Ano: 2020

Paulo Guedes provoca um apagão no INSS

Em junho passado, o ministro Paulo Guedes apresentou uma fórmula mágica para reduzir gastos. Ele informou que o governo deixaria de fazer concursos para substituir os servidores que se aposentam.

“Nas nossas contas, 40% dos funcionários públicos devem se aposentar nos próximos cinco anos. Então você não precisa demitir. Basta desacelerar as entradas que o excesso vai embora”, explicou.

No discurso de Guedes, a medida ajudaria o governo a equilibrar o caixa e alcançar o sonhado trilhão de reais. No mundo real, produziu um colapso administrativo e ressuscitou a fila do INSS.

Só no ano passado, o órgão perdeu mais de seis mil servidores. A debandada era prevista desde que a reforma da Previdência começou a tramitar no Congresso. Agora a falta de quadros é usada para justificar o apagão no atendimento.

Quase dois milhões de brasileiros esperam respostas do INSS. Além dos pedidos de aposentadoria, estão parados processos de auxílio-doença, licença-maternidade e benefício de prestação continuada.

Ontem Jair Bolsonaro anunciou a convocação de militares da reserva, que receberão adicional de 30%. Além de não resolver o problema, o presidente vai aproveitar a crise para fazer outro agrado à sua base eleitoral.

O governo não se preparou porque não quis. Há cinco meses, as procuradoras Eliana Pires Rocha e Anna Paula Coutinho pediram à Justiça Federal que obrigasse o INSS a preencher as vagas ociosas. A ação apontava a necessidade de oferecer “atendimento digno” e o risco de “sucateamento” da Previdência”.

Como nada foi feito, as filas continuaram a crescer. “A situação aqui é dramática. As reclamações estão se avolumando, e as pessoas não sabem a quem recorrer”, relata o procurador Julio José Araújo Junior, que atua na Baixada Fluminense.

Em agosto, ele abriu inquérito para apurar a pane nas agências. Sua clientela é composta de gente pobre, que depende dos benefícios para sobreviver. “As respostas têm sido muito insatisfatórias. Ninguém assume a responsabilidade pelas filas”, conta.

 

*Bernardo de Mello Franco/O Globo

 

 

Bolsonaro está perdido: Privatização dos Correios pode gerar 40 mil demissões

Para evitar ter que fazer o mesmo em privatizações futuras, presidente não pretende absorver os demitidos.

Apesar da urgência de Jair Bolsonaro em privatizar os Correios, até então o presidente não sabe o que fazer com o contingente de desempregados que vai se formar com a venda da estatal. A estimativa é que cerca de 40 mil servidores percam o emprego.

De acordo com reportagem desta quarta-feira (15) do Painel, da Folha de S. Paulo, Bolsonaro não pretende absorver os demitidos, para evitar que medida similar tenha que ser adotada em expurgos das estatais vendidas no futuro.

Outro agravante é a dívida de cerca de R$ 3 bilhões do plano de saúde dos funcionários. Uma das opções que Bolsonaro tem considerado é descontar do valor a receber, mas a medida ainda não foi definida. Por conta da complexidade das decisões a serem tomadas, a data prevista para a apresentação do formato final de privatização ficou para o fim de 2021.

Os Correios são um dos principais alvos na esteira de privatizações do governo. “Se pudesse privatizar hoje, privatizaria. Mas não posso prejudicar o servidor dos Correios. É isso”, disse Bolsonaro na semana passada.

“Você mexe nessas privatizações com centenas, dezenas de milhares de servidores. É um passivo grande. Você tem que buscar solução para tudo isso. Você não pode jogar os caras para cima. Eles têm que ter as suas garantias. Tem que ter um comprador para aquilo. É devagar. Tem o TCU com lupa em cima de você. Não são fáceis as privatizações”, acrescentou.

A empresa é uma das 17 incluídas no plano de privatizações de Paulo Guedes, que abarca também Eletrobras, a EBC e a Casa da Moeda.

 

 

*Com informações da Forum

Marcelo Tas critica campanha por The Intercept no Roda Viva e Glenn lembra que ele “colaborou” com os EUA

Além de resgatar e-mail vazado pelo WikiLeaks que mostra Marcelo Tas como colaborador da propaganda norte-americana no Brasil, jornalista do The Intercept rebateu: “O ciúme no jornalismo é feio”.

O editor do The Intercept Brasil, Glenn Greenwald, relembrou nesta terça-feira (14) que o também jornalista Marcelo Tas já foi apontado por e-mails vazados pelo WikiLeaks como um colaborador dos Estados Unidos no Brasil. Os e-mails, que são conversas entre um consultor do governo dos EUA sobre assuntos de internet com o embaixador norte-americano no Brasil, tratam sobre as estratégias de comunicação para enaltecer a imagem dos EUA no país, tendo Marcelo Tas como um “colaborador” nas redes sociais.

“Interessante email do arquivo de Hillary sobre como usaram Marcelo Tas para ‘validar e ampliar’ mensagens dos EUA”, diz tuíte de Glenn Greenwald de 2016 com um print do e-mail vazado. O jornalista decidiu retuitar a postagem nesta terça-feira (14) como forma de rebater as críticas de Marcelo Tas, que não gostou da campanha que ganhou as redes sociais mais cedo a favor da presença do The Intercept Brasil na entrevista do ministro Sérgio Moro no próximo programa Roda Viva, da TV Cultura.

