A interferência do Executivo na luta contra a corrupção e em órgãos de estado complica a situação do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). A entidade é objetivo central da política externa brasileira. Mas vem criticando desde 2019 o comportamento do governo nos compromissos de garantir uma independência da Justiça no combate contra a corrupção.
Agora, a revelação de um suposto envolvimento da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) na defesa do senador Flávio Bolsonaro deve ampliar as dúvidas sobre o governo e exigirá um esforço maior das instituições para demonstrar no palco internacional que estão agindo sem interferências do pai do senador. Na semana passada, a revista Época revelou que a Abin encaminhou por escrito, à defesa do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), orientações para tentar inocentá-lo no caso das “rachadinhas”. O parlamentar foi denunciado por peculato, organização criminosa e lavagem de dinheiro.
GSI (Gabinete de Segurança Institucional) negou que a Abin tenha sido usada. Nota divulgada, o GSI aponta que as “acusações são desprovidas de veracidade, se valem de falsas narrativas e abordam supostos documentos, que não foram produzidos pela Agência Brasileira de Inteligência”. O gabinete ainda acusa a reportagem de tentar “difamar o GSI, a Abin e seus servidores”.
Apesar disso, a Procuradoria-Geral da República (PGR) anunciou que vai apurar a informação e sobre uma possível interferência nas investigações. Há poucos meses, a revista noticiou uma reunião ocorrida entre o presidente Bolsonaro, o chefe do GSI, ministro Augusto Heleno, o diretor da Abin, Alexandre Ramagem, e advogados de Flávio. O GSI também nega a existência de tal encontro.
O caso, porém, não é uma boa notícia para o Brasil em seus planos no exterior e chamou a atenção de diplomatas estrangeiros que circulam pela sede da entidade, em Paris.
No início do ano, a coluna publicou com exclusividade um rascunho do informe da OCDE sobre o Brasil e revelava que existe uma preocupação real sobre a interferência do presidente Jair Bolsonaro sobre instituições que deveriam manter sua autonomia para lutar contra a corrupção.
O texto final do informe será publicado nesta quarta-feira e, ao longo dos meses, o governo submeteu informações na esperança de reverter alguns dos pontos mais delicados.
No rascunho, ficava claro que a entidade alertava que “aumentar a eficiência dos gastos públicos não será possível sem mais melhorias no combate à corrupção e aos crimes econômicos”.
“A aplicação de leis é um elemento necessário para evitar a impunidade e garantir a credibilidade e legitimidade das instituições. Os progressos na estrutura legal e institucional de aplicação da lei no Brasil têm sido fundamentais para o sucesso recente”, diz.
“Isso inclui leis e instrumentos-chave anticorrupção, tais como acordos de leniência, em combinação com o fortalecimento de órgãos de execução como a polícia federal, a unidade de inteligência financeira, o Ministério Público, o órgão fiscalizador da concorrência e as autoridades fiscais. Fortalecer a autonomia desses órgãos e isolá-los contra interferências políticas será fundamental para a construção de avanços no passado”, defendeu o rascunho da OCDE.
Mas o alerta da instituição é claro. “Recentemente, a autonomia de facto de todos esses órgãos tem sido questionada por interferências presidenciais incomuns no processo de seleção de postos-chave”, indicou. “Evitar interferências políticas no futuro através de processos seletivos baseados em regras e formalizar a autonomia operacional e orçamentária desses órgãos será crucial”, indicou.
Tema no centro da agenda
No mês passado, a entidade Transparência Internacional ainda denunciou ao Grupo Anti-suborno da OCDE e ao Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e Financiamento do Terrorismo (GAFI) os retrocessos no combate à corrupção no Brasil. “Ao contrário do que disse o presidente Jair Bolsonaro, a corrupção não acabou no seu governo”, apontou a entidade. “Há um desmanche institucional no país e Jair Bolsonaro é um dos principais responsáveis por isso”, declarou.
Numa reunião no mês de outubro, o tema entrou na agenda da presidência do Gafi e o informe produzido sobre o Brasil circulou entre os demais estados partes do organismo.
*Jamil Chade/Uol
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