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Raul Velloso: teto de gastos acabou e mercado age com ‘burrice’ ante Lula

Considerado um dos maiores especialistas brasileiros em contas públicas, o economista Raul Velloso avalia que o teto de gastos, centro das discussões sobre a disciplina fiscal do novo governo do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, não passou de um “sonho de uma noite de verão”, “nasceu morto” e “acabou”. Enquanto o governo de transição negocia com o Congresso a tramitação de uma PEC que garanta o pagamento de 600 reais do Bolsa Família fora do teto durante todo o governo do petista, a um custo de 175 bilhões de reais, Velloso afirmou em entrevista a VEJA que as reações do mercado ante os primeiros sinais de Lula, baseadas meramente no apego à regra fiscal, beiram a “burrice”.

Doutor em economia pela Universidade de Yale, secretário de assuntos econômicos do Ministério do Planejamento no governo José Sarney (1985-1990) e secretário nacional-adjunto na gestão Fernando Collor (1990-1992), atualmente presidente do Instituto Nacional de Altos Estudos (Inae), o consultor econômico vê o colega André Lara Resende, integrante do governo de transição, como peça-chave de uma nova política fiscal sob Lula: “Vai jogar um balde de água fria na Faria Lima”. Leia abaixo:

O senhor já tinha visto situação semelhante à atual, em que um presidente eleito é praticamente tratado como já empossado, enquanto o atual desaparece? É a história de rei morto, rei posto. Para mim está dentro do esperado, não conheço nenhum caso diferente. Aí, realmente, o melhor que o presidente que sai faz é não criar confusão nem dar trabalho a quem está entrando. Aparentemente Bolsonaro desapareceu do mapa, ainda que seus seguidores estejam por aí fazendo barulho até em Nova York. Lula deve ter percebido que, se ele não se adiantasse e começasse a tomar conta das coisas, iam fomentar reações, como a de militares. Na hora em que ele se movimenta, todo mundo apoia e começam a aparecer as pessoas que estão sendo anexadas ao grupo de transição, há um efeito de anular as gestões e tentativas grotescas do bolsonarismo.

Como vê a indefinição de Lula quanto ao Ministério da Fazenda, enquanto se discute a PEC da Transição? Lula está certo. No dia em que ele define, a coisa degringola, tudo passa a acontecer e girar em torno dessa escolha. Eu só anunciaria no primeiro dia do ano que vem, mas ele não conseguirá fazer isso. Sobre a PEC da Transição, ela deveria se chamar PEC da Reorganização Orçamentária, de colocar no lugar coisas que tinham caído. Não importa que cumpra ou não teto, a Faria Lima vai ter de conviver com isso.

As reações do mercado aos sinais de Lula, ou à falta deles, são exageradas? Lula precisava dar algum sinal à Faria Lima, que é o cúmulo da teimosia, para não dizer da burrice. Ele colocou Geraldo Alckmin, um dos nomes do núcleo duro de Fernando Henrique Cardoso, e dois economistas que estiveram no governo em posições muito importantes, mesmo assim a Faria Lima quer ver o teto. Aí eu vou mais para o lado da burrice. Não acredito como as assessorias desse pessoal não estão dizendo que o teto nasceu morto, que ele não existe, é só um sonho de uma noite de verão.

Por quê? O orçamento público, o grosso dele, são itens que vão crescer de todo modo: Previdência, assistência social e pessoal. Se há uma situação assim e não se quer zerar rapidamente as despesas discricionárias, você tem de aceitar que não vai ter teto, a não ser por pouco tempo. Tanto é que o governo Bolsonaro tem quatro furadas no teto. Ainda hoje todo mundo acha que o teto existe e fica cobrando, é o que a Faria Lima faz. Não adiantou botar Alckmin, Persio Arida e André Lara Resende ao lado do Lula. Nunca é o bastante, e aí acho que tem a ver com burrice.

Não é importante algum limite aos gastos públicos para evitar reflexos como a inflação? O ponto que ainda não foi tratado é a percepção de que se pode gastar muito mais que o teto, sem problema para a inflação. Essas percepções mudaram. Aqui é que as pessoas que não acompanham isso com lupa estão ignorando, mas é discussão rotineira nos círculos que atuam entre universidades top americanas e organizações multilaterais, como o FMI. Os

estrangeiros não estão mais rezando nessa Bíblia, mas essa discussão ainda não está posta aqui. Tem uma pessoa ao lado de Lula que foi a que mais brilhou nesse assunto nos últimos anos: André Lara Resende. Uma hora ele vai falar, vai trazer uma nova percepção e jogar um balde de água fria na Faria Lima. Uma hora isso vai ser falado e aí se terá outra discussão. Isso favorece Lula, porque é muito coerente com o que ele defende.

Quais as principais tarefas do novo governo? Há necessidade de retomada dos investimentos. Sem investimentos não há crescimento do PIB, sem crescimento do PIB, onde se vai colocar esse povo que procura emprego todo dia? Não é só botar os pobres no orçamento, tem de retomar a prática de investir para o país crescer. Se olharmos o investimento em infraestrutura, do final dos anos 1980 para cá ele caiu nove vezes. Como o país pode voltar a funcionar sem a retomada de investimento em infraestrutura? Lula está dizendo que vai cuidar dos pobres e da retomada do crescimento da economia. Isso vai conviver com o teto? Se antes não convivia, agora, com ainda mais razão, não vai conviver. O teto acabou.

*Com Veja

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