Quando a participação do ministro no programa veio à público, Greenwald se manifestou dizendo que é “covarde” o Roda Viva não ter em sua bancada um jornalista do The Intercept, já que o veículo desnudou a atuação de Sérgio Moro enquanto juiz com a série Vaza Jato. A manifestação de Glenn gerou uma campanha de internautas nas redes para que o veículo seja incluído na bancada de entrevistadores.

“É a primeira vez na história do Roda Viva que um veículo de comunicação se auto convida para o programa. Significa o que, insegurança, vaidade, arrogância? Reflitam 🤔 #Carrapato-rodoleiro”, criticou Marcelo Tas.

 

*Com informações da Forum

Relatório de ONG denuncia que Bolsonaro incentiva execução de pessoas e queimadas na Amazônia

Documento elaborado pela Human Rights Watch lista uma série de ataques contra os cidadãos brasileiros cometidos pelo presidente de extrema-direita.

“O ataque do presidente Bolsonaro às agências de fiscalização ambiental está colocando em risco a Amazônia e aqueles que a defendem.” A afirmação é de Maria Laura Canineu, diretora da Organização Não-Governamental (ONG) Human Rights Watch (HRW) no Brasil. “Sem nenhuma prova, o governo tem culpado ONGs, voluntários brigadistas e povos indígenas pelos incêndios na Amazônia e, ao mesmo tempo, fracassado em agir contra as redes criminosas que estão derrubando árvores e queimando a floresta para dar lugar à criação de gado e agricultura, ameaçando e atacando aqueles que estão no caminho”, acrescentou.

A entidade internacional de pesquisa e defesa dos direitos humanos divulgou hoje (14) o 30° Relatório Mundial de Direitos Humanos 2020. O estudo detalha a situação dos direitos humanos em 90 países, incluindo o Brasil e diz que “o presidente Jair Bolsonaro assumiu uma agenda contra os direitos humanos”.

Segundo o relatório, autoridades e moradores da região amazônica contam que a intimidação contra populações indígenas aumentou significativamente em 2019, primeiro ano do atual presidente da República. A constatação é de que, sob o atual governo, apenas em novembro e dezembro, três indígenas foram assassinados.

Dados preliminares, denuncia o estudo de 652 páginas, apontam que de janeiro a meados de dezembro o desmatamento na Amazônia aumentou mais de 80 por cento.

Segundo a organização, o presidente Jair Bolsonaro adota uma política sistemática contra os direitos humanos e incentiva a execução de pessoas. “Sugeriu que criminosos deveriam ‘morrer na rua igual baratas’”. Em seu site, a organização acrescenta: “Os padrões internacionais de direitos humanos permitem matar pessoas deliberadamente apenas quando necessário para proteger uma vida”. Casos como o da menina Ághata Felix, de oito anos, assassinada por um policial no Rio de Janeiro, e do músico morto com mais de 80 tiros de fuzil no mesmo estado estão no relatório.

A ONG afirma também que “o governo Bolsonaro tem agido para enfraquecer os esforços de prevenção da tortura”, lembrando que o chefe de Estado brasileiro tentou exonerar peritos do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, órgão estabelecido por lei, “e descartou evidências de que a força-tarefa de intervenção penitenciária federal havia submetido presos a tortura no estado do Pará”.

A HRW denuncia ainda que Bolsonaro perseguiu a mídia, organizações não-governamentais e tentou restringir o acesso de crianças à educação sexual integral.

Leia a íntegra do relatório

 

 

*Com informações da Rede Brasil Atual

Caos: Petrobras anuncia fechamento de fábrica e mil trabalhadores serão demitidos no PR

Em reunião com trabalhadores nesta terça-feira (14), a CUT, FUP e Sindiquímica-PR rejeitaram proposta e prometem lutar em todas as frentes contra a decisão arbitrária da direção da empresa.

A Petrobras anunciou, nesta terça-feira (14), a demissão de mil trabalhadores e trabalhadoras com o fechamento da Fábrica de Fertilizantes Nitrogenados (Fafen) em Araucária, no Paraná.

Em reunião nesta manhã com representantes da FUP, CUT e Sindiquímica-PR, a direção da empresa afirmou que o processo de demissão começará em 30 dias e levará até 90 dias para demitir todos os funcionários. A decisão da Petrobras, sob a gestão do governo de Jair Bolsonaro, pegou todos os trabalhadores e trabalhadoras de surpresa.

Durante a reunião coma direção da estatal, os sindicalistas afirmaram que não vão concordar com o fechamento da fábrica e nem com os desligamentos dos trabalhadores e das trabalhadoras.

“É uma posição totalmente irresponsável, sem negociação com os trabalhadores. A empresa está desrespeitando nosso acordo coletivo no que diz respeito à cláusula sobre demissão em massa”, disse Santiago da Silva Santos, presidente do Sindiquímica-PR, em reunião com os trabalhadores logo após o anúncio feito pela Petrobras.

