Ajudado por prefeitura, líder de invasão diz não estar nem preocupado com reintegração de posse.
Folha – Grilar e causar danos ambientais dentro de uma unidade de conservação é crime punível com prisão, mas invasores da Floresta Nacional (Flona) de Jacundá, em Rondônia, não temem em se expor em um canal de YouTube, discutem distribuição de lotes em um grupo de WhatsApp e até recebem ajuda de uma prefeitura.
A invasão começou em 15 de fevereiro, mas, passados quatro meses, não houve sequer uma notificação judicial. Pelo contrário: no grupo de WhatsApp, do qual a reportagem da Folha participou por duas semanas, imagens do acampamento mostram reuniões, festas e cultos evangélicos. Há também orientações para interessados e relatos de um sorteio recente de lotes.
Vídeos postados ali mostram máquinas da prefeitura de Candeias do Jamari (28 km de Porto Velho) arrumando a estrada de acesso ao acampamento. A reportagem tentou falar com o prefeito Valteir Queiroz (Patriota) desde 20 de maio, mas ele não respondeu aos pedidos de esclarecimentos deixados em seu celular.
No canal do YouTube “Jacundá – a Terra Prometida”, o aparente líder da invasão, Humberto Ferreira, protagoniza os vídeos. Em um deles, intitulado “Como conseguir teu lote no assentamento Jacundá”, ele orienta pessoas interessadas.
“Você quer ganhar uma terrinha também? Me chama aqui no privado, vou deixar meu contato. Aqui, nós ajudamos você a fazer a tua barraquinha. É por ordem de chegada”, afirma.
No vídeo, Ferreira afirma que eles não são invasores porque se trata de área da União. “Não existe reserva se pode tirar madeira, concorda?”, afirma.
O invasor se refere ao contrato de concessão florestal de 40 anos celebrado entre o Serviço Florestal Brasileiro (SFB) e a empresa Madeflona. Trata-se de uma operação legal que emprega cerca de 360 pessoas.
Os invasores não estão na área sob concessão madeireira, acessível por outro município da região, Itapuã do Oeste. Em 2019, no entanto, a Madeflona teve três caminhões incendiados, provavelmente por madeireiros ilegais.
A reportagem enviou perguntas ao ICMBio e ao Ministério do Meio Ambiente sobre quais providências foram tomadas contra a invasão de Jacundá, mas não houve resposta.
Em entrevista por telefone à Folha, Ferreira diz que a ação em Jacundá repete o histórico de ocupação de Rondônia, iniciado durante a ditadura militar, nos anos 1970, com a abertura da BR-364.
“Vamos pelas estatísticas. Se você for ver, 80% de Rondônia, onde hoje tem criador, pequeno produtor, um dia foi proibido entrar e hoje ele está dentro da sua terra. Então acreditamos que essa é uma área que amanhã pode chegar pro povo. A hora em que a PF, o Ibama, o ICMBio não conseguirem mais tomar conta, porque tem muita gente lá, aí é hora que eles têm de liberar. É assim que funciona: quando eles virem que eles perderam.”
Morador de Candeias do Jamari, ele disse que é formado em administração de empresas e que chegou à região há 14 anos, onde trabalhou na construção da usina hidrelétrica de Samuel.
No mês passado, o governador Coronel Marcos Rocha (sem partido) retirou 209 mil hectares de terras griladas de duas unidades de conservação, boa parte desmatada. A decisão contrariou parecer da Procuradoria Geral do Estado e está sendo contestada na Justiça pelo Ministério Público de Rondônia.
Em 2010, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) cedeu e reduziu em dois terços a Flona Bom Futuro, em Rondônia, também para regularizar centenas de invasores que haviam tomado e desmatado essa unidade de conservação a partir do governo Fernando Henrique Cardoso.
Sobre o futuro, Ferreira disse que a invasão está começando uma “nova fase” e que a meta é atrair 30 mil pessoas para dentro da Flona de 221 mil hectares, dos quais apenas 1,7% está desmatado, segundo o sistema Prodes, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Especiais). “O projeto é ocupar tudo, não deixar nenhum pedacinho.”
*Fabiano Maisonnave/Folha
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