Partidos entraram no governo em seu maior momento de fragilidade, com crise institucional e pedidos de impeachment.
Após contestar as urnas eletrônicas por mais de dois anos, o presidente Jair Bolsonaro (PL) retirou do seu repertório as ameaças ao sistema eleitoral e passou a dizer que as chances de fraude em 2022 são mínimas, informa a Folha.
O posicionamento —repetido aos mesmos apoiadores que, meses atrás, eram estimulados a ocupar as ruas em defesa do voto impresso— é reflexo da costura política com o centrão para salvar o mandato de Bolsonaro.
Dirigentes desses partidos embarcaram no governo e impuseram, como uma das condições para caminharem juntos em 2022, que Bolsonaro cessasse as ameaças de golpe e ao sistema eleitoral.
O acordo envolve maior acesso do Congresso às verbas federais, e certa tolerância, por parte de líderes do centrão, com o discurso negacionista de Bolsonaro sobre a Covid-19.
Para modular as falas sobre as urnas e convencer os apoiadores, o presidente passou a afirmar que o pleito do próximo ano será mais confiável, pois as Forças Armadas passaram a integrar o grupo que fiscalizará a votação.
Ministros do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) convidaram para o posto de diretor-geral do órgão nas eleições o general da reserva Fernando Azevedo e Silva, ex-ministro da Defesa de Bolsonaro. Estará subordinada a ele a área de tecnologia, responsável pelas urnas eletrônicas e softwares utilizados nas eleições.
Ainda que o convite não tenha relação com Bolsonaro —até porque Azevedo e Silva deixou o governo após desentendimentos com o presidente—, seus apoiadores dizem ter sensação de maior segurança com a presença de um membro do Exército.
Nas últimas semanas de 2021, Bolsonaro ensaiou voltar ao tom de meses atrás, mas com ataques direcionados a ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), não ao sistema eleitoral.
Criticou a corte e o ministro Alexandre de Moraes e falou palavrões publicamente, o que costuma ser um termômetro de sua irritação. Os arroubos, contudo, foram classificados por auxiliares como “desabafos”, ainda distantes de uma nova escalada golpista.
O ápice dos ataques às instituições promovidos por Bolsonaro ocorreu na semana do feriado de 7 de Setembro, quando ele convocou apoiadores às ruas para demonstração de apoio na queda de braço contra o STF.
Semanas antes das manifestações de raiz golpista nas ruas de São Paulo e Brasília, um desfile de blindados das Forças Armadas passeou pela Esplanada até o Palácio do Planalto, sob o pretexto de levar em mãos um convite a Bolsonaro para participar da Operação Formosa (em Goiás).
Ainda que o evento da Marinha ocorra anualmente, aquela foi a primeira vez em que houve um desfile de blindados até o Planalto para a entrega de convite. O ato ocorreu na manhã do dia em que o Congresso discutiria —e derrubaria – uma proposta de voto impresso, uma das bandeiras de Bolsonaro.
Enquanto a cada decisão do STF e a cada declaração do presidente a crise parecia não dar trégua, a estreita ala de bombeiros palacianos tentava contornar os ânimos dos dois lados.
Os ministros Ciro Nogueira (Casa Civil) e Flávia Arruda (Secretaria de Governo) passavam tardes inteiras reunidos na sala de Bolsonaro —o que não é habitual para ministros que devem despachar sobre diversos assuntos.
É nas tradicionais lives de quinta-feira que o mandatário conversa com seu eleitorado. E, naquela época, aliados do presidente cercavam-no durante a transmissão para sinalizar sempre que ele estivesse entrando no campo da crise institucional.
Sob a tutela do centrão, que entrou no governo no seu momento de maior fragilidade, com mais de uma centena de pedidos de impeachment, o Planalto de Bolsonaro se profissionalizou e aderiu de vez à dança do toma-lá-dá-cá.
Um dos principais aspectos desse casamento é que os dirigentes de partidos como PP, PL e Republicanos sempre deixaram claro que não embarcam em aventuras golpistas. Questionar o sistema eleitoral do qual precisam para se eleger não faz parte do repertório do centrão. Segundo relatos, foram categóricos ao explicar isso a Bolsonaro.
Tentaram ainda contornar o temperamento do chefe do Executivo com dois argumentos: as ruas cheias de apoiadores já seriam uma “fotografia” da demonstração de apoio que ele tem da população, o que poderia tranquilizá-lo, e sair das “quatro linhas da Constituição” é o que a oposição esperava que ele fizesse.
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