O dirigente afirmou que na próxima segunda-feira, 20, haverá uma reunião com o Mistério Público do Paraná para tratar da situação. Ele disse ainda que várias ações serão tomadas daqui para frente para impedir a destruição do emprego na estatal.

O sindicato já havia convocado a direção por diversas vezes para uma conversa e negociação, porém eles se negaram a tratar de qualquer tema.

“São mais de mil trabalhadores que serão impactados diretamente, entre eles, trabalhadores terceirizados. Não estamos falando de pessoas, mas de famílias que serão destruídas pelo que a gerência da Petrobras está fazendo a todos nós”.

A estratégia dos gestores da Petrobras faz parte do processo de desmonte na estatal em vários estados, que piorou com o governo Bolsonaro.

Decisão Arbitrária

Roni Barbosa, petroleiro e secretário nacional de Comunicação da CUT, falou que é inaceitável a Petrobras ter mais de 15 bilhões de lucro e fechar uma fábrica porque ‘está dando prejuízo’.

“É uma decisão arbitrária que não atende aos trabalhadores e não é aceitável que a Petrobras faça isso. O que me assusta é ver gestores dizerem que 7% da produção nacional é pouco, não é nada para o Brasil. É muita coisa para o Brasil, sim, e hoje temos mil empregos perdidos”.

O dirigente defendeu ainda que será necessária uma unidade de todos os trabalhadores para enfrentar o período de trevas no país.

“Vamos precisar de unidade, a FUP e CUT são dois grandes aliados que vocês podem contar”.

 

 

*Com informações da CUT

Além da conta de luz, pastores evangélicos querem isenção sobre uso de terreno da marinha

Esses mercadores da fé que ajudaram a eleger Bolsonaro têm uma fatura alta na contrapartida.

Além de isenção da conta de luz, igrejas evangélicas não querem mais pagar a taxa sobre o uso de terreno da união – o chamado laudêmio.

Hoje pediram isso sobre o terreno da Marinha, amanhã vão avançar sobre cada centímetro de terrenos de propriedade do Estado, ou seja, da sociedade.

Para eles, não existe bênção de graça e Bolsonaro, que adora privatizar tudo, tem que bater palmas pela privatização da fé.

Não demora, vão querer isenção de água, luz, telefone e banda larga.

São os templos agindo como partidos no toma lá da cá com a “nova política” de Bolsonaro.

A verdade é que não sabemos com quantos charlatães Bolsonaro tirou foto na campanha. A fatura chega de acordo com o milagre.

 

*Carlos Henrique Machado Freitas

Moro perde outra: Justiça rejeita denúncia contra presidente da OAB por ter chamado Moro de “chefe de quadrilha”

A Justiça rejeitou nesta terça a denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal contra o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, por ter chamado o ministro Sergio Moro de chefe de quadrilha.

O juiz substituto da 15ª Vara Federal do Distrito Federal Rodrigo Paiva Bentemuller considerou ainda “descabido falar em afastamento do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, tendo em vista a ausência de cometimento de delito no caso apresentado”.

Para o magistrado, o denunciado não teve intenção de caluniar o ministro da Justiça, imputando-lhe falsamente fato criminoso, mas sim, apesar de reconhecido um exagero do pronunciamento, uma intenção de criticar a atuação de Moro, quando foi provocado a se manifestar acerca de suposta atuação no âmbito da Operação Spoofing.

Bentemuller avaliou que não se tratou de uma fala institucional. “Contudo, mesmo com uma fala mais contundente, não vislumbro a intenção de o denunciado imputar falsamente crime ao Ministro da Justiça Sérgio Moro”, escreveu.

O Ministério Público Federal do Distrito Federal acusou Santa Cruz por crime de calúnia. A declaração que motivou a ação do MPF foi dada por Santa Cruz quando ele comentou a operação “spoofing”, da Polícia Federal, que prendeu hackers acusados de invadir celulares de autoridades. “[Moro] usa o cargo, aniquila a independência da Polícia Federal e ainda banca o chefe da quadrilha ao dizer que sabe das conversas de autoridades que não são investigadas.”

Para os procuradores, Santa Cruz teve a intenção de “acusar, de forma clara e consciente, o ministro da Justiça de formação de quadrilha ao afirmar que ele exercia a função de “chefe de quadrilha”.

 

 

*Com informações do Conversa Afiada

Guedes é “sócio oculto de empresas e fundos beneficiados pelo governo”, acusa deputado

Ministro da Economia é suspeito de ser sócio oculto de empresas e de lotear cargos públicos por interesses privados.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, voltou de férias na segunda-feira 13 e já fará as malas de novo. Entre os dias 21 e 24 estará em Davos, na Suíça, para o convescote anual da elite global. Essa turma evitou o Brasil em 2019. O fluxo cambial no País ficou negativo em 44 bilhões de dólares, um recorde. A Bolsa atingiu níveis inéditos, graças à queda dos juros básicos do Banco Central, não ao crescimento do PIB, mas os gringos escaparam dela. Não importa. Guedes deve se sentir em casa nos Alpes suíços, ele que enriqueceu no “mercado”, sócio de empresas e fundos. No governo, sua gestão é do jeito que o diabo financeiro gosta. “É um infiltrado na máquina pública. Fez uma aliança com o capital e tem desenvolvido políticas públicas para essas alianças que construiu em seus negócios privados durante a vida”, afirma o deputado Paulo Ramos, do PDT do Rio de Janeiro.

