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Cada vez mais isolado, governo Bolsonaro fica de fora de comitês para reformar a OMS

Nenhum brasileiro fará parte do processo de reavaliação da Organização Mundial da Saúde (OMS), uma das bandeiras do Itamaraty nos últimos meses. A entidade criou dois grupos diferentes de técnicos e especialistas para examinar e investigar a organização e sua resposta à pandemia. Mas, apesar de vários latino-americanos escolhidos para o processo, nenhum brasileiro foi selecionado.

Nesta terça-feira, um comitê de técnicos se reunirá pela primeira vez para começar a pensar na reforma do sistema de declaração de emergência global. Para o trabalho, 24 pessoas foram escolhidas. Nenhum brasileiro. Pela América Latina, o representante é uma chilena. O grupo também conta com especialistas da Noruega, Omã, Maldivas, Quênia, Irã, Espanha e Tunísia.

Mas não faltam os técnicos das principais potências: EUA, China, Alemanha, Rússia, Japão e Índia.

Oficialmente, cada integrante atua de forma independente e não representa governos. Mas a escolha desses técnicos respeita uma lógica da influência de países e, segundo experientes diplomatas, é um reflexo do prestígio de sanitaristas dentro dos governos.

Deisy Ventura, coordenadora do doutorado em Saúde Global e Sustentabilidade da USP, aponta que brasileiros fizeram parte de processos no passado sobre a revisão do regulamento sanitário internacional e das próprias reflexões sobre a OMS. O ex-secretário-geral da ONU, Ban Ki Moon, por exemplo, escolheu Celso Amorim para uma dessas funções, enquanto outros nomes do país estiveram em diferentes iniciativas.

“O Brasil teve um papel sempre importante no sentido de participar dos mecanismos de reavaliação da OMS”, disse. Segundo ela, isso era reflexo da qualidade técnica de seus sanitaristas e do fato de o Brasil apostar no multilateralismo. Hoje, diz a especialista, a ausência do Brasil nos mecanismos da OMS revela o “hiato” entre a expertise em saúde pública e o estado brasileiro.

“Nunca o estado brasileiro esteve tão divorciado da expertise na área de saúde pública”, afirmou. Em sua avaliação, o governo não busca resposta na ciência e a ataca quando ela não compartilha de sua opinião.

Diante desse comportamento do governo diante da ciência e do papel da saúde pública, portanto, não é de se surpreender a opção dos organismos internacionais por evitar nomes associados ao Brasil.

No caso do comitê que começará a trabalhar nesta terça-feira, um dos objetivos é o de avaliar o sistema de declaração de emergência e o Regulamento Sanitário Internacional, justamente o mecanismo que permite a troca de informações e ações entre governos diante de uma pandemia.

A queixa é de que a OMS teria demorado para acionar o sistema de emergência, o que ocorreu apenas no final de janeiro. A agência se defende, alertando que quando o fez, existiam menos de cem casos fora da China e nenhum morto. Uma das propostas sob debate será o estabelecimento de uma graduação para a declaração de uma emergência, nos moldes de uma escala de terremotos ou de furacões.

Dentro da OMS, fontes do alto escalão admitem à coluna que há um ambiente pouco propício neste momento para uma relação mais forte entre Brasília e Genebra. De acordo com negociadores, houve uma tentativa clara da OMS em não criticar o Brasil publicamente e de buscar caminhos para trabalhar em conjunto. Mas a queixa é de que, do lado brasileiro, os ataques continuaram.

Numa reunião do G-20 da qual participava o diretor-geral da OMS, Tedros Ghebreyesus, o chanceler Ernesto Araújo questionou no final da semana passada as entidades internacionais por defender uma resposta “apenas sanitária” para a crise. Ele também criticou os organismos que “demonizaram líderes que ousaram em falar das dimensões sociais e econômicas”.

Araújo ainda indicou que essas entidades “fracassaram” em lidar com a renda das pessoas e criticou abertamente o multilateralismo. Para completar, o chanceler usou seus minutos no G-20 para defender a cloroquina e lamentar que ela tenha sido “politizada”. Na OMS, testes foram realizados por meses sobre o produto e o resultado final foi a constatação de que o remédio não é recomendado.

O distanciamento entre a OMS e o Brasil ficou ainda claro quando, na semana passada, o ex-ministro da Saúde Nelson Teich não foi escolhido para fazer parte de uma comissão que irá investigar a resposta da agência diante da pandemia no novo coronavírus.

“Seria um grande constrangimento se ele tivesse sido escolhido”, disse Deisy Ventura. Com uma das piores respostas do mundo à crise, o Brasil poderia buscar que a avaliação fosse mais indulgente ao examinar a forma pela qual o governo agiu.

Para Paulo Buss, professor emérito da Fundação Oswaldo Cruz e com ampla experiência na OMS, a ausência do Brasil nessas comissões é “natural” diante de suas omissões diante das recomendações das entidades internacionais. “É natural que os países que se negavam a discutir com seriedade as recomendações fiquem de fora”, apontou.

Em Genebra, ainda assim, o veto foi considerado como uma derrota para a diplomacia brasileira, que esperava colocar o especialista na iniciativa e chegou a fazer campanha nos bastidores para que seu nome fosse aprovado.

A “candidatura” do nome escolhido por Jair Bolsonaro estava sendo interpretada como uma espécie de teste da relação entre a comunidade internacional no setor de saúde e o governo em Brasília.

No lugar dele estará Mauricio Cárdenas, ex-ministro de Finanças da Colômbia, além de Ernesto Zedillo, ex-presidente do México. Nomes da China, Índia e África do Sul farão parte da iniciativa.

Uma investigação sobre o comportamento da OMS (Organização Mundial da Saúde) diante da pandemia foi uma das exigências dos governo dos Estados Unidos. A Casa Branca insistiu que a agência falhou em alertar ao mundo e que sofreu pressões da China para não declarar uma emergência global mais cedo.

 

*Jamil Chade/Uol

 

Por Celeste Silveira

Produtora cultural

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