Jeferson Miola*
Julgar, condenar e prender Bolsonaro e seus comparsas operacionais não é só um ato de justiça, mas também uma demanda da democracia.
A condenação do bando criminoso flagrado no roubo, interceptação ilegal e venda de jóias, relógios e objetos de ouro pertencentes ao Estado brasileiro é uma providência essencial.
Mas esta será apenas uma medida parcial e incompleta enquanto o foco não for posicionado nos reais responsáveis por esta bandalheira sistêmica, que são as cúpulas partidarizadas das Forças Armadas.
Afinal, como justificou o Comando do Exército ao mandar o tenente-coronel apresentar-se fardado na CPMI dos atos golpistas, os delinquentes fardados “cumpriam missão militar”.
Numa notável síntese, o jornalista Otávio Guedes disse: “hoje a gente vai ver uma notícia interessante: uma joia trazida por um almirante, transportada por um avião da FAB e negociada por um general. Ou seja, almirante, general e FAB. Provavelmente a maior operação militar desde a guerra cisplatina”.
A essas alturas, com tudo o que vem sendo revelado sobre o envolvimento central de altos oficiais em crimes de distintas naturezas – de corrupção, genocídio a tentativas de golpe de Estado –, é inaceitável se restringir a responsabilidade criminal a Bolsonaro e seu entorno.
O omisso ministro da Defesa José Múcio Monteiro, representante das cúpulas partidarizadas perante o poder civil, mais uma vez confirma a máxima do Barão do Itararé – de onde menos se espera, é daí que não sai nada mesmo.
Até hoje Múcio não cobrou dos comandantes sequer a abertura de investigação dos oficiais flagrados nos ataques às instituições no 8 de janeiro. Pior: por lobby dele, o governo contemplou as Forças Armadas com 52,8 bilhões no PAC.
Contando com a camaradagem de Múcio, o comando do Exército mais uma vez prevarica para proteger os seus. Em nota, diz que “vem acompanhando as diligências”. Acompanhando …
E cinicamente afirma que “A Força não se manifesta sobre processos apuratórios conduzidos por outros órgãos”. Considerando-se como um Poder de Estado autônomo, justifica que “esse é o procedimento que tem pautado a relação de respeito do Exército Brasileiro com as demais instituições da República”.
O comando afirma ainda que “não compactua com eventuais desvios de conduta de quaisquer de seus integrantes”, mas na vida real nada faz em relação ao tenente-coronel, ao coronel, ao almirante e ao general implicados no esquema de roubo e venda de joias da União.
A solidariedade no crime não se restringe aos comandos militares da ativa. É também consignada aos bandidos fardados tanto pela família militar como por dirigentes do partido dos generais já na reserva. O general conspirador Sérgio Etchegoyen, por exemplo, saiu em defesa de Lorena Cid, pai do multi-delinquente Mauro Cid.
A despeito da imagem do colega de farda refletida na fotografia de uma escultura roubada, Etchegoyen declarou: “acredito e confio no general Cid. Conheço-o há muitos anos”.
Nunca antes como atualmente estas Forças Armadas que mais uma vez jogaram o país no precipício estiveram tão desmoralizadas e desacreditadas. E nunca antes a sociedade civil, as instituições da República e o poder político [Executivo e Legislativo] tiveram uma oportunidade tão favorável para enfrentar decididamente a questão militar no Brasil.
O desaproveitamento desta oportunidade histórica poderá cobrar um preço altíssimo, e não só do governo do presidente Lula, mas da democracia, pois as cúpulas partidarizadas das Forças Armadas continuam acalentando seu projeto próprio de poder militar.
* O Cafezinho
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