Como é comum nos terceiro e quarto setores, as palavras ganham contornos alegóricos para fingir que elas não são o que realmente são. Assim, o bico ganha o glacê na nomenclatura e se transforma em empreendedorismo e todo o desastre que isso representa na vida das pessoas é jogado para os debates laterais. Aliás, o empreendedorismo cultural que, tempos atrás, já esteve muito em moda, traz um fato curioso, seus apologistas não vivem de empreendedorismo cultural, mas de palestras sobre o assunto.
É o charlatanismo do charlatanismo em que o sujeito dá aula daquilo que nunca viveu para dar testemunhos furados de algo sobre o qual não tem a menor ideia do que seja na vida real.
Assim é a vida de milhões de brasileiros vivendo em um país que se transformou na capital mundial dos ambulantes. Passamos o dia ouvindo as buzinas do carro do queijo, do pão, do ovo, da verdura, sem falar da multiplicação de cartões de visitas empilhados na caixa do correio com ofertas de serviços de encanador, eletricista, marceneiro, etc.
Esse país dos sacoleiros, que há poucos anos, a população nos governos de Lula e Dilma viveu o pleno emprego, com poder de compra, ocorre um fato curioso, tomados pelo fascínio do neoliberalismo por uma ideologia quase que religiosa, o empresariado brasileiro, no afã de não lucrar sobre o seu produto, mas sobre o seu empregado, acha uma maravilha ver seu consumidor precarizado, perdendo poder de compra, fechando a possibilidade de contar com crédito para consumir, e por aí vai. É o cachorro mordendo o próprio rabo.
O que se pode afirmar, sem medo de errar, é que, buscando uma régua que dê uma medida do nível intelectual do empresariado brasileiro, ele ostentará, sem dúvida, um troféu de burro motivado, pois não há no Brasil raciocínio mais ilógico do que o dessa gente.
Isso sem falar no pior, que é a vida de quem vive de bico, de como dorme e acorda sem saber se ele ou ela e sua família terão o que comer no almoço, já que não tem garantia de nada, depende da própria pessoa e de uma ação que lhe dê um retorno financeiro imediato para que, se trabalhar com venda, separe um dinheiro para realimentar o fundo do seu investimento e, dali, tirar a migalha que possibilitará a compra do seu alimento e de sua família.
Essa é a realidade nua e crua de quem vive do bico. E é esse conceito débil de economia que os neoliberais oferecem para fazer a economia bombar e acentuam isso na boca de Bolsonaro quando este arrota que, ou emprego ou direitos, sem reticências, como se a luz da economia pujante fosse a desregulamentação de qualquer lógica minimamente civilizada no mundo do trabalho.
Na verdade, o que assistimos é ao empobrecimento do país e o mesmo receituário da era FHC, que quebrou o Brasil três vezes em oito anos e, lógico, não implantou as medidas que Temer e, agora, Bolsonaro implantaram, porque não teve tempo para fazê-lo.
Mas o PSDB fez questão de participar da história desse desastre votando, de forma incondicional, a favor de todas as medidas que detonaram direitos e seguridades mínimas aos trabalhadores brasileiros.
Sobre os resultados disso na vida das pessoas, na verdade, um drama nacional, a receita de sempre, um silencioso cinismo que transfere para o precarizado a responsabilidade de sua precarização. Ou seja, cada pobre é juiz de si mesmo, o que eles nunca contam é que essa visão pândega é inatingível para aqueles que renunciaram da civilidade deixando-se levar pela ganância que coroaria, de forma permanente, seus lucros, sem ao menos desconfiar que, na outra ponta desse processo, aparentemente oposto ao dos degradados, estão aqueles que aplaudiram essa cadeia de degradação e que vão lamentar muito a falência de seus negócios.
*Por Carlos Henrique Machado Freitas