado federal Rubens Paiva foi assassinado e se tornou réu pelo crime.

Segundo a Câmara, Maria de Fátima foi cedida pelo Ministério da Defesa ao gabinete do então deputado federal. Procurada, ela disse que não tinha “nada a declarar”.

Comandante do Destacamento de Operações de Informação (DOI) no auge das prisões e torturas aos opositores do regime, em 1971, Belham também integrou o Centro de Informações do Exército (CIE), núcleo de inteligência ligado ao gabinete do ministro do Exército que, na época, era Orlando Geisel. Desses anos, carrega o processo que se tornou histórico na Justiça brasileira:responde por homicídio doloso qualificado, ocultação de cadáver, quadrilha armada e fraude processual no caso do desaparecimento do deputado federal Rubens Paiva.

O processo, aberto em 2014, contra ele e os militares Rubens Paim Sampaio, Raymundo Ronaldo Campos, Jurandyr Ochsendorf e Souza e Jacy Ochsendorf e Souza, se constituiu no primeiro caso de homicídio no Judiciário brasileiro contra militares por crimes cometidos na ditadura. E a denúncia feita contra o general tem como pilar de acusação depoimentos obtidos por outros militares que eram seus subordinados naquele tempo.

Quando Belham foi convocado a depor pela Comissão Nacional da Verdade em 2014, Bolsonaro saiu em sua defesa e declarou ao jornal Folha de S.Paulo na ocasião: “o apelo que eu faço é para que o general possa falar o que ele bem entender e não fique preso só ao Rubens Paiva”.

Segundo o relato de Chico Paiva, neto do deputado, em 2014, durante a inauguração de um busto de Rubens Paiva na Câmara dos Deputados, Bolsonaro saiu gritando em direção à família do deputado e disse: “Rubens Paiva teve o que mereceu, comunista desgraçado, vagabundo!” Ele acrescentou que o então deputado também cuspiu no busto.

O caso

Rubens Paiva era deputado federal pelo PTB, mesmo partido do presidente João Goulart, mas foi cassado logo nos primeiros dias após o golpe militar. Após um curto período no exílio, ele voltou ao Brasil e voltou a atuar na engenharia, sua formação profissional. A perseguição a ele, porém, não cessou. No dia 20 de janeiro de 1971, ele foi preso em casa por agentes do Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica (Cisa). Horas depois, o deputado foi entregue ao Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), no Rio, onde foi torturado até a morte. No dia seguinte, 21 de janeiro, Eunice Paiva, mulher do deputado, e sua filha Eliana, então com 15 anos, também foram levadas para o DOI para interrogatório.

O que ocorreu nas horas em que Paiva esteve no DOI-Codi foi denunciado pelo coronel da reserva Armando Avólio Filho – integrante, à época, do Pelotão de Investigações Criminais da Polícia do Exército (PIC-PE). Ele contou que viu, por uma porta aberta, o ex-deputado sendo torturado pelo então tenente Antônio Carlos Hughes de Carvalho e levou o fato ao comandante do DOI-I, o então major Belham.

Ao MPF, Avólio relatou que “ao dirigir-me para fechá-la (a porta), deparei com um interrogador do DOI, de nome Hughes (…), no seu interior, utilizando-se de empurrões, gritos e ameaças contra um homem que aparentava já ter uma certa idade. Reparei, na fisionomia desta pessoa, um ar de profundo esgotamento físico”. Logo depois, decidiu comunicar o comandante, Belham, sobre a situação.”Eu disse, major, é bom o senhor dar uma chegada lá na sala de interrogatório porque aquilo lá não vai terminar bem. Ele ficou olhando para mim… é o Hughes que está lá”, completou. A versão de Avólio foi referendada em uma carta deixada pelo coronel Ronaldo José Baptista de Leão, ex-chefe do PIC morto no ano passado. Hughes também já morreu.

