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A fortuna americana da família Cid

  • Irmão do tenente-coronel Mauro Cesar Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, comprou mansão de R$ 8,5 milhões nos EUA
  • Nos últimos anos, ele fez outras aquisições milionárias, incluindo uma casa na Flórida
  • Alguns dos negócios foram registrados em nome de um trust familiar, o “Cid Family Trust”
  • Daniel Cid operou “milícia digital” contra as eleições e disseminou fake news
    Polícia Federal investiga transações financeiras do clã no exterior

ARTHUR GUIMARÃES*

Quando decolou com Jair Bolsonaro rumo aos Estados Unidos, em 30 de dezembro de 2022, o então ajudante de ordens do presidente, tenente-coronel Mauro Cesar Barbosa Cid, já tinha planos de esticar sua temporada em terras americanas para além de Orlando, na Flórida.

Como ele próprio contou à Polícia Federal em 5 de abril, em depoimento ao qual o Metrópoles teve acesso, a partir do último dia de dezembro Cid saiu de férias, cruzou o país e foi visitar familiares na Califórnia.

O tenente-coronel do Exército, hoje em prisão domiciliar, precisava descansar. Já investigado em diversas frentes, por distribuição de fake news, vazamento de documentos sigilosos para tumultuar o processo eleitoral e pela suspeita de operar um caixa paralelo no Planalto que servia à família Bolsonaro, ele havia tido um mês de dezembro frenético. Esteve empenhado na tentativa frustrada de resgate das joias presidenciais retidas pela Receita no aeroporto de Guarulhos e no esforço para fraudar comprovantes de vacinas, o que acabaria resultando na operação que o levou à cadeia, meses depois, por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.

O faz-tudo de Bolsonaro não detalhou para os policiais o restante de sua programação nos Estados Unidos, mas seu roteiro lança luz sobre um rol de propriedades milionárias compradas e registradas em nome de sua família nos últimos anos em solo americano.

A começar pelo endereço principal que seria visitado na viagem à Califórnia, uma mansão de US$ 1,7 milhão (nada menos que R$ 8,5 milhões) onde vive seu irmão, Daniel Cid, um outro personagem do clã que também que já caiu na malha da Polícia Federal e do STF por envolvimento na difusão de fake news em favor de interesses bolsonaristas.

A mansão e o “trust”

A mansão está registrada oficialmente como propriedade de um trust de nome sugestivo: “Cid Family Trust”.

A propriedade tem um grande jardim e vista para as colinas que cercam a cidade. A paisagem estonteante foi registrada pela filha de Mauro Cid em um post publicado nas redes sociais em 13 de janeiro deste ano.

No ordenamento jurídico americano, trusts são um instrumento legal que permite a proprietários de bens, sejam eles fundos de investimento ou imóveis, deixarem a tutela do patrimônio a cargo de pessoas de confiança (daí vem o nome, em inglês), que ficam a cargo de administrá-lo.

Trata-se de um modelo bastante usado, por exemplo, para blindar patrimônios de eventuais problemas judiciais e garantir sua transferência futura para quem o proprietário original indicar. Os donos reais, as pessoas físicas, não aparecem nos registros oficiais — foi preciso cruzar os dados com outras fontes para descobrir que Daniel está ligado aos negócios.

Os trusts também são uma forma de obter benefícios fiscais e, ao mesmo tempo, um recurso que figuras conhecidas da política brasileira, como o notório Eduardo Cunha, já utilizaram para garantir mais privacidade — e menos transparência, por óbvio — para suas transações.

No caso em questão, a mansão registrada em nome da Cid Family Trust fica em Temecula, cidade vinícola encravada no sul da Califórnia, a cerca de 130 quilômetros de Los Angeles.

Cinematográfica, a propriedade (veja acima galeria de fotos) foi registrada em nome do trust em 2019. Tem 438 metros quadrados de área, com cinco quartos, quatro salas e uma confortável área de lazer que inclui piscina e fireplace. Em dois documentos americanos, junto ao nome do trust aparece também o nome do irmão do tenente-coronel que era ajudante de ordens de Jair Bolsonaro.

