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Bolsonaro diz que indicará para o STF um ministro “terrivelmente evangélico”

O presidente Jair Bolsonaro foi à Câmara dos Deputados e participou de um culto evangélico numa das casas do Poder Legislativo. Procede? Tanto quanto procede organizar uma sessão deliberativa da Câmara num templo evangélico — ou de qualquer outra religião. Ali, ele fez uma promessa: disse que vai nomear para uma vaga no Supremo um ministro “terrivelmente evangélico”.

Bolsonaro tinha muitos advérbios à mão para modificar o adjetivo “evangélico”. Cito alguns que integram o paradigma ligado à força e à convicção: “profundamente”, “convictamente”, “serenamente”, “inquestionavelmente” e, até, sob certo sentido, “generosamente”. Só é generoso quem é forte. A mesquinharia é apanágio dos fracos — nem que seja de espírito.

Mas estamos falando de Bolsonaro, não é? Não por acaso, a sua divisa é “João 8;32”: “Conhecereis a verdade, e ela vos libertará”. João é também aquele do Apocalipse. Assim, ao anunciar que vai nomear um ministro para o Supremo dessa corrente do cristianismo, ele não fez por menos: afirmou que será alguém “terrivelmente evangélico”.

“Terrivelmente” é o advérbio de modo do adjetivo “terrível”, que tem origem na palavra latina “terribilis”, que quer dizer “pavoroso, medonho, horrendo”. Também em português, “terrível” quer dizer “aquele que infunde ou causa terror; assustador, temível”, que “produz resultados funestos”, “muito ruim, de má qualidade, péssimo”. Por associação de ideias, designa também o “invencível”, o “ameaçador”. Pode até haver algum sentido positivo para a palavra, mas, ainda assim, ligado à ameaça: “Cristiano Ronaldo é um atacante terrível”. Ao empregar essa palavra, seus admiradores o imaginam a destruir os adversários.

Dissesse um “nomearei um evangélico”, e a impropriedade já estaria dada. E não em razão da religião do escolhido, mas da suposição de que a convicção religiosa tomará o lugar dos postulados do direito. Mas ele não quer apenas um evangélico. Imagina o seu escolhido não com a toga do equilíbrio, que é o sentido da Justiça, mas com a espada do anjo vingador contra os adversários. E os vingadores sempre são terríveis porque querem causar terror, assustar, infundir medo. E por que seria assim? Porque também o Brasil seria, segundo o presidente, “é laico, mas é terrivelmente cristão”.

ata-se de uma lição aprendida pelo avesso. A frase certa é outra. O Brasil é laico, mas não é oficialmente ateu — e isso quer dizer que não combate ou repudia a religião como política de estado. Afirmar que o “Brasil é laico, mas profundamente cristão” é só um paradoxo que apela ao absurdo.

Em qualquer circunstância, o adjetivo “terrível” não cabe a Cristo. Quando menos porque está na origem da religião dos gentios: não havia precondição para aderir a seus postulados a não ser a conversão. E tal conversão como ato de vontade. Os homens que se apoderaram do cristianismo e que falaram em seu nome foram, com frequência, terríveis. Mas Cristo nunca. Há católicos, protestantes tradicionais e evangélicos pentecostais que são, com efeito, “terrivelmente cristãos” — o que é certamente uma deformação da mensagem atribuída ao Messias.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) não estava presente. Segundo Bolsonaro, o deputado lhe telefonou e afirmou que estava cansado em razão da maratona da sessão da Câmara, que havia avançado madrugada adentro. Bolsonaro, no entanto, o chamou de “nosso general” na Casa, referindo-se a seu papel na reforma. Também uma conversa indevida. O governo atrapalhou a reforma, em vez de ajudar.

Um dos oradores da turma foi Onyx Lorenzoni, hoje, na prática, um ministro sem pasta. Não é exatamente conhecido por seu senso de adequação. Foi um dos oradores: “Aqui, entre nós, está o escolhido, Jair Messias Bolsonaro, um homem simples. Hoje vivemos em um Brasil sem medo e hoje teremos uma grande vitória no plenário da Câmara dos Deputados para começar a transformar o Brasil”.

A palavra “o escolhido”, que fique claro, não se referia à vontade do povo, mas à suposta vontade de Deus. Onyx estava sugerindo que o “Jair Messias” é o nosso Messias… E isso, meus caros, é terrivelmente anticristão. Na verdade, trata-se de uma heresia.

 

*Por Reinado Azevedo

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