A burguesia adora falar em “meritocracia”, mas odeia Lula que veio da miséria e se transformou no maior presidente da história

Ninguém deu vara e ensinou Lula a pescar, até porque, de onde ele veio, fugindo da miséria, nem água tinha, que fará peixe.
Então, essa balela meritocrática do mundo corporativo é daquelas coisas importantes que não têm importância nenhuma.
Lula mostrou isso quando pegou um país aos cacos das mãos de Fernando Henrique Cardoso e elevou o Brasil à 6ª maior economia do planeta em que somente as classes C,D e E se transformaram no 16ª balcão de negócios do mundo. Classes, e é bom que se diga, no Brasil, sempre foram segregadas pelo sistema financeiro e empresarial.
Daí a frase fundamental de Lula: “Nós provamos que o pobre não era o problema. O pobre passou a ser a solução quando a gente o incluiu na economia desse país.”
Mas, por que Lula agiu assim? Porque, antes de “aprender a pescar” para a sua própria sobrevivência, Lula aprendeu a pensar.
Por isso, a nossa burguesia hipócrita adora falar em “meritocracia”, mas odeia Lula, que veio da miséria e se transformou no maior presidente da história.
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Farsa da meritocracia cria ressentimento explorado por populistas como Trump e Bolsonaro

Mérito é uma farsa. É assim que Daniel Markovits, professor de Direito na Universidade de Yale com um currículo invejável, começa seu livro “The Meritocracy Trap” (A armadilha da meritocracia, em tradução livre).

Se criticar a meritocracia não é novidade, o trabalho de Markovits chama atenção não só pela argumentação ao mesmo tempo profunda e acessível, mas principalmente por apontar que esse sistema não é bom nem mesmo para a elite.

De um lado, ele diz, a classe média não consegue pagar pela educação exclusiva da elite e fica excluída dos melhores salários, status e vantagens. De outro, os ricos têm enormes ganhos financeiros, mas levam vidas desgastantes e mais exigentes do que tinham as elites no passado.

Em entrevista à BBC News Brasil, Markovits explica os mecanismos pelos quais, na visão dele, a meritocracia gera desigualdade, cria ressentimento na classe média, e abre caminho para o populismo.

“A meritocracia produz uma elite que diz servir ao interesse público, mas que, na verdade, serve a si mesma. Dessa forma, o que faz é dar a todo o restante da sociedade uma razão poderosa para desconfiar das elites. E um elemento do populismo é a desconfiança em relação às elites”, diz.

Britânico, que passou os anos entre os Estados Unidos e a Inglaterra (e que conta adorar o Brasil), Markovits tem dois diplomas da Universidade de Yale, um da London School of Economics, além do doutorado na Universidade de Oxford. Entre as áreas de atuação, estão os fundamentos do direito privado, filosofia moral e política, e economia comportamental.

E o que Markovits diz sobre os constantes exemplos de pessoas que saíram de condições muito adversas e tiveram sucesso?

“A desigualdade que venho descrevendo é sistêmica, estrutural, mas não é absoluta. É sempre possível para as pessoas — ou por serem excepcionalmente talentosas ou por serem excepcionalmente sortudas — sair da armadilha”, diz. “Uma sociedade justa e eficiente não faz suas regras e políticas básicas com a exceção em mente, e sim com a maioria das pessoas em mente.”

O livro de Markovits sairá no Brasil pela Editora Intrínseca, mas ainda não tem data de publicação definida.

Leia os principais trechos da entrevista:

BBC News Brasil – A primeira frase do seu livro é: mérito é uma farsa. Como você define mérito?

Daniel Markovits – Mérito ou meritocracia é a ideia de que as pessoas devem se destacar não com base na classe social de seus pais, mas com base em suas próprias conquistas — em quão produtivas e habilidosas elas são. O problema do mérito na nossa sociedade é que se tornou um sistema fechado e auto sustentável em que ocorre o seguinte: as elites dão educação aos seus filhos de uma maneira que ninguém mais consegue pagar. Aí, as pessoas que têm acesso a essa educação incrível que ninguém mais consegue pagar, transformam o mercado de trabalho de forma que os trabalhos que pagam os melhores salários são exatamente os que exigem as habilidades que só a educação mais cara proporciona.

É um sistema fechado. Não estamos tratando das pessoas que vão bem na escola na maioria da sociedade, estamos falando de quem faz o seu melhor de acordo com um conjunto de padrões construídos especificamente para favorecê-las. É por isso que o mérito é uma farsa.