Veterano da Assembleia Constituinte, Ramos, de 77 anos, colocou Guedes na mira, por considerá-lo o pilar de sustentação de Jair Bolsonaro. Ao longo de 2019, vasculhou a Junta Comercial do Rio, foi atrás de uma investigação do Ministério Público Federal sobre fundos de pensão, reuniu reportagens e terminou o ano com um presente natalino para o ministro. Pediu à Procuradoria-Geral da República, que remeteu o caso à Procuradoria no Distrito Federal, ao Tribunal de Contas da União e à Comissão de Ética Pública uma investigação sobre o “Posto Ipiranga”, a fim de provar que o ministro é sócio oculto de empresas e fundos beneficiados por decisões do governo. Promete acionar o Supremo Tribunal Federal também, quando a corte voltar de férias em fevereiro.

Guedes seria um caso para a Lei de Conflito de Interesses, a 12.813, de 2013. O ministro, segundo a denúncia de Ramos, “integra, seja como administrador ou sócio – inclusive possivelmente oculto – uma vasta rede composta por bancos e fundos de investimentos” que “possuem íntimas relações com entes estatais de mesmo gênero, notadamente o BNDES”. Ao examinar dados de empresas às quais Guedes era, ou é, ligado, o deputado identificou uma “curiosa coincidência”: outros sócios ou cotistas “se revezam não apenas na mesma sociedade, como também em várias outras, coligadas ou não, formando uma espécie de teia societária”, a fim de “ocultar seu verdadeiro controlador”. Tradução: laranjal. Mais: “tudo aponta” que Guedes, após aderir à campanha de Bolsonaro, comandou “uma série de reestruturações societárias nas empresas, fundos e todo tipo de investimento em que tivesse participação, a fim de se ocultar”.

Ramos tentou aproveitar a CPI do BNDES, que funcionou em 2019 na Câmara, para saber mais sobre os negócios do ministro. E esbarrou no presidente do banco. Compreensível. Gustavo Montezano é homem de Guedes. Antes de assumir o BNDES, era secretário-especial-adjunto do ministro para privatizações. Seu pai, Roberto, trabalhou em priscas eras com Guedes no Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais, o Ibmec, criado pelo ministro. Em agosto de 2019, a CPI pediu a Montezano informação sobre os financiamentos do banco a empresas e fundos nos quais houvesse digitais de Guedes. A resposta, segundo Ramos, chegou quando a CPI tinha terminado. Não citava empresas, só setores. E continha uma incomum recomendação: manter tudo em sigilo. O deputado nunca conseguiu uma cópia do documento, pode apenas olhar e fazer anotações.

Rastro: o deputado Paulo Ramos, do PDT, quer entender melhor os negócios e as motivações do ministro.

Montezano passou por outra cria de Guedes, o BTG Pactual. Foi sócio e diretor do banco de 2008 até entrar no gasoduto no Amazonas. Parece que valeu a pena um dos sócios do banco, André Esteves, esforçar-se para estar na ala vip na posse de Guedes, de quem havia sido estagiário. Em janeiro de 2019, Esteves tinha acabado de voltar à ativa no BTG, após ser inocentado por falta de provas em um caso da Operação Lava Jato que o levara à cadeia em 2015.

O BTG deve ter ficado feliz com uma decisão de dezembro do ministério de Guedes. O órgão anunciou os vencedores de um processo seletivo de escolha de empresas que, em troca do acesso aos valiosos dados pessoais de 1,2 milhão de servidores federais, aposentados incluídos, arranjam descontos para o funcionalismo em compras de bens e serviços. A seleção foi acusada de “práticas imorais” por uma empresa competidora, a Markt, autora de uma ação judicial, e sofreu uma tentativa de impugnação por parte da federacão dos policiais federais, conforme revelado pelo site de CartaCapital em setembro. Em uma audiência pública com deputados, a federação fez coro à suspeita de que tudo foi feito para favorecer o BTG. Uma das concorrentes da seleção era uma star-tup na qual o banco havia decidido botar fé, a Allya, semanas antes do anúncio do processo seletivo. A Allya foi, de fato, escolhida.

A exemplo do próprio “Posto Ipiranga”, Montezano é egresso do setor privado. Entrou no governo graças ao ministro e, um dia, provavelmente voltará aos negócios privados cheio de informações. É o tipo de situação descrita pelo economista americano Joseph Stiglitz como “porta giratória”, aquele vai e vem de profissionais entre cargos públicos e privados, que configuraria uma espécie de… deixa pra lá. Um caso similar é citado por Ramos na denúncia contra Guedes. É o do engenheiro Eudes de Gouveia Varela, de 66 anos. Este foi sócio de Guedes em uma empresa que não chegou a iniciar as atividades, o Centro de Estudos e Pesquisas Minerais Capitão Felizardo. Varela foi nomeado por Guedes para o conselho de administração de duas estatais, o Banco do Nordeste e a Embrapa.

