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Kid preto que monitorou Moraes, tinha acesso à conta bancária de Bolsonaro

Relatório do Coaf revela pagamentos de Jair Bolsonaro a militares.

Por Alice Maciel – Agência Pública

Apontado em denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) como um dos responsáveis por ter monitorado o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes em dezembro de 2022, a pedido do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o coronel Marcelo Câmara tinha permissão para movimentar a conta bancária do ex-presidente.

A informação consta no relatório de inteligência financeira do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) enviado à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos Atos Golpistas do Congresso Nacional, em julho de 2023. O documento mostra que o tenente-coronel Mauro Cid também tinha acesso às contas de Bolsonaro.

Militares do Comando de Operações Especiais (Copesp), conhecidos também como kids pretos, Cid e Câmara foram ajudantes de ordens da Presidência e estão entre os denunciados pela PGR de participar da trama golpista que culminou nos ataques do 8 de janeiro. Ambos foram indiciados também pela Polícia Federal, junto ao ex-presidente, no inquérito que apura o desvio de joias do acervo presidencial.

De acordo com o relatório do Coaf, além de representante legal da conta, Câmara recebeu R$ 3,9 mil de Jair Bolsonaro, em seis transações realizadas entre 20 de maio de 2022 e 14 de maio de 2023. Segundo a PGR, Câmara foi responsável por “coordenar as ações de monitoramento e neutralização de autoridades públicas”, em conjunto com o general da reserva Mário Fernandes.

Kid preto monitorava Moraes
Conforme investigação da Polícia Federal (PF), o coronel monitorou o ministro Alexandre de Moraes do dia 15 de dezembro de 2022 até o final do ano. Como prova, a PF apresentou trocas de mensagens entre ele e Mauro Cid sobre a localização do magistrado.

Em delação, Cid afirmou que a ordem para que o Câmara acompanhasse os passos de Moraes teria partido de Jair Bolsonaro, que o encarregava de fazer levantamentos quando “precisava fazer análise de alguma pessoa”, o que, em geral, seria feito para subsidiar suas decisões sobre nomeações. Procurado, o advogado de Marcelo Câmara, Eduardo Kuntz, afirmou que fará seus esclarecimentos nos autos.

Seis militares do Exército receberam um total de R$ 29,2 mil, entre maio de 2022 e julho de 2023, de contas de Jair Bolsonaro, segundo o Coaf. Cinco deles têm vínculo direto com o ex-presidente.

A exceção, o coronel da reserva Sérgio Luiz de Siqueira Vieira, foi quem recebeu o maior repasse, no valor de R$ 10 mil. Foram seis lançamentos, entre janeiro e julho de 2023. Conforme dados do portal da transparência, Vieira entrou para a reserva em 2004. Ele é sócio da agência de viagens e locadora de carros SG Nações. “Os valores que você citou que recebemos referem-se a aluguéis de carros para Jair Bolsonaro e família”, informou.

O primeiro-tenente Osmar Crivelatti, envolvido no caso das joias sauditas, também foi ajudante de ordens de Bolsonaro e recebeu R$ 9,7 mil em 19 lançamentos de maio de 2022 a maio de 2023.

Já o capitão Sandro Daniel Soares, que recebeu R$ 4,6 mil no mesmo período, foi assessor do gabinete presidencial até maio de 2022 e foi para a Secretaria-Geral da Presidência, onde ficou até dezembro daquele ano. Sua exoneração foi assinada pelo então secretário-executivo, o general da reserva Mário Fernandes, preso por suspeita de envolvimento na tentativa de golpe.

Uma reportagem do Brasil de Fato mostrou que Soares teria acessado dados pessoais do chefe da Receita Federal em 2019, em meio às investigações das rachadinhas.

Os outros três militares que receberam recursos do ex-presidente foram o capitão Marcus Antonio Machado Ibiapina (R$ 795), assessor na Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência até dezembro de 2022, e os segundos-sargentos Jossandro da Silva (R$ 2,6 mil) e Estácio Leite da Silva Filho (R$ 1,9 mil), nomeados para assessorar Bolsonaro após o fim de seu mandato.

A Agência Pública tentou contato por e-mail com Osmar Crivelatti, Sandro Soares, Marcus Ibiapina, Jossandro da Silva e Estácio Leita, mas não recebeu resposta.