BBC News Brasil – Quais são as particularidades do ideal meritocrático em países com altos índices de desigualdade, como o Brasil?

Markovits – Tem dois pontos importantes. O primeiro é que em um país como o Brasil há muita desigualdade não-meritocrática — ou seja, uma desigualdade aristocrática antiga, em que elites herdam grandes propriedades ou outros tipos de capital. De forma hereditária, simplesmente. Ao mesmo tempo, o Brasil também tem uma classe profissional cada vez mais bem paga, como banqueiros e advogados que ganham muito dinheiro supostamente por suas habilidades. E é aqui que a meritocracia causa problema.

Em um estudo feito no Reino Unido, mas que reflete o que também ocorre em outros países, economistas mediram qual é o retorno para a sociedade de cada libra paga em salário para trabalhadores como lixeiro ou enfermeiro. O resultado é que, para cada libra paga a um professor, cuidador ou lixeiro, a sociedade tem 10 libras como retorno. Por outro lado, se olhar o advogado ou o banqueiro, o resultado é que os salários privados são maiores que os benefícios sociais. Assim, as pessoas que são supostamente super qualificadas, com salários enormes, na verdade produzem menos do que recebem. Enquanto isso, trabalhadores supostamente menos qualificados produzem benefícios sociais muito maiores que seus salários.

Em geral, você pensa que seu salário é seu mérito, mas é muito confuso e muito injusto.

BBC News Brasil – E o que você chama de herança meritocrática?

Markovits – Nos EUA, se você calcular a diferença entre o que uma família da elite investe na educação de seus filhos — taxas escolares, professores particulares, entre outros — e o que uma família da classe média investe e aplicar esse valor extra a cada ano no mercado de ações, isso dá muito mais que US$ 10 milhões por filho. No modelo aristocrático, isso seria a herança.

E é claro que esse investimento compensa. Apenas um a cada 75 americanos sem diploma de ensino médio terá ganhos ao longo da vida tão altos quanto a média de um advogado.

Todo esse dinheiro investido em capacitação dá às pessoas diplomas sofisticados, que geram enormes rendas, que, por sua vez, são investidas nos filhos e continua o ciclo em que a elite controla as vantagens.

BBC News Brasil – Mas, de tempos em tempos, vemos casos incríveis de pessoas que saem de condições muito pouco promissoras e conquistam posições consideradas de sucesso. Como você os explica?

Markovits – A desigualdade que venho descrevendo é sistêmica, estrutural, mas não é absoluta. É sempre possível para as pessoas — ou por serem excepcionalmente talentosas ou por serem excepcionalmente sortudas — sair da armadilha, partir de circunstâncias modestas e chegar a conquistas gigantes. Mas política social tem que ser feita para pessoas comuns, não para pessoas excepcionais. Uma sociedade justa e eficiente não faz suas regras e políticas básicas com a exceção em mente, e sim com a maioria das pessoas em mente.

BBC News Brasil – Você aponta que a meritocracia também prejudica os ricos. Como ela pode ser ruim para todos? E como você diferencia os efeitos para a classe média e a elite?

Markovits – A forma pela qual a meritocracia prejudica os mais pobres e a classe média é que, na hora de decidir quem entrará em uma vaga na universidade ou em um emprego, as pessoas com mais treinamento, cujos pais gastaram o que ninguém mais consegue gastar, terão os melhores resultados. Se você não é rico, não vai conseguir ter a melhor educação e será muito difícil entrar na elite por conta própria.

Por outro lado, todo esse treinamento que as crianças ricas têm não é divertido para elas, que estão sempre recebendo aulas particulares, lições de casa… Escolas particulares de elite nos Estados Unidos geralmente dão a alunos de 12 ou 13 anos até 5 horas de lição de casa. Você é constantemente testado. E a competição se tornou tão intensa que ter pais ricos não garante que você vai vencer.

Você também pode ser excluído, mesmo que tenha nascido com privilégios. Por exemplo, na década de 1990, a Universidade de Chicago admitia 75% dos candidatos. Este ano vai admitir 6%. Então, os ricos estão constantemente preocupados em serem excluídos e, quando eles conseguem esses altos empregos, os trabalhos exigem 70, 80 até 100 horas semanais de trabalho. Os ricos tornam-se uma espécie de mecanismo de sua própria exploração. É claro que eles ficam muito ricos com isso, mas não é uma vida divertida, significativa ou cheia de bem-estar. É uma corrida destrutiva, que prejudica até mesmo aqueles que a vencem.

BBC News Brasil – E quando você diz a estudantes da elite, como em Yale, que eles também estão nessa ‘armadilha’, como eles reagem?