Mais propriedades

Pelo menos desde o ano de 2019, o trust da família Cid passou a ser dono, ainda, de outra casa, menor, avaliada em R$ 2,2 milhões e localizada na mesma cidade. Antes, o imóvel estava em nome de Daniel, como pessoa física. O irmão do tenente-coronel também aparece ligado a um terceiro imóvel em Temecula, vendido recentemente por ele pelo equivalente a R$ 3,3 milhões.

Segundo os registros oficiais do condado de Riverside, onde fica Temecula, foi no mês de março do primeiro ano do governo Bolsonaro que o principal bem, a mansão, foi posto em nome do trust.

A propriedade teve uma valorização considerável nos últimos anos. Sites especializados estimam que, atualmente, ela valha mais de US$ 2,2 milhões — algo próximo a R$ 11 milhões.

Nos Estados Unidos, o irmão de Mauro Cid fez, nos últimos anos, uma série de movimentações — inclusive financeiras e societárias — que chamam atenção.

 

O irmão “nerd” e a milícia digital
Até o ano passado, Daniel era apenas mais um brasileiro vidrado em tecnologia que fez carreira no setor de segurança digital na Califórnia. Quando começou a lançar mão das habilidades para ajudar Jair Bolsonaro na tentativa de fraudar as eleições e a disseminar mentiras sobre a pandemia de Covid-19, no entanto, ele entrou no radar da polícia e do STF.

Daniel Cid foi o criador e administrador do “brasileiros.social”, uma página virtual hospedada fora dos servidores tradicionais e ilustrada com a bandeira do Brasil. Foi nesse mesmo site que foi parar uma cópia de um inquérito sigiloso da PF alardeado em uma “live” pelo ex-presidente — na companhia do tenente-coronel Cid — para supostamente “provar” a manipulação do sistema eleitoral, segundo a delegada federal Denisse Ribeiro. O caso virou um inquérito que ainda tramita no Supremo.

O irmão “nerd” e a milícia digital

Até o ano passado, Daniel era apenas mais um brasileiro vidrado em tecnologia que fez carreira no setor de segurança digital na Califórnia. Quando começou a lançar mão das habilidades para ajudar Jair Bolsonaro na tentativa de fraudar as eleições e a disseminar mentiras sobre a pandemia de Covid-19, no entanto, ele entrou no radar da polícia e do STF.

Daniel Cid foi o criador e administrador do “brasileiros.social”, uma página virtual hospedada fora dos servidores tradicionais e ilustrada com a bandeira do Brasil. Foi nesse mesmo site que foi parar uma cópia de um inquérito sigiloso da PF alardeado em uma “live” pelo ex-presidente — na companhia do tenente-coronel Cid — para supostamente “provar” a manipulação do sistema eleitoral, segundo a delegada federal Denisse Ribeiro. O caso virou um inquérito que ainda tramita no Supremo.

*Mate´ria publicada com exclusividade pelo Metrópoles

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Irmão de ajudante de ordens de Bolsonaro postou inquérito sigiloso a partir de provedor no exterior

O inquérito sigiloso da Polícia Federal divulgado por Jair Bolsonaro em uma entrevista ao programa Pingos nos Is da TV Jovem Pan foi originalmente postado numa rede social alternativa chamada Mastodon pelo desenvolvedor Daniel Cid, irmão do ajudante de ordens do presidente da República, o coronel Mauro Jorge Cid.

O vazamento, tornado público na entrevista, levou o ministro Alexandre de Moraes a determinar a abertura de um inquérito contra o presidente da República.

Os metadados do documento foram acessados pela equipe da coluna sob a orientação do professor Miguel Freitas, pesquisador do Centro de Pesquisa em Tecnologia de Inspeção da PUC do Rio de Janeiro. Eles mostram que o inquérito foi arquivado no servidor brasileiros.social, mantido por Daniel Cid dentro da rede Mastodon, a partir de um provedor fora do Brasil, às 19h30 do dia 4, enquanto Bolsonaro dava entrevista.

Duas horas depois, o próprio Jair Bolsonaro replicou o link com o documento em seus perfis no Telegram, no Instagram, no Twitter e no Facebook. “Conforme prometido em entrevista ao “Pingos nos Is”, segue (sic) os documentos que comprovam, segundo o próprio TSE, que o sistema eleitoral brasileiro foi invadido e, portanto, é violável”, escreveu o presidente.

