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O papo de que o Golpe Tabajara causaria a suspeição de Moraes ignora a lei

Reinaldo Azevedo*

Que Jair Bolsonaro, Daniel Silveira e o senador Marcos do Val andaram tendo conversas perigosas, isso parece, convenham, inequívoco. A tramoia golpista buscaria atingir Alexandre de Moraes para impedir a posse de Lula. Até Flávio Bolsonaro admite que o encontro aconteceu — ele só não viu crime no que foi relatado por Do Val. Pois é… Vê-se que o cara é um advogado não praticante do direito. Ou não diria essa bobagem. Antes que volte ao Plano Tabajara — o “Mito” consegue desmoralizar até golpe de estado, e com isso não nego que seja perigoso —, quero de pronto contestar um troço que andou circulando nesta quinta: o Golpe Tabajara poderia levar à alegação de suspeição de Moraes. Besteira. Será que a defesa de Bolsonaro é assim tão ruim?

Embora negue, Do Val é um bolsonarista militante. Se ele não se sente assim, como disse numa “live”, aí se trata de mero conflito de identidade. Deve procurar um especialista em comportamento. Afinal, ele pensa como bolsonarista, age como bolsonarista, vota como bolsonarista. Nesse caso, o que o senador pensa sobre si mesmo não tem a menor importância. O relevante é o que pensa para os outros. Com esse perfil, todos se perguntam: “Mas que diabo deu na cabeça do rapaz?” Por que fez aquelas revelações? Tem mesmo a sua estranheza, e a justificativa não convence.

Entusiasta da candidatura filogolpista de Rogério Marinho (PL-RN) para a Presidência do Senado, passou a ser tratado como traidor em círculos da direita e da extrema-direita porque teria votado em Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Descontente, afirmou na quarta à noite que já havia concedido entrevista à “Veja”, que viria à luz na sexta, em que relatava a conspiração de Bolsonaro para impedir a posse de Lula e prender o presidente do TSE. O site da revista publicou a matéria na quinta. Como é? Uma corrente de cancelamento nas redes sociais o faria dizer coisa tão perigosa? Chegou até a anunciar a renúncia — e depois renunciou de renunciar…

Como os motivos de Do Val são um tanto obscuros — restaria a fraca suposição de que teria resolvido, abraçar, finalmente, uma boa causa —, logo se levantou a hipótese de o conjunto da obra fazer parte de uma grande tramoia para que a defesa de Bolsonaro viesse a alegar a suspeição de Moraes para atuar em processos que digam respeito a Bolsonaro. Olhem aqui: desconheço os motivos profundos de Do Val e não tenho interesse nenhum em mergulhar em sua psique, mas essa história de suspeição provocada é uma rematada bobagem, que encontra antídoto na lei.

O Artigo 256 do Código de Processo Penal é de uma clareza solar a respeito. Transcrevo:
“Art. 256. A suspeição não poderá ser declarada nem reconhecida, quando a parte injuriar o juiz ou de propósito der motivo para criá-la.”

Só para lembrar, também o Novo Código de Processo Civil traz a mesma vedação no Inciso I do Parágrafo 2º do Artigo 145, a saber:
§ 2º Será ilegítima a alegação de suspeição quando:
I – houver sido provocada por quem a alega;

Logo, não há a menor hipótese, nem longínqua, de que o imbróglio pudesse resultar numa bem-sucedida alegação de suspeição. De outro modo, imaginem: bastaria a um investigado ou réu provocar, sei lá, uma briga de rua com o juiz e pronto: seria ele a decidir quem conduziria seu processo ou o julgaria.

O ABSURDO

Do Val já mudou a versão sobre o encontro, admitido por Flávio, que manteve com Bolsonaro e Daniel Silveira. No depoimento oficial, disse à PF que o convite partiu do então presidente, mas que este se manteve calado durante o encontro, ouvindo o plano de Silveira: o senador gravaria de forma clandestina uma conversa com Moraes em que este admitiria (?) ter ido além de sua competência no comando do TSE, o que daria motivos para impedir a posse de Lula e para prender o magistrado. “Teria um carro com os equipamentos para fazer a captação do áudio e gravação” — o tal veículo aparece também em seu depoimento à “Veja”.

Mesmo nessa versão mais amena para o fujão, será mesmo que diminui o peso sobre as suas costas? A resposta é “não”. À PF, o senador repetiu o que dissera à GloboNews, mas não na entrevista coletiva: ao pedir um tempo para pensar, depois de supostamente ter alertado para a ilegalidade da operação, o “Mito” lhe teria dito que aguardaria a sua resposta. Ora, isso evidencia, então, concordância com o plano, não desconhecimento.

Mais: ainda que a verdade estivesse com o que o parlamentar afirmou na coletiva — Bolsonaro teria entrado mudo e saído calado —, a obrigação do então chefe do Executivo era chamar a Polícia Federal para dar voz de prisão a Silveira. O encontro aconteceu, confirma Flávio. À diferença do que diz o filho do ex-presidente, a conversa revelava uma tramoia criminosa.

O homiziado de Orlando se manteve em silêncio nesta quinta.

RELATO À VEJA
Nas duas entrevistas que Do Val concedeu à “Veja”, o papel de Bolsonaro na articulação do golpe é muito mais ativo — embora seu silêncio também fosse criminoso se verdadeiro. A revista publica o áudio. Reproduzo parte:

VEJA: De que forma o Bolsonaro falava?
DO VAL: Naturalmente. Igual tava falando comigo. Naturalmente. Ele não entende? Ele é sem noção das consequências.
VEJA: Ele chegou a usar para o para o senhor, falar para o senhor gravar?
DO VAL: Disse, sim. Que o GSI ia me dar o equipamento para poder montar para gravar. Aí eu falei assim, quando eu falei que ‘mas não vai ser aceito’. ‘Não, o GSI já tá avisado’. Quer dizer, já tinha validado a fala comigo. ‘Eles vão te equipar, botar o equipamento de escuta, de gravação e a sua missão é marcar com o Alexandre e conduzir o assunto até a hora que ele falar que ele, que ele avançou, extrapolou a Constituição, alguma coisa nesse sentido.’ Aí ele falou ‘ó, eu derrubo, eu anulo a eleição, o Lula não toma posse, eu continuo na Presidência e prendo o Alexandre de Moraes por conta da fala dele, que ele teria’.”

Não havia um repórter com uma arma apontada para a cabeça de Do Val para que fizesse tal relato.

A conversa por aplicativo entre Silveira e Do Val e a mensagem enviada pelo senador ao próprio Moraes abonam a versão mais gravosa da conspirata golpista. Vamos ver. Caso a investigação aponte que as coisas se deram mesmo da maneira como o parlamentar relatou à Veja, Bolsonaro fica ainda mais perto da Papuda do que antes. O encontro com a cadeia é certo. A marcha parece estar passando por um processo de aceleração. Ah, sim: não há como ignorar que, segundo disse à revista, o GSI era parte da tramoia, o que o general Augusto Heleno nega. Pergunto: teria como fazer o contrário?

“Suspeição de Alexandre?” Não mesmo! A possibilidade já era zero. Agora é negativa ao infinito.

*Uol

*Arte em destaque: O Globo

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Por Celeste Silveira

Produtora cultural

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