O deputado não mencionou, mas podia, Daniella Marques Consentino. Aos 40 anos, ela é formada em administração de empresas e trabalhou com Guedes no setor privado por uma década. Desde o início de 2019, é chefe da assessoria especial de Assuntos Estratégicos do Ministério da Economia. É uma das figuras mais próximas e da maior confiança do “Posto Ipiranga”. Acompanha-o em reuniões, eventos e audiências públicas no Congresso. Uma dessas audiências, em abril de 2019, terminou em confusão depois que o deputado Zeca Dirceu, do PT do Paraná, disse que Guedes era “tchutchuca” com banqueiros e “tigrão” com os pobres”, e o ministro devolveu: “Tchutchuca é a mãe, é a avó”. Consentino aconselhou o chefe a ir embora e foi detida por alguns instantes pela polícia legislativa, acusada de agressão pela deputada Maria do Rosário, do PT gaúcho.

Até a quarta-feira 8, a assessora constava nos registros da Receita Federal como diretora da empresa Mercatto A2 Participações e como representante legal da Crescera Investimentos em outra empresa, a BP Venture Capital. A Crescera é o nome atual da Bozano Investimentos, empresa da qual Guedes era sócio (ainda seria, de forma oculta?) até entrar no governo. A lei dos servidores, a 8.112, de 1990, proíbe-os de “participar de gerência ou administração de sociedade privada, personificada ou não personificada, exercer o comércio, exceto na qualidade de acionista, cotista ou comanditário”. Um veto destinado a evitar que um funcionário público defenda, no governo, interesses particulares. Consentino diz ter saído de todas as empresas antes de ingressar no ministério e que deve ter havido alguma falha de atualização cadastral.

Em 22 de abril de 2019, ela reuniu- -se no ministério com um dos sócios da Crescera, e, portanto, seu chefe quando ela era representante legal da empresa na BP Venture Capital, o bilionário Elie Horn. Em seguida, com dirigentes de uma filantrópica criada pelo empresário, o Instituto Liberta, de combate ao abuso sexual infantil. Teriam sido reuniões sobre o programa de incentivo ao voluntariado que o governo lançaria dali a alguns meses. Horn e a Liberta são nomes que correm na CPI das Fake News. Chegou a integrantes da comissão a informação de que o bilionário teria sugerido usar o Liberta como canal de financiamento das milícias digitais bolsonaristas na eleição. Grana empresarial entraria no instituto e este contrataria uma agência de marketing, a Cucumber, para pagar o submundo na internet. A agência é da esposa do secretário de Comunicação Social da Presidência, Fabio Wajngarten, de origem judia, como Horn. Será que Guedes, rico e experiente em arquitetura financeira, teria auxiliado a financiar essas milícias? É uma dúvida de Ramos.

Consentino foi convocada a depor em novembro de 2018 pelo Ministério Público em Brasília em uma investigação aberta um mês antes contra o “Posto Ipiranga” por suspeita de fraude em investimentos em educação feitos por um fundo do ministro, o BR Educacional, com dinheiro obtido em fundações de pensão estatais. É uma apuração no âmbito da Operação Greenfield, uma das cumbucas em que Ramos meteu a mão. Começou com seu conteúdo tornado público pelo chefe da força-tarefa da Greenfield, o procurador Anselmo Henrique Cordeiro Lopes, mas depois se tornou sigilosa, a pedido do procurador Henrique de Sá Valadão, atual responsável pelo caso.

Gustavo Guedes, irmão do ministro, também é investigado pela Greenfield e chegou a depor. Contou, conforme relatado por CartaCapital, que o investimento suspeito foi idealizado para ajudar as Organizações Globo, o que talvez explique por que o inquérito agora corre em segredo. Gustavo mostra como a biosfera do irmão é, digamos, tóxica. Em 2007, ele foi condenado pela Comissão de Valores Mobiliários, a CVM, “xerife” do mercado acionário, por uso de informação privilegiada. Em 1999, a família Guedes era sócia em um fundo, o JPG, que decidira comprar ações de uma empresa, a Cambuci, depois que um analista a serviço do fundo descobriu que a companhia renegociaria dívidas bancárias. Paulo Guedes só não foi condenado por Gustavo ter dito à CVM que tinha feito tudo sozinho. A punição não doeu. Uma advertência, apenas.

Outra sociedade dos irmãos, o fundo GPG, beneficiou-se de coisa mais pesada. Fraudes e ilícitos. É o que diz uma sentença de julho de 2018 do juiz Tiago Pereira Macaciel, da 5a Vara Criminal do Rio. O fundo ganhou cerca de 600 mil reais graças a um prejuízo imposto ao fundo de pensão dos funcionários do BNDES, o Fapes, por uma corretora, a Dimarco, que, em 2004, intermediar negócios feitos com dinheiro das duas partes, em operações conhecidas como day trade. Macaciel condenou dirigentes da corretora, hoje extinta, a quatro anos de prisão, por gestão fraudulenta. Esse episódio é citado na portaria da força- -tarefa da Greenfield, que abriu a investigação contra os irmãos Guedes. A propósito: a irmã deles, Elizabeth, comanda desde abril de 2019 a associação das universidades particulares. Os filiados da Anup beneficiam-se de dinheiro da Caixa Econômica Federal nas bolsas do Fies e do ProUni. O presidente da Caixa, Pedro Guimarães, está no cargo por escolha de Guedes.