Dinheiro circulou entre membros da caserna

O relatório do Coaf entregue à CPMI traz também informações sobre movimentações bancárias de Mauro Cid consideradas pelo órgão “atípicas e incompatíveis”. Conforme levantou a Pública, ele fez transações com sete militares da caserna.

A maior movimentação registrada foi com o segundo-sargento Luis Marcos dos Reis, preso na operação da PF sobre a suspeita de fraude no cartão de vacina de Bolsonaro. O militar depositou mais de R$ 70 mil na conta de Cid entre julho de 2022 e janeiro de 2023, conforme mostrou a Pública.

Mensagens encontradas pela PF no celular de Mauro Cid apontam que Dos Reis também participou do ato golpista do 8 de janeiro e teria recebido informações de Cid sobre o plano de golpe.

O advogado de Dos Reis, Alexandre Vitorino, ressaltou o segundo-sargento vendeu um carro para Cid e repassou os valores equivalentes. “Ele esclareceu isso na CPI. “O sargento não tem nenhuma relação com essa trama do golpe. O próprio inquérito da Polícia Federal, depois de ser concluído, limitou a responsabilidade dele relacionada a um cartão de vacina, nada mais”, acrescentou.

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Conspiração contra o ministro Alexandre de Moraes: ‘kid preto’ investigado na trama golpista confirma uso de celular do Exército

Pela primeira vez na investigação sobre a tentativa de ruptura institucional, um aparelho utilizado foi vinculado ao Exército brasileiro.

A defesa do tenente-coronel Rodrigo Bezerra de Azevedo afirmou que o aparelho celular apreendido pela Polícia Federal, na investigação do plano golpista associado ao governo Jair Bolsonaro (PL), era funcional e pertencia ao Comando de Operações Especiais do Exército Brasileiro. De acordo com investigadores, a trama envolvia o assassinato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), do vice-presidente Geraldo Alckmin e do ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes. Pela primeira vez um aparelho utilizado na operação golpista é vinculado ao Exército brasileiro. Segundo informações, aliados de Bolsonaro teriam desistido do plano golpista devido à falta de apoio do Comando do Exército.

O tenente-coronel está preso desde novembro do ano passado, suspeito de envolvimento na trama golpista. Segundo o Portal Uol, a defesa afirmou que ele não estava em Brasília no dia 15 de novembro de 2022, data em que uma suposta operação teria ocorrido perto da casa de Moraes, na capital federal. A defesa também alegou que ele só teve acesso ao aparelho funcional ao ser designado para assumir o comando do Centro de Coordenação de Operações (CCOp) do COPESP.

Investigadores da Polícia Federal apontaram que o esquema para a tentativa de golpe, com o objetivo de impedir a posse do atual presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, era dividido em seis núcleos. Cada núcleo, ou “departamento”, era responsável por uma tarefa específica.

Investigadores da Polícia Federal

Durante sua gestão, Bolsonaro buscou transmitir à sociedade a ideia de que o Judiciário dificultava o governo. Alguns de seus aliados chegaram a defender a participação das Forças Armadas na apuração do resultado da eleição de 2022. Na ocasião, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) venceu com 50,9% dos votos válidos (60 milhões), contra 49,1% (58 milhões) de Bolsonaro.

Em 2023, o Tribunal Superior Eleitoral condenou Bolsonaro à inelegibilidade por declarações golpistas feitas em 2022. Na época, o ex-presidente afirmou a embaixadores, em Brasília (DF), que o sistema eleitoral brasileiro não era seguro contra fraudes. Partidos de oposição denunciaram a declaração como tentativa de golpe.

A Polícia Federal indiciou Bolsonaro em três inquéritos: o plano golpista, fraudes em cartões de vacinação e a venda ilegal de joias que, por lei, deveriam pertencer ao Estado brasileiro e não poderiam ser incorporadas ao patrimônio pessoal.

Em 8 de janeiro de 2023, apoiadores de Bolsonaro cometeram atos violentos sem precedentes na Praça dos Três Poderes. Os manifestantes chegaram a ocupar os palácios presidencial, judicial e parlamentar, mas foram dispersados por forças de segurança em poucas horas.

Em resposta, a União apresentou um processo por atos contra o Estado Democrático de Direito. As investigações foram estabelecidas no inquérito 4874-DF, protocolado em julho de 2021 e relatado pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. Centenas de apoiadores do governo anterior foram condenados e mais de 1,5 mil, presos por determinação do tribunal ao longo dos últimos anos nesse âmbito.