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Vacina, 5G e comunismo: o discurso casado de Bolsonaro e Trump contra China

Raramente uma semana passa sem que algum membro do governo de Jair Bolsonaro faça uma crítica à China. Em certos momentos, ela ocorre em público, por meio de frases do próprio presidente ou ministros. Mas também são várias as testemunhas que apontam como tal situação também faz parte dos bastidores da diplomacia em Brasília.

Não se trata de algo que ocorre por acidente. O governo brasileiro aderiu de forma explícita a uma ofensiva de Donald Trump, em possível fim de mandato, para frear a expansão chinesa, seja no comércio, em sua influência em entidades internacionais, na questão tecnológica ou mesmo em vacinas.

A percepção americana é de que o que está em jogo hoje é uma disputa pela hegemonia nos próximos 30 anos. Negociadores que circulam pela Casa Branca confirmaram à coluna que, nesse aspecto, o momento é o de construir muros para impedir que o eixo do poder se transfira definitivamente para a Ásia.

Essas mesmas fontes confirmam que, na administração americana, o papel do Brasil é considerado como estratégico na América Latina e nos organismos internacionais diante de um cenário de avanço da China em um mundo pós-pandemia.

Mas enquanto há um pacto neste sentido entre o Departamento de Estado norte-americano e o Itamaraty, a realidade das contas do Brasil aponta para uma outra direção. Hoje, mais da metade do superávit comercial do Brasil ocorre graças à sua relação com a China.

Dados oficiais do governo brasileiro indicam que, entre janeiro e setembro de 2019, o saldo positivo na balança comercial brasileira era de US$ 35 bilhões. Desses, US$ 20 bilhões vinham da China. Naquele momento, o Brasil mantinha um déficit pequeno com os Estados Unidos (EUA), de menos de US$ 400 milhões.

Brasil passou a ter relação mais deficitária com EUA em 2020

Mas, em 2020, com o desabamento da economia americana e barreiras impostas por Trump, o déficit do Brasil com os EUA superou a marca de US$ 3 bilhões. Se em 2019 o Brasil exportou US$ 22 bilhões ao mercado americano, o valor caiu para apenas US$ 15 bilhões este ano.

Já com a China, o caminho foi inverso. O país aumentou suas exportações ao mercado asiático, passando de US$ 46 bilhões em 2019 para US$ 53 bilhões em 2020, mesmo com a pandemia.

O saldo positivo do Brasil com os chineses, assim, passou de US$ 20 bilhões para quase US$ 29 bilhões. Se em 2019 a China representava 27% do destino de exportações do Brasil no período entre janeiro e setembro, essa taxa subiu para um patamar inédito de 33% em 2020.

Com esse salto, os chineses se distanciaram do segundo maior parceiro comercial do Brasil, os EUA. Em 2020, o mercado americano se contraiu para os produtos nacionais e representou apenas 9% dos destinos das vendas. Na prática, o Brasil exportou três vezes mais para a China.

“Hoje, do ponto vista econômica, o Brasil é mais depende da China que em qualquer momento da história”, disse Oliver Stuenkel, professor de Relações Internacionais na Fundação Getúlio Vargas (FGV) e coordenador do programa de pós-graduação da Escola de Relações Internacionais da FGV. “O que chama a atenção é que essa dependência aumentou”, disse.

Dependência do Brasil com a China deve continuar, avalia especialista

O especialista lembra que as taxas hoje do comércio brasileiro com a China se equiparam à situação que existia entre o Brasil e os EUA entre 1910 e 1914. “Nada indica que a dependência deixará de existir”, disse. Segundo ele, a recuperação mais rápida da economia chinesa pode inclusive aprofundar essa relação.

O desabamento nas exportações brasileiras para os EUA não se explica apenas por conta da queda da economia americana. No setor siderúrgico, por exemplo, o país abriu mão de parte de sua cota de exportação para o último trimestre de 2020, a pedido do governo Trump.

O compromisso é de que, em 2021, essa cota de cerca de 290 mil toneladas avaliada em milhões de dólares será compensada. Mas o que ficou nas entrelinhas das negociações era que a suspensão das vendas brasileiras ajudaria um setor econômico americano que poderia apoiar Trump na eleição.

A briga pelo 5G

Se os números do comércio apontam para uma dependência cada vez maior da China, na diplomacia o esforço vai justamente no sentido contrário.

Desde o início de seu governo, Donald Trump proliferou diferentes frentes de tensão contra a China. Washington aplicou barreiras no valor de mais de US$ 350 bilhões contra bens chineses, acusou empresas de Pequim de serem usadas no setor de tecnologia e de internet de espionar cidadãos e interesses americanos, criticou o governo chinês pela repressão em Hong Kong e contra a minoria muçulmana, ampliou a tensão nos mares da China e, mais recentemente, usou a pandemia para tentar denegrir a imagem do país.

Um dos aspectos mais críticos desse confronto é a tecnologia de comunicações, e a disputa por contratos de 5G seria apenas a primeira fase de uma crise maior entre as duas potências. O Brasil, portanto, é parte dessa guerra, ao ser cobiçado por ambos.

Há poucos meses, o procurador-geral dos EUA, William Barr, alertou que o avanço chinês nesse campo das telecomunicações 5G é uma das principais ameaças econômicas e de segurança nacional dos Estados Unidos. Segundo ele, se esse controle for estabelecido, Pequim usaria sua estrutura para impor uma vigilância a todos.

Segundo Barr, a Huawei e ZTE são responsáveis por cerca de 40% do mercado global de infraestrutura 5G, num mercado avaliado em trilhões de dólares.

 

*Jamil Chade/Uol

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Por Celeste Silveira

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