Dois meses antes da sentença do juiz Macaciel, a biosfera do ministro tinha sido atingida por outra operação, a Câmbio, Desligo, que desbaratou uma megarrede ilegal de doleiros. Um dos presos, Oswaldo Prado Sanchez, era colaborador antigo de um bilionário, Julio Bozano, de quem Guedes foi sócio (ainda seria, de forma oculta?) na Bozano Investimentos até chegar ao governo. Foi denunciado pelo Ministério Público à Justiça fluminense por lavagem de dinheiro, evasão de divisas e organização criminosa. Fechou uma delação, sobre a qual não se sabe nada. Sanchez fornecia dólares ao esquema, obtidos inclusive em contas pessoais de Julio Bozano. Este es- tava fora do “mercado” desde 2000, por causa de fraudes financeiras descobertas pelo Banco Central. O BC queria banir o bilionário do sistema financeiro. Ele recolheu-se por um tempo. Voltou à praça em 2013, em sociedade com Paulo Guedes, na Bozano Investimentos, hoje rebatizada de Crescera.

Internamente, Guedes diz ter se afastado de todos os seus negócios antes de assumir o cargo. CartaCapital questionou-o, via assessoria de imprensa, sobre as acusações do deputado Ramos, mas não obteve resposta até a conclusão desta reportagem, na quinta-feira 9.

 

 

*Da Carta Capital

Democracia em Vertigem ainda nem ganhou o Oscar e Moro já arrumou uma delação premiada contra Dilma

Campanha de Dilma teve mesada de R$100 mil em esquema da Torre Pituba, diz delator de Moro.

Esse juiz corrupto e ladrão é de uma criatividade esplêndida.

Não é a toa que, como ministro da justiça, trabalha como capanga do Clã Bolsonaro, passando pano em todos os crimes que envolvem a família miliciana da casa 58 do condomínio Vivendas da Barra.

Moro, o juiz particular de Bolsonaro, é aquele que colocou seus Pit bulls da PF para darem uma dura no porteiro do condomínio do seu Jair para mudar a versão do que revelou a polícia sobre o dia do assassinato de Marielle.

Agora, que a notícia de que o documentário Democracia em Vertigem foi indicado ao Oscar se confirmou, Moro coloca a turma da Lava Jato, a mesma que tentou tungar 2,5 bilhões da Petrobras para criar a Fundação Moro, para achar um delator que implique Dilma em alguma das muitas delações manipuladas pelos filhos de Januário. Aquele que recebia mensalão do doleiro dos doleiros.

Pois é, o que não falta nessa delação é picaretagem da falange de Moro.

 

*Carlos Henrique Machado Freitas

Jornalista que virou Uber: “É difícil fugir da sensação de fracasso”

Jornalista com 30 anos de carreira faz relato íntimo de como ele e outros colegas se tornaram motoristas de aplicativo em meio ao desemprego.

Lá pelo início da década de 1990, eu frequentava um misto de bar e lanchonete que ficava no andar térreo do meu prédio, na rua Heitor Penteado, na zona oeste de São Paulo. O dono era um português que havia brigado com seu sócio, o próprio irmão, que, não sei por que cargas d’água, acabou virando taxista. Então o “portuga” costumava dizer que, quando alguém não serve para mais nada na vida, vai ser taxista. Mais ou menos pela mesma época, li em algum lugar o saudoso Paulo Francis dizer que esta categoria de profissionais deveria ser fervida em óleo. Tirando o preconceito dos dois, eu até que achava graça.

A vida dá voltas e o castigo vem a cavalo, como dizem os clichês. Pois não é que cerca de 20 anos depois eu, jornalista com mais de 30 anos de carreira – que até pouco tempo eu considerava mais ou menos bem-sucedida –, me transformei num desses profissionais? Não propriamente um taxista, mas um motorista de aplicativo, mais especificamente de Uber e 99. O que, pensando bem, é pior, pois se trabalha mais e se ganha menos que um verdadeiro taxista. São 10 ou 12 horas dirigindo pelo trânsito estressante de São Paulo, transportando todo tipo de gente, para os lugares mais estranhos ou perigosos, para faturar cerca de 200 ou 250 reais por dia. Se o carro for alugado, como é o meu caso, mal dá para a locação e o combustível. Ninguém merece.

É claro, tanto o trabalho dos taxistas como o nosso de motoristas de aplicativos são dignos e merecem respeito. Mas para mim, e alguns colegas na mesma situação com quem conversei, é difícil, no entanto, fugir daquela sensação de fracasso. O sujeito se pergunta: onde foi que eu errei? E se lembra – pelo menos eu – daquela trilogia de filmes “De volta para o futuro”. Num dos episódios, o personagem de Michael J. Fox pega um desvio no tempo e vai parar numa época em que seu pai é um fracassado. Felizmente – para ele – o carro é um DeLorean, que funciona como máquina do tempo, e pode voltar e pegar o caminho certo. Infelizmente – para mim – não é meu caso. Estou preso no tempo errado.

