5 coisas que já sabemos sobre a operação da PF contra Ricardo Salles

As investigações já provocaram o afastamento do presidente do Ibama e quebra de sigilo bancário de Salles. Veja o que deve acontecer agora e 5 aspectos já conhecidos.

Um dia antes da deflagração da operação da Polícia Federal sobre a suposta participação do Ibama e do ministério do Meio Ambiente em um esquema de corrupção envolvendo madeireiras, o ministro Ricardo Salles recebeu EXAME para uma entrevista exclusiva no escritório do Ibama em São Paulo. “Com as mudanças nas instruções normativas (no Ibama), estamos tentando melhorar o modelo”, disse, quando perguntado sobre as polêmicas dass novas regras de fiscalização. Ele também falou sobre a atuação do crime organizado na Amazônia, que envolve o tráfico de madeiras e a mineração. Menos de 24 horas depois, o ministro se tornou alvo de um processo de investigação autorizado por Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), baseado em informações da PF. Veja, a seguir, os principais aspectos da operação.

O papel dos EUA na investigação

Autoridades americanas perceberam discrepâncias e falta de informações nos documentos apresentados pela empresa Tradelink, que extrai madeira no Pará, no processo de desembarque de três contêineres com produtos florestais no porto de Savannah, nos Estados Unidos, em janeiro do ano passado. A madeira foi exportada sem autorização do Ibama e ficou retida no porto americano. Um adido da Embaixada dos Estados Unidos em Brasília relatou o caso ao Ibama. Em fevereiro, o órgão ambiental brasileiro aboliu a necessidade de autorização especial para exportação de madeira da Amazônia e informou os Estados Unidos sobre a decisão.

O alerta de corrupção

A desconfiança de que a nova normativa do Ibama pode ter sido criada com o intuito de favorecer madeireiras que exploram ilegalmente os recursos naturais levou as autoridades americanas decidiram procurar a Polícia Federal (PF).

“À luz do exposto, o FWS [Serviço da Vida Selvagem e Pesca, órgão ambiental americano] tem preocupações com relação a possíveis ações inadequadas ou comportamento corrupto por representantes da Tradelink e/ou funcionários públicos responsáveis pelos processos legais e sustentáveis que governam a extração e exportação de produtos de madeira da região amazônica”, relataram os representantes da Embaixada americana em documento enviado à PF.

A denúncia contra Ricardo Salles

Segundo a PF, o presidente do Ibama, Eduardo Bim, afastado do cargo nesta quarta, 19, outros nove funcionários do órgão e o ministro Ricardo Salles, do meio ambiente, participavam de um esquema de corrupção montado para favorecer as madeireiras, reduzindo exigências para o transporte e venda de produtos florestais. A PF também investiga a flexibilização da fiscalização ambiental e do processo da emissão de multas. Também acusa Salles de ter movimentado, de “forma atípica”, cerca de 14,1 milhões de reais entre janeiro de 2012 e junho de 2020 por meio do escritório de advocacia do qual é sócio.

A defesa do ministro

“Sempre estive à disposição para esclarecer quaisquer questões, assim como os demais citados nessa operação”, disse Salles em entrevista coletiva na quarta. “O ministério do Meio Ambiente atua sempre com respeito às leis e entendemos que esse inquérito foi expedido de uma forma que acabou levando o ministro relator a erro, dando impressão de que haveria uma ação concatenada para fazer o destravamento do que quer seja”. O ministro também revelou que se encontrou com o presidente Jair Bolsonaro na quarta e explicou não haver “substância nas acusações”.

O que deve acontecer agora

Bim e outros nove funcionários do Ibama e do ministério do Meio Ambiente foram afastados de suas funções. Além disso, foi decretada a quebra de sigilo bancário de todos os acusados, incluindo Salles. Também deverá ser analisado o material encontrado em computadores, celulares e apelada confiscada em endereços residenciais do ministro e na sede do ministério do Meio Ambiente. As investigações continuam.

*Originalmente publicada na Revista Exame

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Homem de Salles no Ibama aproveita carnaval e libera geral a exportação de madeira nativa

A pedido de duas associações de madeireiros, o presidente do Ibama contrariou um laudo assinado por cinco técnicos de carreira da casa e acabou com a necessidade de que o órgão de fiscalização ambiental autorize a exportação de cargas de madeira retirada das florestas do país. A decisão está num documento assinado em plena terça-feira de carnaval.

Enquanto o país aproveitava o feriado, Eduardo Bim eliminou uma barreira legal que existia há oito anos e afrouxou a fiscalização sobre todas as empresas do país que derrubam e exportam madeira nativa. As duas associações que pediram e conseguiram a medida acumulam condenações a multas que somam R$ 15 milhões, em valores desatualizados.

Bim foi o primeiro nome anunciado pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, para compor sua equipe, ainda em dezembro de 2018.

