Lição esquecida: “Quando a política entra pela porta da frente dos quartéis, a disciplina sai pela porta dos fundos”.
O que diz sobre a capacidade de avaliação dos comandantes militares brasileiros o apoio que deram a Jair Bolsonaro para que se elegesse presidente, governasse e tentasse se reeleger?
Conheciam o candidato melhor do que ninguém. Como soldado, ele se destacou em provas de atletismo, especialmente corridas de curta distância. Ganhou por isso o apelido de “Cavalão”.
Uma vez salvou um colega de morrer afogado. Foi garimpeiro enquanto vestia a farda, o que era proibido. Planejou atentados à bomba a quartéis para reclamar por melhor salário.
Processado na Justiça Militar, negociou seu afastamento do Exército em troca da patente de capitão. Foi proibido de frequentar ambientes militares. Nem seus filhos podiam.
Em depoimento ao núcleo de pesquisas da Fundação Getulio Vargas, o general Ernesto Geisel, o terceiro presidente da ditadura de 64, referiu-se a ele como “um mal militar”. Foi o que foi.
Limitado intelectualmente, sem nunca ter lido um livro como admitiu e disso se orgulha, entrou para a política como um lobista informal das Forças Armadas que não o reconheciam como tal.
Elegeu-se e se reelegeu sete vezes como deputado federal do baixo clero. Na Câmara, jamais ocupou posição de destaque, presidiu alguma comissão técnica ou aprovou um único projeto.
Treze candidatos disputaram a eleição presidencial de 2018 – entre eles, três que haviam governado Estados, três ex-ministros, um ainda senador e outro empresário.
Por que os comandantes militares, liderados pelo general Eduardo Villas Bôas, preferiram apoiar Bolsonaro a qualquer outro nome? Logo Bolsonaro, que conheciam tão bem?
Porque Bolsonaro tinha mais chances de impedir a volta da esquerda (Lula-Haddad) ao poder, e também da centro-esquerda (Ciro Gomes). Porque com Bolsonaro voltariam ao poder.
Era um despreparado? Sempre souberam que sim. Jamais pensaram o contrário. Mas Bolsonaro seguiria suas ordens, abriria espaço para eles no governo, privilegiaria suas pautas.
Generais veem soldados e oficiais como pessoas que lhes devem obediência. Missão dada, missão cumprida. A missão dada a Bolsonaro resumia-se a uma coisa vital: esquerda, nunca mais.
Não há militares de esquerda em nenhuma das três armas. Houve até 64 quando os poucos foram expurgados. A formação dos militares é pela direita, sempre foi, não é de hoje e jamais mudará.
De resto, sentem-se superiores aos civis e julgam-se donos da última palavra quando enxergam ameaças à República que proclamaram por meio de um golpe. Os Patriotas são eles.
Goste-se ou não, por obra e graça dos seus líderes, as Forças Armadas sairão menores do que entraram na aventura protagonizada pelo único presidente que não se reelegeu.
Tanto mais porque avalizaram seus atos mais extremos e irracionais com base no mantra do general Eduardo Pazuello de “manda quem pode, obedece quem tem juízo”.
Ordens absurdas que contrariam os regulamentos militares e as leis não se respeitam, aprendem os oficiais. Mas isso é só abobrinha. Se não fosse, não haveria golpes nem ensaios de golpe.
Não foi por obediência a Bolsonaro que os comandantes militares abrigaram na porta de quartéis milhares de radicais sublevados que pediam um golpe; foi por afinidade com eles.
Por que resistiram até hoje a retirá-los de lá? O que esperam acontecer para que se sintam dispensados de bater continência ao presidente eleito? Um milagre? Um atentado bem-sucedido?
Lula foi o presidente que mais encheu de dinheiro os cofres das Forças Armadas para modernizá-las; Dilma também. Bolsonaro encheu de dinheiro os bolsos dos oficiais; deu-se melhor.
A história do Brasil está repleta de páginas infelizes. No próximo domingo, mais uma será virada. É o que deseja a esmagadora maioria dos brasileiros.
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