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Bolsonaro faz da viola um fuzil e do Brasil um cemitério também da decência

Reinaldo Azevedo – O presidente Jair Bolsonaro participou de um evento no sábado, sobre o qual me estenderei daqui a pouco. Ganhou de presente uma viola. Para saudar a platéia, não hesitou: usou o instrumento como se fosse um fuzil, simulando dar tiros. Empresários aliados, consta que ligados ao agronegócio, riram às escâncaras. Acharam graça naquele que vislumbra mortos onde outros encontram música. A perversão brasileira perdeu a timidez.

Convenhamos: ela sempre esteve entre nós. Traduz-se na ainda fabulosa miséria em um país rico; na fome que varre essas terras extensas, que exportam alimentos para o mundo; nas taxas fabulosas de homicídio. Tudo faz sentido. Temos um presidente que simula em uma viola um fuzil. Temos produtores de alimentos para exportação em terra de esfomeados que acham isso engraçado.

Explica-se. Bolsonaro foi convidado a falar no 1° Encontro Fraternal de Líderes Evangélicos da Convenção Estadual das Assembleias de Deus Madureira (Conemad), no Setor Campinas, em Goiânia. O gesto com a viola se deu fora do templo, em uma das tendas armadas para que ele se encontrasse com políticos e empresários. Vocês já notaram, claro!, uma outra perversão: a mistura de religião, política e negócios.

O presidente, assim, estava num ambiente destinado, salvo melhor juízo, à celebração da palavra de Deus e aos ensinamentos de Cristo. E ele o fez tangendo as cordas da morte. Que Deus é esse que nem mesmo negocia — já nem falo de “perdão” porque a palavra se torna excessiva —, mas mata? O que se anda a pregar em certas igrejas evangélicas? Sigamos.

Em seu discurso aos fiéis, Bolsonaro voltou a fazer a defesa do tratamento precoce contra a Covid-19 — e, pois, de drogas comprovadamente ineficazes —, o que não deixa de ser outra forma de celebrar a morte onde se deveria falar de vida; voltou a atacar o Supremo e o TSE, afirmando, o que é mentira, que os tribunais agridem a Constituição, e, uma vez mais, acenou com um horizonte sangrento, ainda que de maneira velada. E tudo isso, reitere-se, num espaço em que lideranças religiosas dizem celebrar a mensagem do Cristo.

Saiu-se com esta:
“Eu tenho três alternativas para o meu futuro. Estar preso, ser morto ou a vitória. Podem ter certeza: a primeira alternativa, preso, não existe. Nenhum homem aqui na Terra vai me amedrontar. Tenho a consciência de que estou fazendo a coisa certa. Não devo nada a ninguém”.
Mais adiante, voltou ao ponto:
“Preso jamais! Vivo, dependo de Deus. Com a vitória, ao lado de vocês”.

É evidente que o presidente está falando de um cenário de conflagração. Só continua no poder, dentro das regras do jogo, se vencer a eleição do ano que vem. Hoje, ele perderia feio. Quanto a ser ou não preso, isso não depende de sua vontade, mas da resposta que a Justiça der aos processos em que é ou em que será investigado. Os crimes de responsabilidade desaparecerão quando deixar a Presidência. Os comuns não. Sobreviverão ao seu mandato e apenas migrarão para a primeira instância quando perder foro especial.

OS CRIMES
Não custa lembrar que ele é alvo hoje de cinco inquéritos — um deles é administrativo e corre no TSE em razão da live de 29 de julho, quando prometeu apresentar provas sobre fraudes nas urnas eletrônicas, o que não fez. Os outros quatro tramitam no STF, três deles sob a relatoria de Alexandre de Moraes:
– interferência indevida na PF, conforme acusação feita por Sérgio Moro;
– vazamento de dados de inquérito sigiloso;
– ataque às urnas eletrônicas como parte da organização criminosa que produz fake news para desestabilizar as instituições;
– prevaricação no caso do esforço para comprar a Covaxin — este sob os cuidados de Rosa Weber.

A CPI da Covid já afirmou que ele deve ser indiciado por charlatanismo e curandeirismo — ao menos por enquanto.

E, claro!, as coisas podem não parar por aí a depender do que venha a fazer. Como bem lembrou o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo, em artigo publicado na Folha, neste sábado, o Código Penal pune certos comportamentos delituosos. Transcrevo um trecho:

“O projeto de lei há pouco aprovado pelo Parlamento brasileiro, que revogou a Lei de Segurança Nacional, desdobrou esse crime em vários delitos autônomos, inserindo-os no Código Penal, com destaque para a conduta de subverter as instituições vigentes, “impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”. Outro comportamento delituoso corresponde ao golpe de Estado, caracterizado como “tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído”. Ambos os ilícitos são sancionados com penas severas, agravadas se houver o emprego da violência.

Se Bolsonaro vai ou não ser preso, na hipótese de não ser reeleito — ou se condenado depois de se tornar réu numa ação penal, o que o obrigaria a afastar-se do cargo —, eis um caso em que, por óbvio, não é ele a decidir, mas a Justiça.

Quanto a morrer… Bem, como diria ele mesmo, “todo mundo morre um dia”. Ocorre que, no cenário em que ele articula as três opções, é visível que conta com apenas uma: vencer. E, no contexto, vencer significa o quê?

MORRER NÃO! E MATAR?
O ato convocado para o dia 7 de setembro prega a aprovação do “voto impresso” — questão já sepultada pelo Congresso. Nas redes, o Dia da Vitória traz uma pauta adicional: fechar o Supremo. A malucada pede o impossível para obter um ganho político, ou parte significativa dos celerados acredita mesmo que é agora ou nunca? Creiam: muitos acham que o caminho é mesmo esse.

É certo que Bolsonaro não quer morrer. Mas seu uso da viola parece demonstrar a disposição para matar. Os quase 700 mil cadáveres produzidos pela Covid-19 não lhe mataram a fome, tudo indica.

Preso, como se nota, ele diz que não vai porque está certo de que os tanques o protegerão da lei. Logo, resta-lhe vencer. Como, hoje, ele perderia a eleição, é evidente que está falando de novo, pela undécima vez, em golpe de estado. Já afirmei aqui e reitero: não vejo a possibilidade de algo parecido se sustentar no país. Mas é claro que coisas muito graves podem acontecer havendo um desordeiro na Presidência.

CONCLUO
Que tipo de gente usa a viola para fazer a apologia das armas num evento religioso? Que tipo de gente acha isso engraçado e aplaude? Que tipo de gente condescende com quem anuncia, com todas as letras, que, em nome da lei, pode violar a lei?

São as pessoas que fizeram o segundo maior exportador de alimentos conviver cinicamente com a fome.

São os que transformaram num grande cemitério o país antes conhecido mundialmente pela eficiência na imunização em massa.

São o que mandam o SUS às favas e já dizem sem receio: “Quem pode mais chora menos”.

Vão perder. Mas darão trabalho.

*Reinaldo Azevedo/Uol

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Por Celeste Silveira

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