Servidor de carreira da Advocacia-geral da União, Eduardo Fortunato Bim assinou em 2018 uma carta de juristas que anunciaram voto em Jair Bolsonaro no segundo turno. À época, era subprocurador do Ibama. Em textos jurídicos, defende a simplificação da legislação ambiental brasileira.

No início de fevereiro o superintendente do Ibama no Pará já havia emitido uma autorização retroativa de exportação. Com isso, ele resolveu o problema de cinco contêineres de madeira que haviam sido embarcados sem a licença do órgão por uma empresa britânica chamada Tradelink e acabaram retidos nas alfândegas dos países de destino.

O superintendente é um coronel aposentado da PM de São Paulo também nomeado por Salles. Com a medida, ele salvou a Tradelink de perder cargas que, somadas, valiam R$ 795 mil. A empresa acumula R$ 5 milhões em multas do Ibama – das quais pagou míseros R$ 12 mil. Caso o despacho de Bim já estivesse em vigor, Walter Mendes Magalhães Junior não precisaria ter feito algo que não está previsto nas normas do instituto.

O superintendente justificou a medida pelo “número reduzido de servidores” e a “grande demanda processual e fiscalizatória”. Em vez de nomear gente para fiscalizar as cargas e autorizar a saída de produtos de empresas que seguem a legislação, o presidente simplesmente eliminou a necessidade do Ibama fazer isso. É como se a Anvisa, alegando falta de mão de obra, adotasse como regra liberar todos os medicamentos para consumo sem análise prévia.

Em uma nota divulgada em jornais locais, o Centro das Indústrias do Pará celebrou a decisão de Bim, que “colocou em ordem as exportações de madeira legal e autorizada do Brasil e, particularmente, da Amazônia”.

Entre os servidores do Ibama, a decisão causou perplexidade. “Essa medida prejudica o nosso controle sobre as cargas que são exportadas, que é quando verificamos se elas têm origem legal. Com isso aumentam as chances de quem vende madeira ilegal sair impune”, nos disse um deles, sob a condição de anonimato.

Entidade de madeireiros que fez lobby por mudança na lei reúne empresas que colecionam R$ 15 milhões em multas ambientais.

Uma das entidades que pleiteou e obteve a decisão é a Associação das Indústrias Exportadoras de Madeiras do Pará. Conhecida pela sigla Aimex, ela reúne 23 empresas do setor que somam R$ 15,17 milhões em multas do Ibama por desmatamento entre 2003 e 2018. Os dados, públicos, são do próprio Ibama, embora o sistema que os reúne não seja atualizado desde outubro passado.

Cinco das 23 madeireiras e o dirigente de uma delas receberam sanções milionárias do Ibama por desmatamento. Todos têm participação direta na gestão da Aimex. Ari Zugman, da Brascomp, multada em R$ 1,27 milhão em 2003, é suplente do conselho de administração. Membro do conselho fiscal, Geraldo da Silva Junior, é sócio da Madeireira Ideal, multada em R$ 1,02 milhão em 2016.

A Rondobel Indústria e Comércio de Madeira, autuada em R$ 4,03 milhões em 2010, tem dois representantes na direção da entidade: Vinícius Belusso, suplente do conselho fiscal, e Fernanda Belusso, do conselho de administração. Outra empresa do grupo, a Rondobel Serviços Florestais, foi autuada em R$ 1,76 milhão em 2016.

O presidente do conselho fiscal da entidade, Arnaldo Andrade Betzel, é o único dos dirigentes a receber multas como pessoa física. Foram R$ 2,19 milhões, em 2018. Ele é sócio da Benevides Madeiras. A Tradelink Madeiras acumula R$ 4,9 milhões em multas em 2010 e 2017. A empresa é representada no conselho de administração da Aimex por Leon Robert Weich.

Pouco se sabe sobre a outra entidade que fez lobby no Ibama pela mudança, a Associação Brasileira de Empresas Concessionárias Florestais. Ela foi formalizada em dezembro de 2018, dias antes da posse de Bolsonaro. Não há nada a respeito dela na internet, exceto o esqueleto de um site sem nenhuma informação. Ainda assim, a Confloresta teve seu pleito atendido pelo Ibama. Quem assina o ofício da entidade é Fernanda Belusso, também da Aimex e da autuada Rondobel.

Mudança a toque de caixa

A vitória dos madeireiros sobre a preservação ambiental está contada num processo interno do Ibama que obtivemos pela Lei de Acesso à Informação. Em breves 22 dias, 18 documentos mostram como os interesses de quem vende madeira retirada da floresta colocaram no bolso os argumentos de servidores de carreira do principal órgão de fiscalização ambiental do país.

A autorização garantia que o exportador não estava colocando no contêiner uma carga diferente da que declarou.

 

*Com informações do Intercept Brasil