Como existiam diversas testemunhas de sua prisão, uma farsa foi montada para ocultar o corpo de Rubens Paiva. Três militares foram instados a ir até um ponto no Alto da Boa Vista, na zona norte do Rio, e a atear fogo em um carro para forjar que tivessem sido atacados. Assim, por anos, a versão oficial da ditadura foi de que, ao ser transportado por agentes do DOI, os militares entraram em confronto com um grupo de esquerda e, na confusão, Paiva havia conseguido fugir.

Ao longo dos trabalhos da Comissão da Verdade do Rio de Janeiro, os pesquisadores obtiveram o depoimento do general reformado Raymundo Ronaldo Campos, que confessou a farsa. Raymundo, era capitão, e conduzia o veículo supostamente atacado. Também estavam no carro os sargentos e irmãos Jacy e Jurandir Ochsendorf.

No depoimento, Campos disse que “em dado momento, sem se lembrar da hora exata, o chefe do setor de operações que estava de plantão o Major Francisco Demiurgo Santos Cardoso, o chamou e disse, ‘olha, você vai pegar o carro, levar em um ponto bem distante daqui, vai tocar fogo no carro para dizer que o carro foi interceptado por terroristas e vem para cá’. Que chegou a questionar seu superior perguntando “ué, por quê?” tendo ouvido como resposta que era “para justificar o desaparecimento dum prisioneiro”.

Belham também chefiou agentes responsáveis por mortes na ditadura. Militares como o tenente-coronel Paulo Malhães. Em entrevistas aos jornais O Dia e O Globo, em 2014, Malhães contou ter feito uma operação, em 1973, a mando de Belham para desenterrar o corpo de Rubens Paiva de um ponto da praia do Recreio, na zona oeste do Rio. Em seguida, ocultou outra vez os restos mortais. Depois da repercussão do caso, ele retirou as declarações e morreu durante um assalto um mês depois das entrevistas.

Malhães também ficou conhecido por admitir que ocultava cadáveres e retirava arcadas dentárias e dedos dos corpos de guerrilheiros antes de jogar os corpos em rios. Assim, os opositores se tornaram desaparecidos políticos após terem sido levados para um cárcere clandestino conhecido “Casa da Morte”, em Petrópolis na região Serrana do Rio.

Avólio, Malhães, Campos e Leão também foram ouvidos pela Comissão Nacional da Verdade e seus depoimentos constam do relatório final do grupo entregue no fim de 2014.

A denúncia contra Belham e outros quatro militares feita pelo MPF em 2014, foi aceita em primeira e segunda instância. Os réus, porém, entraram com uma reclamação no Supremo Tribunal Federal (STF), em setembro de 2014, pedindo a suspensão do processo, alegando que a decisão da primeira instância afrontava a autoridade da Corte, que decidiu pela validade da Lei da Anistia. O MPF alega que o crime de desaparecimento forçado, caso do deputado, constitui crime de lesa-humanidade e, por isso, não passível de anistia. Na ocasião, o ministro Teori Zavascki trancou o caso temporariamente para discutir o mérito posteriormente.

Com a morte do ministro, ocorreu um equívoco e os autos foram arquivados em abril de 2017 até que, em janeiro do ano passado, ao se dar conta do erro, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu para que a reclamação continuasse em tramitação e fosse para as mãos do ministro Alexandre de Moraes, que herdou os processos de Zavascki, morto em um acidente aéreo em janeiro de 2017.

Em novembro do ano passado, Moraes estendeu os efeitos da liminar concedida aos cinco militares acusados de envolvimento na morte de Rubens Paiva ao médico Ricardo Agnese Fayad, general reformado do Exército, denunciado pelo crime de lesão corporal qualificada cometido durante a ditadura militar contra Espedito de Freitas, membro da organização política denominada Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). O ministro suspendeu o trâmite do processo em curso na 8ª Vara Federal do Rio de Janeiro contra o médico.

O Palácio do Planalto afirmou que não comentaria a reportagem. ÉPOCA procurou também e o general Belham, mas não obteve retorno até o momento.
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*Da Época