Não sou o único
Não serve de consolo, claro – não poderia me sentir reconfortado por existirem colegas na mesma situação –, mas não sou o único jornalista que virou motorista de aplicativo a pensar que não deu certo na vida. “Olha, eu também tenho essa sensação de fracasso sim, mas não acho que é necessariamente por causa de um erro meu”, diz a colega Sílvia Marino, 34 anos de profissão e há três motorista de aplicativo. Mas o que diz a seguir pode até ser interpretado como uma contradição. “Como sempre trabalhei em veículos pequenos, não fiz networking e confesso que sou muito ruim nisso”, admite. “Talvez isso seja uma má característica minha.”

Francisco Reis, 57 anos, é mais um colega que se dirige pela mesma trilha. “Também tenho a sensação de fracasso”, confessa. “O problema é entender onde nós fracassamos. Nós paramos no tempo. Por exemplo, agora estou procurando emprego e vi uma vaga, que exige conhecimento de vários programas como Adobe, Photoshop e não sei mais o quê. Todos de imagem, que não é nossa função. Nosso trabalho é escrever. Agora estamos competindo com molecadinha de 22, 23 anos que devora o computador, sabe tudo de informática. Aí fica complicado. É difícil esta sensação de fracasso, mas temos que ir em frente.”

Durante 26 anos, José de Paula Muniz Dantas, 65 anos, filho do conhecido jornalista Audálio Dantas, trabalhou na Rede Globo como produtor de vários programas e, agora, está há um ano e quatro meses como motorista de aplicativo. “A gente sente um pouco de frustração, mas o que vamos fazer, vamos roubar? Não dá”, diz. “Então temos que fazer alguma coisa, temos que trabalhar, arrumar dinheiro para poder sobreviver. E isso é digno. Apesar de ser muito frustrante, trabalhar é digno. Claro, pensamos, já fiz tanta coisa importante e agora estou aqui deste jeito. Mas não podemos pensar assim, não. São 13 milhões de desempregados depois do golpe. Vamos trabalhar, vamos trabalhar.”

“Tenho que pagar a comida, as dívidas, os compromissos”
Não é por falta de experiência e currículo na nossa área que estamos trabalhando como motorista. Dantas, por exemplo, entrou na Globo em 1976 e durante o tempo em que lá permaneceu foi produtor de novelas, do programa TV Mulher e de musicais do Fantástico, incluindo Elis Regina, Adoniran Barbosa, Rita Lee e Gilberto Gil, do Carnaval de São Paulo e do Faustão. Depois, pediu demissão da emissora e foi trabalhar na All TV, uma TV pela internet, que transmitia as atividades da Assembleia Legislativa de São Paulo. “Fique lá sete anos”, lembra.

Seu último emprego foi na TV da Câmara de Vereadores de São Paulo. “Em janeiro de 2018, a empresa terceirizada para a qual eu trabalhava perdeu a renovação da licitação e demitiu todo mundo, inclusive a mim”, conta. “Como já estava na época de me aposentar, seria difícil conseguir outro emprego. Tentei, mas não consegui na nossa área. Daí fui obrigado a trabalhar como motorista de aplicativo para poder conseguir algum dinheiro. Foi o mais rápido e instantâneo que consegui. Vou ficar até sair minha aposentadoria. Aí vou procurar com mais calma trabalho no que sempre fiz. Mas eu tenho que viver, tenho que pagar a comida, as dívidas, os compromissos.”

Reis, por sua vez, trabalhou nas revistas Transporte Moderno, Carga e Transporte e nos jornais Shopping News, Folha da Tarde e Diário Popular. Mais recentemente, por 12 anos exerceu sua profissão na revista Caminhoneiro. Depois disso, resolveu montar sua própria revista também para este público. Por falta de verbas, ela foi fechada na terceira edição. “Sem emprego e sem dinheiro, resolvi procurar outra profissão”, conta. “Escolhi ser motorista de aplicativos, porque meu pai foi taxista por 30 anos, e eu adoro dirigir e conversar. É o ideal para mim. Se não fossem os baixos rendimentos, seria uma ótima profissão.”

No caso de Sílvia, ela se formou em 1985 e, logo em seguida, trabalhou como estagiária numa pequena editora, que fazia revistas para montadoras de automóveis. “Depois trabalhei para a Vasp, fazendo uma publicação para o grupo de voo [pilotos e comissários]”, revela. “Mais recentemente, fui editora de uma revista sobre logística. Há três anos perdi o emprego e um amigo, que já dirigia para a Uber, me sugeriu começar a fazer isso, já que eu tinha um carro que era aceito nas plataformas. E assim estou até hoje.”

Sua excelência, o passageiro
Quanto a mim, me formei em 1984, na PUC de Porto Alegre, e pouco tempo depois fui para Santa Catarina, onde trabalhei, por uns oito meses, no jornal O Estado, hoje extinto. Saí de lá e vim para São Paulo, ingressando na revista IstoÉ, na qual fiquei por cerca de dois anos, e daí fui para o Jornal do Brasil, no Rio, tendo atuado lá por cerca de dez meses. Voltei para São Paulo, onde trabalhei no Estadão entre 1989 e 1990, do qual saí para a sucursal paulista do Jornal do Brasil, em que fiquei até 1994. Em seguida fiz algumas assessorias e, de 1996 a 2001, trabalhei no Jornal da Unesp, da Universidade Estadual Paulista. Deste veículo fui novamente para o Estadão, no qual permaneci até 2005.Depois intercalei alguns empregos, como na assessoria de imprensa da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo e chefe da assessoria de comunicação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) com trabalhos como freelancer. Fiz muitos frilas ao longo de toda a carreira, para revistas como, em ordem alfabética, Cálculo – Matemática para todos, Cláudia, Crescer, Galileu (e sua antecessora Globo Ciência), CartaCapital, IstoÉ Dinheiro, Marie Claire, Pequenas Empresas Grandes Negócios, Planeta, Problemas Brasileiros, Superinteressante, entre outras, além dos jornais Correio Braziliense, Valor Econômico e Brasil Econômico.