Markovits – Uma das mudanças mais significativas na sociedade dos EUA nos últimos anos é que, há 20 anos, estudantes da elite se sentiam muito bem sobre si mesmos. Sentiam que mereciam suas vantagens e ansiavam por uma vida em que teriam admiração, riqueza e sucesso. Hoje, estudantes da elite estão incertos, com medo, e conscientes de que suas vantagens custam a exclusão de outras pessoas, e têm uma forte sensação de que pulam de desafio em desafio e não querem a vida dessa forma. Parece um pouco com 1968, no sentido de que os jovens privilegiados estão frustrados. E todas as outras pessoas na sociedade, que têm sido excluídas, estão ainda mais frustradas, com mais raiva e têm a sensação de que o sistema é prejudicial e injusto com elas. Acredito que os jovens veem o que está acontecendo e são uma força poderosa de transformação. Enquanto gerações anteriores queriam se tornar a estrutura de poder, os jovens de hoje querem desfazer a estrutura de poder.

BBC News Brasil – Nesse contexto, como você vê ações afirmativas como as políticas de cotas raciais nas universidades?

Markovits – Nesse ponto, os EUA e o Brasil têm semelhanças: são duas sociedades que foram construídas com base na escravidão e em uma incrivelmente brutal ordem de casta racial. É importante entender que essas formas de escravidão eram terríveis inclusive para os padrões de escravidão, em Roma, na Grécia antiga, na Europa medieval. Não era bom ser um servo ou escravo na França ou em Roma, mas ser um escravo nos Estados Unidos significava não ser considerado uma pessoa pela sociedade, era ser posse de uma pessoa. Era muito mais brutal. E o motivo pelo qual eu aponto isso é que os EUA e o Brasil ainda estão, necessariamente, no processo de reconhecer as formas de exploração racial que construíram esses países. E isso é separado da exploração econômica. Não é o caso de entender raça nos Estados Unidos ou no Brasil apenas pela lente de classe. E o que as ações afirmativas fazem é um pequeno passo para responder a séculos de uma brutal injustiça racial.

BBC News Brasil – O que você chama de “maternidade meritocrática”? Esse sistema afeta mulheres e homens de maneiras diferentes?

Markovits – Sim. Um exemplo específico mostra um fenômeno geral: na Faculdade de Direito de Yale, as mulheres são metade das turmas; nos mais requisitados escritórios de advocacia dos EUA, elas também são metade dos advogados iniciantes, mas se você analisa os profissionais em cargo sênior nesses escritórios, em torno de uma em seis ou uma em dez serão mulheres. Elas são metade nos primeiros anos da carreira, mas há uma grande queda nos estágios mais avançados. Por quê?

Há várias razões — assédio sexual no ambiente de trabalho, várias formas de injustiça de gênero no trabalho… Mas uma razão muito forte para isso é que em uma meritocracia, na qual a elite precisa educar seus filhos de forma intensa para manter o status familiar na próxima geração, isso exige pais extremamente qualificados para criar a criança meritocrática. Investir dinheiro não é suficiente. Você tem que direcioná-la de forma inteligente, ajudá-la quando se sentir estressada ou com incertezas, tem que ajudar na lição de casa e ensiná-la a trabalhar duro desde cedo. E essas são coisas que pais fazem melhor que ninguém — e, em um mundo sexista, quem ficará com essa tarefa será a mãe. Então o que você vê são mulheres da elite que têm uma educação tão elaborada quanto a dos homens, que começam carreiras fortes, e deixam o chamado mercado de trabalho para trabalhar como treinadoras para seus filhos. Afinal de contas, se você está em uma meritocracia, ser pai/mãe é um papel produtivo, porque produz o capital humano da próxima geração. Então essas mães são trabalhadoras meritocráticas. Essa é uma ação racional em uma sociedade meritocrática, mas tem uma gigantesca desigualdade de gênero associada.

É verdade que o período da gravidez e os primeiros meses após o nascimento são fases em que as mulheres quase que necessariamente têm um trabalho desproporcionalmente maior, mas acredito que o maior ponto aqui é o enorme esforço e atenção exigidos nos próximos 20 anos da vida desse filho. E isso é algo que poderia muito bem ser feito igualmente bem por homens ou mulheres.

Um dado interessante é que, se você quiser que a sociedade equilibre o trabalho doméstico entre homens e mulheres, uma das melhores formas de fazer isso é reduzir as diferenças salariais. Quando os profissionais mais bem pagos não têm salários tão maiores que as pessoas que recebem menos, homens ficam muito mais propensos a cuidar das crianças, porque em um mundo sexista os homens conquistam seu status com base no salário.