Segundo o TSE, as afirmações de Bolsonaro distorcem o conteúdo do inquérito aberto em 2018 sobre um ataque hacker ao sistema do tribunal, que nem sequer foi concluído.

A investigação foi pedida à PF pelo próprio tribunal, dez dias após o segundo turno das eleições, para apurar denúncias de um ataque aos sistemas da corte, mas não encontrou indícios de que o ataque tenha afetado o resultado das eleições. Segundo se soube lendo o inquérito vazado, o hacker entrou no sistema, mas não conseguiu acessar o módulo sigiloso das urnas.

Depois da live que Bolsonaro realizou no dia 2 de agosto lançando suspeitas sobre a segurança do processo eleitoral, e da entrevista do dia 4, na Jovem Pan, o próprio tribunal enviou ao ministro Alexandre de Moraes uma notícia-crime contra o presidente, o deputado Filipe Barros e o delegado da Polícia Federal Victor Neves Feitosa, responsável pelo inquérito.

No despacho que determina a abertura de investigação, Moraes afirma que o vazamento do inquérito sigiloso “teria o objetivo de expandir a narrativa fraudulenta que se estabelece contra o processo eleitoral brasileiro, com objetivo de tumultuá-lo, dificultá-lo, frustrá-lo ou impedi-lo, atribuindo-lhe, sem quaisquer provas ou indícios, caráter duvidoso acerca de sua lisura”.

A Mastodon vem sendo usada por Bolsonaro para postar conteúdos que foram depois banidos em outras redes, sempre por meio do brasileiros.social. Além do link para o inquérito sigilo, o presidente também já usou o mesmo expediente para divulgar uma cópia de uma edição do Diário Oficial e um artigo sobre os benefícios do “tratamento precoce” contra a Covid-19.

Conhecida por ser uma rede social “aberta”, ou seja, que não controla os conteúdos postados, a plataforma prevê que os controle seja feito pelos próprios usuários, que podem isolar quem esteja postando conteúdos ofensivos ou considerados mentirosos.

Perfis de Daniel Cid na rede social Mastodon

A rede social de extrema direita Gab, por exemplo, tentou se inserir na Mastodon depois de ser expulsa de outras plataformas, mas não foi aceita.

Para Freitas, da PUC-RJ, o servidor usado para postar, provavelmente foi escolhida para dificultar a retirada do conteúdo do ar. “Utilizar um servidor web como forma de compartilhar arquivos grandes não é uma prática atípica, mas em si. O que não é corriqueiro é utilizar um servidor próprio, hospedado no exterior e com dados de registro de domínio (DNS) ocultos. Isso indica uma tentativa de esconder a origem do material e torna tortuosa a identificação dos responsáveis.”

Além de irmão do coronel que é ajudante de ordens do presidente da República, Daniel Cid é filho do general da reserva Mauro Cesar Lourena Cid, colega de turma de Bolsonaro da Academia de Agulhas Negras (Aman) e ex-chefe do departamento de Comunicação e Cultura do Exército.

Nas redes sociais, Daniel Cid propagandeia a relação com Bolsonaro. “Muito orgulhoso do meu irmão e de seu trabalho ao lado do presidente do Brasil”, ele postou no dia da posse presidencial, em janeiro de 2019. “Ele é o militar sempre ao lado do presidente em todas as fotos”.

Metadados de publicação de Bolsonaro, feita na rede social Mastodon, mostra a hora e o servidor onde foi armazenado documento sigiloso

No início desta tarde, enviamos mensagens pedindo entrevistas a Daniel Cid por meio das redes sociais e procuramos o coronel Mauro Cid por telefone e via Secretaria de Comunicação da Presidência da República, perguntando sobre a postagem do inquérito.

Após receber nosso contato, Daniel Cid apagou os documentos que estavam arquivados no brasileiros.social e que haviam sido postados por Bolsonaro em suas redes. Também retirou sua foto e a identificação no perfil que mantém no Mastodon. No lugar, ele colocou no lugar um avatar de Hommer Simpson.

Atualização às 18h20: Daniel Cid entrou em contato com a equipe da coluna e informou que, assim que soube que a postagem era indevida, retirou o documento do ar.

“Eu já tirei do ar do servidor. Na hora que soube que não poderia estar lá”, afirmou.

*Malu Gaspar e Mariana Carneiro/O Globo

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