Por cerca de dez anos, até recentemente, fui freelancer fixo da revista Pesquisa Fapesp, e por mais de um ano escrevendo para o site da BBC Brasil. Também escrevi um livro, o Almanaque completo da Copa do Mundo: A história de todos os campeões mundiais. Mais recentemente fiz uma matéria para a Pública – Agência de Jornalismo Investigativo.

Nesse novo trabalho, nós agora mudamos de público e de relações. Não é mais com chefes, colegas, fontes e leitores, mas como sua excelência, o passageiro. Para Reis, a relação com eles é o lado bom de ser motorista de aplicativo. “Como gosto de falar, converso com todos eles”, diz o jornalista, que só trabalha à noite, das 18h às 6h. “E aí está a diferença. Os passageiros que utilizam o serviço durante o dia são pouco acessíveis a bater papo. Estão sempre preocupados ou atrasados e no celular. De dez passageiros, um conversa com o motorista. À noite é o contrário, de dez, nove conversam. Normalmente o papo é muito legal.”

Segundo Dantas, nós temos que manter um bom atendimento, procurar ser simpático. “Mas nem todas as pessoas querem conversar”, explica. “Vamos tocando e tentando ser agradável.” Independentemente disso, o que muita gente espera de jornalistas trabalhando como motorista de aplicativo é que recolham e contem boas histórias ocorridas em suas viagens. Pela minha pouca experiência – um pouco mais de um mês –, elas são menos comuns do que se imagina. Mais de 90% dos passageiros entram mudos e saem calados do carro. Mal vemos o rosto deles, só quando estão na calçada esperando. Depois, sentam atrás e praticamente não os vemos mais.

Isso quando estão esperando na calçada. Talvez para ganharem tempo, muitos chamam o carro ainda quando estão se arrumando para sair. Chegamos ao local e nada do passageiro. Só uma mensagem pelo aplicativo: “por favor, aguarde”. E muitas vezes aí é que está o problema. A rua é estreita, não tem lugar para estacionar e temos de dar uma volta no quarteirão. Nesse meio tempo, o cliente chega à rua, não vê o carro, fica bravo e manda uma mensagem reclamando.

Assalto: um medo constante
O medo de assalto é outra constante. Há casos em que você recebe uma chamada e vê pelo aplicativo que é de uma mulher e fica mais tranquilo. A possibilidade de ser um assaltante é menor. Mas aí, quando você chega ao local, quem está esperando é um homem. A chamada pode ter sido feita pelo celular cadastrado da companheira, irmã, mãe ou patroa. Mas você fica com a pulga atrás da orelha. Ainda mais se aparece no aplicativo que o pagamento será feito em dinheiro. Se for por cartão cadastrado, teoricamente fica mais fácil rastrear depois um eventual assaltante.

Quem está há mais tempo neste serviço tem algumas histórias para contar, no entanto. É o caso de Reis, que já foi assaltado três vezes, em duas das quais levaram o celular e na outra o aparelho e mais o faturamento do dia. “Mas também já houve caso em que o passageiro gostou da música do rádio do carro e aí ele, a acompanhante e eu cantamos juntos”, lembra. “Já aconselhei garotinha com relacionamento desfeito, procurei consolar pessoas que haviam perdido entes queridos. Estou até pensando em escrever um livro contando todas essas histórias.”

Dantas nunca foi assaltado, mesmo trabalhando à noite, mas tem algumas histórias para relatar. Uma engraçada que gosta de contar é da vez em que atendeu a uma chamada para a rua Frei Caneca. “Eu cheguei e parei em frente ao prédio, quando recebi uma mensagem de quem havia chamado, dizendo para eu aguardar um pouco, que a noiva dele iria descer”, lembra. “Quando o passageiro chegou era uma travesti. O engraçado que ela entrou no carro e ligou um aparelho MP3, no qual tocava uma música do Lulu Santos a todo volume. Não só isso, ela começou a dublar, a cantar junto também a todo volume. E quando a música terminava, ela repetia. E assim foi até o Brooklin. Tive vontade de rir, mas tive de me controlar.”

Ao contrário de Reis, Dantas diz que nunca pensou em escrever um livro com as histórias que vai vivenciando ao volante. “Não há muitas interessantes”, justifica. Mas eu devo confessar que estou tentado a fazer isso. Quem sabe este texto para a Pública não seja o pontapé inicial nesse projeto. O que é certo é que espero que este trabalho como motorista de aplicativo seja passageiro – sem trocadilho.

 

 

*Com informações da Carta Capital