BBC News Brasil – O que o populismo tem a ver com a meritocracia?

Markovits – Há pelo menos duas conexões. A primeira é que a meritocracia produz uma elite que diz servir ao interesse público, mas que, na verdade, serve a si mesma. Dessa forma, o que a meritocracia faz é dar a todo o restante da sociedade uma razão poderosa para desconfiar das elites. E um elemento do populismo é a desconfiança em relação às elites. E vemos isso de forma concreta, como no exemplo dos banqueiros que colocaram a sociedade na crise financeira de 2007-2008. São pessoas que publicamente declaravam ser as mais inteligentes do mundo — que estavam empregando pessoas e construindo capital para todos, fortalecendo a economia -, mas que, na verdade, construíram riquezas gigantescas para eles mesmos e quase nada para os demais.

Outro ponto é que há uma espécie de psicologia obscura da meritocracia. O que expliquei antes, sobre a educação incomparável da elite, é uma forma de exclusão estrutural. Se você nasceu na classe média e não entrou na universidade ideal ou não conseguiu o melhor trabalho, a razão não tem a ver com você, individualmente, mas tem tudo a ver com estruturas de riqueza, poder e exclusão em uma sociedade meritocrática.

No entanto, o que a meritocracia faz é contar uma história que faz parecer que uma exclusão estrutural é, na verdade, uma falha individual. A meritocracia diz à pessoa que não passou na USP ou em Harvard que se ela tivesse sido um pouco mais estudiosa e dedicada, ela teria passado — ou seja, é culpa dela.

Há uma psicologia política muito sombria que aparentemente justifica a desvantagem. Se as suas desvantagens parecessem sem justificativas, imorais, naturalmente você procuraria argumentos sobre por que isso precisa mudar.

Mas se suas desvantagens parecem ser justificadas, isso produz raiva, ressentimento, e outros aspectos do populismo são a raiva, o ressentimento e a política destrutiva.

Dessas duas formas, a meritocracia cria as patologias que os populistas podem explorar e vemos isso nos Estados Unidos e também no Brasil, com Bolsonaro, que está jogando exatamente esse jogo.

Bolsonaro usa o ressentimento para desencadear batalhas culturais que, na verdade, não são as batalhas centrais das vidas das pessoas, a fim de conseguir apoio a uma espécie de autoritarismo em que ele vai atravessar todas essas elites e produzir quaisquer que sejam os resultados que ele se propôs.

BBC News Brasil – E para as eleições dos EUA, quais são os efeitos desse fenômeno que você descreve?

Markovits – A vitória de Trump em 2016 está muito conectada a esse fenômeno. Ele é exatamente o populista que levanta suspeita sobre as elites, que levanta a psicologia sombria das desvantagens para finalidades ainda mais obscuras. O trumpismo é um sintoma da desigualdade que eu descrevo.

No entanto, também acredito que a sociedade americana também começou a entender isso. A classe média nos EUA está entendendo que o que a prejudica não são imigrantes, não são pessoas negras, e sim uma estrutura econômica que mantém a classe média excluída dos bons empregos e vantagens. E acredito que inclusive a elite americana está começando a entender que não merece essas vantagens. Vemos isso no ciclo eleitoral.

Diferente de 2016, quando a sensação era de que Hillary Clinton não entendia por que Trump era tão popular, nesta eleição temos a sensação de que o Partido Democrata, e particularmente Joe Biden, entende o que está acontecendo e está fazendo uma campanha que fala com a classe média.

Estou otimista em relação ao futuro, de que a sociedade está cada vez mais entendendo o que deu errado estruturalmente e construindo vontade política para tratar isso. O tempo vai dizer.

BBC News Brasil – A própria palavra mérito é frequentemente citada por políticos. Neste mês, o ministro da Fazenda do Brasil, Paulo Guedes, usou o termo mérito ao defender a necessidade de maiores salários no topo do funcionalismo, como para o presidente e ministros do Supremo Tribunal Federal. Como você analisa o uso desse conceito na política?

Markovits – Isso é complicado. Há vários dados que mostram que, pelo menos para as pessoas mais ricas, salários mais altos não são necessários para que trabalhem. Elas continuarão a trabalhar mesmo que não recebam tanto assim.

