O governo brasileiro optou pela menor cobertura possível na aliança mundial de vacinas, a Covax. A iniciativa dava a possibilidade para que governos fizessem uma solicitação de vacinas que poderia atender de 10% a 50% da população dos países. Mas o Brasil optou por solicitar a menor taxa de cobertura permitida, de 10% dos brasileiros.
A coluna questionou o Ministério da Saúde sobre o motivo pelo qual a taxa mínima de cobertura havia sido escolhida. Segundo a pasta, existiria a possibilidade de que mais vacinas sejam adquiridas. “O ministério optou por assegurar o mínimo de 10%, mas é importante ressaltar que, conforme previsto no contrato de adesão, a pasta pode adquirir mais vacinas junto aos laboratórios que integram a aliança”, disse o Ministério.
A coluna apurou, em Genebra, que não há nem uma previsão e nem uma avaliação sobre qual poderia ser a demanda extra do governo. Além disso, a Covax terá de, primeiro, atender aos demais contratos já assinados, antes de eventualmente abastecer um novo e eventual pedido do Brasil.
Lançada em abril, a aliança foi estabelecida como uma forma de garantir que os países em desenvolvimento pudessem ter acesso às vacinas e que os produtos não ficassem apenas nas mãos dos países ricos. Em média, governos têm solicitado uma cobertura que varia entre 17% e 20% de suas populações.
Inicialmente, o governo brasileiro sequer havia sido informado da primeira reunião da iniciativa. Naquele momento, o Ministério da Saúde explicou à coluna que tinha “outros acordos” em vista, sem dar qualquer tipo de explicação.
Nos bastidores, senadores e deputados ainda questionaram o Itamaraty sobre a ausência do país no acordo. Semanas depois, sem alarde, o Itamaraty enviou uma carta aos organizadores do consórcio solicitação a adesão ao projeto.
Mas fontes em Brasília confirmam à coluna que a preferência do governo sempre foi por acordos bilaterais com empresas. A aposta do governo era de que, pela via bilateral, o Brasil teria mais sucesso, preços mais baixos e eventuais transferências de tecnologia.
A decisão, portanto, foi a de aderir ao mecanismo global com uma participação mínima e mantendo todas as flexibilidades possíveis.
Em setembro, depois de semanas de indefinição e até uma sinalização de adiamento do processo, Brasília acabou fechando um acordo com a Covax pela qual faria uma opção de compra de 42 milhões de doses, suficientes para 10% da população brasileira.
Fontes no governo confirmam que, num primeiro momento, chegou-se a pensar na possibilidade de uma reserva para 20% da população. Mas a decisão final foi pela taxa mais baixa possível, de 10%.
Um depósito inicial foi realizado em outubro. Mas o pagamento final ficaria na dependência de um acordo de preços no futuro. Desta forma, o governo garantiria algum colchão. Mas não minaria sua estratégia de chegar a um abastecimento mais amplo pela via bilateral.
Mas o ano de 2020 está terminando com o governo federal com apenas um acordo com a Oxford, enquanto outros países multiplicaram suas apostas em negócios fechados ou pelo menos iniciados com diferentes multinacionais. Na noite de segunda-feira, o governo ainda anunciou que está em negociações com a Pfizer, para uma eventual 70 entrega de milhões de doses.
Natalia Pasternak, do Instituto Questão de Ciência, aponta que de fato o acordo com a Oxford é positivo e que a vacina produzida trouxe resultados importantes em seus testes clínicos. Mas teme que o Brasil tenha colocado todas suas apostas em um número limitado de opções. Para ela, ainda existe um risco real de um atraso na entrega das vacinas. “Não sabemos ainda quando teremos as doses”, afirmou.
Flexibilidade
O projeto internacional, liderado pela OMS e instituições como Gavi, também dava suas opções aos governos na assinatura do contrato. A primeira se refere a um compromisso fixo de compra. Ao assinar o protocolo, o país se responsabilizava por adquirir as vacinas solicitadas.
Mas o Brasil optou por uma segunda opção, com maior flexibilidade. A ideia é de que o governo, numa primeira leva de vacinas oferecidas pela aliança, terá a possibilidade de dizer que abre mão do produto. A lógica é de permitir que, se o primeiro lote for de uma empresa com a qual o Brasil já tem um acordo ou se a vacina não interessar por dificuldade de logística ou preço, o país poderia não se comprometer em comprá-la.
A opção também permite abrir mão do produto caso a primeira leva de doses for de uma empresa cuja vacina ainda não tenha sido aprovada pela Anvisa.
Mas, se abrir mão, o país sofre consequências. Nesse caso, o acordo prevê que, numa segunda rodada de distribuição de vacinas pela mesma aliança, o Brasil não teria prioridade na compra.
De acordo com a nota, o governo “firmou contrato de adesão ao mecanismo COVAX Facility em setembro, para garantir o possível acesso adicional a 42,5 milhões de doses, de modo a assegurar a opção de compra para cobertura de 10% da população brasileira, com duas doses, e também com o intuito de auxiliar no cofinanciamento do desenvolvimento da vacina e ao seu acesso, de modo a mitigar a competitividade e os altos preços na corrida pela vacina por parte dos países mais ricos, assim como os riscos decorrentes do desenvolvimento de uma vacina, devido à participação de mais de nove laboratórios”.
O governo ainda explicou que “foi escolhida a opção de adesão que possibilitasse adquirir a vacina que viesse a ser registrada na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), trazendo maior vantajosidade à população brasileira”.
Nos bastidores, os organizadores tentam organizar uma espécie de banco de troca de vacinas para permitir que governos possam obter o melhor resultado para seu acordo. Mas o mecanismo ainda não foi fechado.
*Jamil Chade/Uol
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