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Caos na Índia: O céu arde com cremações, diz repórter do New York Times

Os crematórios estão tão cheios de corpos que é como se uma guerra tivesse acontecido. O fogo das cremações queima o tempo todo. Muitos lugares estão realizando cremações em massa, dezenas de cada vez, e à noite, em certas áreas de Nova Délhi, o céu chega a arder.

Doença e morte estão por toda parte. Dezenas de casas no meu bairro têm pessoas doentes. Um dos meus colegas está doente. Um dos professores do meu filho está doente. O vizinho duas portas abaixo, à nossa direita: doente. Duas portas à esquerda: doente.

— Não tenho ideia de como peguei isso — disse um bom amigo que agora está no hospital, antes de sua voz sumir, doente demais para terminar a frase.

Ele mal conseguiu um leito. E o remédio que seus médicos dizem que ele precisa não é encontrado em nenhum lugar da Índia.

Estou sentado no meu apartamento esperando chegar a minha vez de ser infectado pela doença. É assim que a gente se sente agora em Nova Délhi, com a pior crise de coronavírus do mundo avançando ao nosso redor. O vírus está lá fora, eu estou aqui dentro e sinto que é apenas uma questão de tempo antes que eu também fique doente.

A Índia agora está registrando mais infecções por dia — cerca de 350 mil — do que qualquer outro país desde o início da pandemia, e esse é apenas o número oficial, que a maioria dos especialistas acredita ser subnotificado.

Nova Délhi, a extensa capital de 20 milhões de habitantes da Índia, está sofrendo um aumento desastroso do número de novos casos. Há alguns dias, a taxa de diagnósticos positivos de Covid-19 atingiu impressionantes 36% — o que significa que mais de uma em cada três pessoas testadas estava infectada. Há um mês, era menos de 3%.

As infecções se espalharam tão rápido que os hospitais ficaram completamente lotados. Pessoas são rejeitadas aos milhares. Os remédios estão acabando. O oxigênio que salva vidas também. Os doentes ficaram presos em filas intermináveis nos portões dos hospitais ou em casa, literalmente com falta de ar.

Embora Nova Délhi esteja sob quarentena, a doença ainda está se alastrando. Médicos em toda a cidade e alguns dos principais políticos da capital têm feito pedidos desesperados de socorro ao primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, nas redes sociais e na TV, implorando por oxigênio, remédios e ajuda.

Especialistas sempre alertaram que a Covid-19 poderia causar um verdadeiro caos na Índia. Este país é enorme — tem 1,4 bilhão de pessoas —, é densamente povoado e, em muitas regiões, é muito pobre.

O que estamos testemunhando é muito diferente do ano passado, durante a primeira onda de coronavírus na Índia. Antes, era o medo do desconhecido. Agora sabemos do que se trata. Conhecemos a totalidade da doença, sua escala e velocidade. Conhecemos a força terrível desta segunda onda, atingindo todos ao mesmo tempo.

O que temíamos durante a primeira onda do ano passado, e que nunca realmente se materializou, agora está acontecendo diante de nossos olhos: uma pane, um colapso, uma percepção de que muitas pessoas morrerão.

Como correspondente estrangeiro há quase 20 anos, cobri zonas de combate, fui sequestrado no Iraque e jogado na prisão em diversos lugares.

Isso é perturbador de uma maneira diferente. Não há como saber se meus dois filhos, minha esposa ou eu estaremos entre aqueles que terão um caso leve e depois recuperarão a saúde ou se ficaremos realmente doentes. E se ficarmos realmente doentes, para onde iremos? As UTIs estão cheias. Os portões de muitos hospitais foram fechados.

Uma nova variante conhecida aqui como “o mutante duplo” pode estar causando muitos danos. A ciência ainda é incipiente, mas pelo que sabemos, essa variante contém uma mutação que pode tornar o vírus mais contagioso e outra que pode torná-lo parcialmente resistente às vacinas. Os médicos estão muito assustados. Alguns com quem falamos disseram que haviam sido vacinados duas vezes e ainda estavam gravemente doentes, um péssimo sinal.

Então o que se pode fazer?

Tento ser positivo, acreditando que é um dos melhores impulsionadores da imunidade, mas me vejo vagando atordoado pelos cômodos do nosso apartamento, abrindo latas de comida e preparando refeições para meus filhos, sentindo como se meu corpo e minha mente estivessem virando mingau. Tenho medo de verificar meu telefone e receber outra mensagem sobre um amigo que está piorando. Ou pior. Tenho certeza de que milhões de pessoas já se sentiram assim, mas comecei a imaginar os sintomas: Minha garganta está doendo? E aquela dor de cabeça lá no fundo? Está pior hoje?

*Com informações de O Globo

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Por Celeste Silveira

Produtora cultural

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