Reinaldo Azevedo – Quem é o assassino de Benedito Cardoso dos Santos, 44 anos, na cidade de Confresa, no Mato Grosso? É Rafael Oliveira, 24. Santos, o morto, era eleitor de Lula; Oliveira, de Bolsonaro. Os dois se desentenderam em razão da divergência política. O primeiro teria acertado um soco no segundo. Este deu uma facada nas costas do outro e desferiu, depois, mais 16 golpes nos olhos, na testa e no pescoço. Tentou ainda decapitar a vítima com um machado. Mais: no celular do assassino, há fotos e vídeos do corpo barbarizado. Uma nota: Benedito está morto, e o soco é parte da versão do assassino. Tem a credibilidade que tem, dado o que veio depois.
Em julho, o policial penal Jorge Guaranho invadiu a festa de aniversário do militante petista Marcelo Aloizio Arruda, em Foz do Iguaçu, e o matou a tiros. Os assassinos são conhecidos. Mas e a força que os move? Cumpre evidenciar o contexto em que ocorrem essas tragédias. Obviamente se trata de um crime motivado por intolerância política, por ódio.
Não me peçam para cair na cilada de sair à cata de episódios em que petistas agridem bolsonaristas, momento em que se tenta apelar ao “outroladismo” para aliviar a responsabilidade daquele e daqueles que promovem e justificam a barbárie. Vamos ver.
VIOLÊNCIA
Nos dois casos citados, há aspectos chocantes. Guaranho já havia ido à Associação Recreativa e Esportiva da Segurança Física (Aresf), onde ocorria a festa de Arruda. Os dois frequentavam o local. Descobriu-se depois que um diretor da entidade lhe havia franqueado imagens do evento, captadas por câmeras de segurança. Tiveram um primeiro desentendimento. O criminoso foi para casa, deixou mulher e filho e voltou para matar o desafeto político. A evidente premeditação descarta o rompante.
É claro que Oliveira, que, corretamente, teve a prisão preventiva decretada, vai tentar alegar legítima defesa ou a tal “violenta emoção” — ou “medo escusável”, como diria Sergio Moro — decorrente do soco que teria levado.
Mas como explicar as 16 facadas na região do rosto, a tentativa de decapitação do cadáver e, Santo Deus!, a sede documental? Ele fotografou e filmou a sua obra sangrenta, como faria um escultor ou pintor satisfeito com o seu trabalho. Pode-se inferir, mas isso fica para os especialistas, que há no conjunto de atos traços de psicopatia. A ver. Não vou me dedicar a esse território puramente especulativo.
O ESTÍMULO
O que interessa debater, para a segurança social e para a civilidade política, é a linguagem que emana dos líderes. Tudo o que diz Jair Bolsonaro, o candidato à Presidência dos dois assassinos, concorre para apaziguar eventual propensão à violência ou serve como um convite e um gatilho — sem trocadilho — para que busquem, então, “extirpar esse tipo de gente”, para empregar a linguagem a que recorreu o presidente num evento de 7 de setembro, financiado com dinheiro público?
Tanto Lula como Bolsonaro têm milhões de eleitores. E há, em ambas as multidões, em princípio ao menos, os violentos e os lhanos, os tolerantes e os intolerantes. Então as questões se deslocam agora para os líderes? Estão em busca de partidários ou de fanáticos?
Bolsonaro não perde uma miserável oportunidade de tratar o adversário como inimigo e como elemento que tem de ser não vencido, mas eliminado; não derrotado, mas extirpado. Quem afirma estar numa luta do “bem contra o mal” transforma todos aqueles que com ele não se alinham em alvos a serem atingidos e, pois, eliminados. Ou alguém aceita a convivência com o mal?
Quem propõe a luta do “bem contra o mal” recusa a ideia de matizes entre os seus e os dos outros. Se aqueles que o seguem encarnam, por princípio, o bem, então tudo o que fizerem para tanto concorrerá. Para muitos, está dada a senha para o “faça você mesmo”; “vá lá e o elimine”. Da mesma sorte, são irrelevantes as ações daqueles que se alinham do outro lado: mesmo as mais generosas e benevolentes são encaradas apenas como o diabo em pele de cordeiro.
Aliás, essa tem sido outra constante na linguagem dos líderes religiosos que fazem campanha para Bolsonaro: quando, por alguma razão, são confrontados com uma obra considerada positiva no terreno adversário, evocam imediatamente o demônio para sustentar que se trata apenas de uma tentativa de ludibriar os inocentes. Sendo assim, o que se deve fazer com o diabo?
A violência é também simbólica, sempre com sede de destruição. Bolsonaristas levaram ao comício golpista do Rio a imagem da jornalista Vera Magalhães e a penduraram, num cartaz enorme, num guindaste. “Ah, como controlar as pessoas?” Errado. Ministros bolsonaristas demonizaram a jornalista nas redes.
Obviamente, há de se perguntar: “Lula faz a mesma coisa?” A resposta evidente: “não!”
NÃO VAI PARAR SE…
A caixa de Pandora da violência política foi aberta. E os males não cessarão de sair de dentro dela se o discurso de ódio, inclusive o dos políticos e empresários, não for severamente punido. Mas, aqui, a coisa começa a se complicar porque até a outrora chamada “grande imprensa” comete o grande equívoco de confundir com liberdade de expressão o estímulo ao crime e o crime propriamente.
Não sei se Bolsonaro ganha ou perde a eleição. Qualquer que seja o resultado, o risco é grande — maior ainda em caso de vitória.
Ele se considera a mão de Deus contra o inimigo. Associa Lula ao capeta até ao falar a crianças no Palácio da Alvorada. Estimula todos os dias os seus a não aceitar o resultado das urnas caso este lhe seja adverso — e isso corresponde a estabelecer um pacto com a violência. Se vitorioso, prometeu no discurso em Copacabana enquadrar até o Supremo no que ele chama “as quatro linhas da Constituição”. Quem fez e faz o que ele fez e faz para se reeleger diz qual é a natureza do seu compromisso com o texto constitucional.
É escandalosamente claro que Bolsonaro e seu entorno, incluindo os medalhões do Centrão e muitos de seus ministros, são os responsáveis políticos pela violência em curso. Ainda que certos crimes evidenciem traços de psicopatia de seus autores, parece ser uma psicopatia com lado — justamente o lado que não reconhece limites.
Também a imprensa brinca com o perigo quando transforma em alvos os empenhados em combater a violência política, confundindo crime com liberdade de expressão.
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