Ao mesmo tempo, há um problema diferente que é o fato de a meritocracia ter criado uma diferença salarial gigante entre o que as pessoas podem ganhar no setor privado e no público. Por exemplo, na Inglaterra, em 1900, os salários mais altos eram de funcionários públicos. Se você quisesse ser rico no setor privado, tinha que ser dono de propriedades, você não ficava rico trabalhando. A forma de ficar rico trabalhando era ter um trabalho no governo.

Hoje o secretário do Tesouro dos Estados Unidos provavelmente ganha US$ 250 mil por ano, enquanto o presidente do JP Morgan talvez receba US$ 25 milhões por ano. Um juiz talvez ganhe US$ 200 mil por ano, enquanto um advogado sócio de um escritório muito lucrativo talvez ganhe US$ 5 milhões em um ano.

Os trabalhos públicos não pagam nem perto do que a iniciativa privada paga. E isso leva a uma grande migração de pessoas em empregos públicos para o setor privado e a uma questão de política de influência. Quando pessoas que trabalhavam no governo e vão para empresas privadas, grande parte do que fazem é usar suas conexões no governo para obter tratamento favorável.

Então salários mais altos para cargos no setor público que o ministro mencionou não resolveriam este problema. Não seriam altos o suficiente. Para solucionar essa diferença, seria necessária intervenção regulatória para reduzir esses salários extremamente altos no setor privado. Não há uma boa razão para um presidente de um banco receber US$ 25 milhões por ano.

BBC News Brasil – Como um homem britânico, com dois diplomas de Yale, um doutorado em Oxford, como você se vê nesse sistema que descreve?

Markovits – Eu ataco um sistema que de muitas formas me beneficiou e não escondo isso. Mas a natureza desse argumento não tem a ver com um depoimento pessoal. Não estou argumentando baseado em minha experiência. O que o meu livro faz e o que faço nesta entrevista é descrever fatos e conectá-los a causas econômicas, fazendo conclusões morais sobre eles.

BBC News Brasil – Considerando todos os danos da meritocracia que você mencionou, qual é a solução? Existe uma forma de realmente premiar esforço e dedicação de cada um?

Markovits – Temos dois pontos a serem trabalhados. O primeiro é democratizar a educação, com grandes investimentos públicos para educar mais gente e uma série de reformas para dificultar que escolas privadas se tornem tão exclusivas — ou seja, estimular essas escolas a terem mais alunos e mais alunos da classe média, dificultando que os ricos separem seus filhos no âmbito da educação.

Nos EUA, por exemplo, essas escolas privadas são organizadas como entidades filantrópicas, então elas têm isenção de imposto. Assim, o governo poderia retirar essas isenções se elas não tiverem diversidade econômica entre os alunos. Na Alemanha, Berlim proibiu creches de cobrar mais de 8 euros a mais, por mês, do que o Estado paga, então a cidade tornou quase impossível ter creches exclusivas incríveis. A melhor forma de fazer dependerá da política, Constituição e ordem social de cada país, mas é necessário pressionar a educação da elite para que essas escolas se tornem mais abertas.

O outro ponto está no mercado de trabalho: é preciso favorecer trabalhos da classe média. Isso exige inúmeras políticas diferentes, uma delas são os impostos. Nos EUA, a renda do trabalho da classe média é mais tributada do que qualquer outra renda. Outra é ter representação sindical em conselhos de empresas. Poderia inclusive haver um ministro da classe média, para promover os interesses desse grupo.

Politicamente, o ponto central é o seguinte: o sistema que temos hoje não ajuda ninguém. Não é bom para a classe média, que é excluída em termos de renda, status e vantagens. E também não é tão bom mesmo para os ricos, que têm enormes ganhos financeiros, mas não têm vidas que os tornam felizes. Politicamente, o ponto central é todo mundo perceber que todos nós temos algo a ganhar mudando esse sistema.

BBC News Brasil – O Brasil reformou a legislação trabalhista. De um lado, o governo disse que a ideia era flexibilizar as relações de trabalho. De outro, sindicatos argumentaram que seria uma precarização do trabalho. Um mercado de trabalho mais rígido ou mais flexível afeta a desigualdade?

Markovits – O que os neoliberais chamam de um mercado de trabalho flexível produz desigualdade. É realmente importante para a igualdade que os trabalhadores possam obter treinamento no trabalho e progredir dentro de suas empresas. E, quando você tem um mercado de trabalho flexível, fica muito difícil para as empresas treinarem seus trabalhadores, porque se uma faz isso, um concorrente dela vai contratar essas pessoas treinadas. Então, o que acontece é que ninguém treina e os profissionais que estão na base continuam na base.

 

*Lais Alegretti/BBC Brasil