Política de venda de ativos e foco no pré-sal, que deu lucros recordes à estatal, será alterada pelo governo Lula.
Nicola Pamplona*
Nos quatro anos de governo Jair Bolsonaro (PL), a Petrobras acumulou um lucro de R$ 358,3 bilhões, em valores corrigidos pela inflação, o que levou a empresa a distribuir um total de R$ 289 bilhões em dividendos, quase seis vezes mais do que a média dos últimos quatro governos.
A estratégia de concentrar atividades no pré-sal e vender ativos em áreas consideradas não prioritárias agradou o mercado financeiro, mas se tornou alvo de críticas de sindicatos e da então oposição, que agora no governo promete mudar o foco da companhia.
Segundo levantamento feito por Einar Rivero, da TradeMap, o lucro acumulado pela Petrobras no governo Bolsonaro é 2,6 vezes a média dos últimos quatro governos, já considerando a inflação do período —a conta soma os resultados do início do segundo mandato de Dilma Rousseff e dos anos Michel Temer.
Com a promessa de gerar valor aos investidores, a estatal distribuiu 5,8 vezes mais dividendos e caiu nas graças do mercado financeiro ao se tornar uma das empresas que melhor remuneram acionistas no mundo.
O valor distribuído representa 80% do lucro total da companhia. A maior relação em gestões anteriores foi observada no primeiro governo Dilma, quando a empresa retornou aos acionistas valor equivalente a quase metade do lucro.
A relação entre os elevados dividendos e o baixo investimento, que equivaleu a apenas um terço da média dos últimos quatro governos, é um dos principais alvos de crítica do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e seus aliados.
“A Petrobras, ao invés de investir, ela resolveu agraciar os acionistas minoritários com R$ 215 bilhões, tendo um lucro de R$ 195 bilhões. E quanto foi o investimento da Petrobras? Quase nada”, criticou o presidente da República, após a estatal anunciar o maior lucro da história das companhias abertas brasileiras.
A estratégia de vender ativos e priorizar investimentos no pré-sal foi iniciada ainda na gestão Michel Temer, que substituiu Dilma Rousseff após o impeachment de 2016, e reforçada após a posse de Bolsonaro.
Crítico do que chamava de timidez da gestão Pedro Parente quando era conselheiro da companhia, Roberto Castello Branco, o primeiro presidente da Petrobras sob Bolsonaro, iniciou sua gestão anunciando que aceleraria as vendas de ativos e prometendo melhor retorno aos acionistas.
Nos quatro anos de Bolsonaro, segundo o pesquisador do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) Cloviomar Carneiro, a estatal fechou 64 operações de vendas de ativos, com valor total de US$ 33,9 bilhões (R$ 177 bilhões, pelo câmbio atual).
Na gestão Temer, foram 15 operações, somando US$ 17,6 bilhões (R$ 92 bilhões). Com Dilma, foram 16 operações, a US$ 8,3 bilhões (R$ 43 bilhões).
Carneiro destaca que os argumentos para as vendas também variaram: com Dilma, eram a redução do endividamento da companhia, que atingiu seu maior patamar histórico; Temer incluiu a abertura de mercado para empresas privadas; e Bolsonaro, quis, além dos dois, concentrar o foco no pré-sal.
O diretor-técnico do Ineep (Instituto Nacional de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás e Biocombustíveis), Mahatma dos Santos, pondera que a comparação de dados financeiros entre os diferentes governos pode ser distorcida por questões conjunturais.
Mas que, do ponto de vista de gestão, a Petrobras nos governos petistas ampliou investimentos e o endividamento após a descoberta do pré-sal, que demandou pesados aportes e plataformas e infraestrutura logística.
A dívida da empresa atingiu seu maior patamar nos quatro anos divididos entre Dilma e Temer, quando bateu a média de R$ 531 bilhões segundo o levantamento da TradeMap.
Nesse período, a Petrobras teve prejuízo acumulado de R$ 38,1 bilhões, com o reconhecimento de perdas com depois investigados pela Operação Lava Jato que acabaram não saindo do papel, como o Comperj (Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro), por exemplo.
Além dos investimentos elevados e das perdas com corrupção, porém, contribuiu para a deterioração financeira da companhia o represamento dos preços dos combustíveis, principalmente às vésperas da campanha pela reeleição de Dilma em 2014.
A então presidente da Petrobras, Graça Foster, passou o ano tentando elevar os preços para manter a dívida dentro do esperado, mas quem decidia era o ministro da Fazenda Guido Mantega, que só autorizou aumento após o segundo turno.
Com uma política de preços mais alinhada às cotações internacionais, a venda de ativos e a redução do investimento nos anos seguintes, a dívida caiu a R$ 378 bilhões, em média, durante a gestão Bolsonaro.
“A Petrobras saiu de uma empresa que tinha um projeto estratégico nacional, de forte incidência na dinâmica produtiva brasileira para uma empresa menor, com patrimônio menor, com restrições de investimentos e que não olha mais o setor energético de forma integrada”, diz.
O Ineep é ligado a sindicatos e defende a retomada dos investimentos pela empresa. Para Santos, o modelo da última gestão “coloca em risco a sustentabilidade operacional e financeira” da empresa, já que investimentos no setor têm longo prazo de maturação e o mundo caminha para a transição energética.
Os primeiros movimentos do governo atual no sentido de diversificar os investimentos, porém, têm sido recebidos com cautela pelo mercado. Nesta semana, por exemplo, a Petrobras anunciou parceria com a norueguesa Equinor para estudar a construção de usinas eólicas marítimas no país.
A resposta de investidores, que questionam o elevado custo desses projetos e seu impacto nos dividendos, levou o presidente da estatal, Jean Paul Prates, a gravar um vídeo afirmando que é um processo ainda embrionário, que requer estudos e que só será levado adiante se fizer sentido econômico.
Em sua primeira teleconferência com analistas, Prates já havia tentado tranquilizar analistas sobre a retomada dos investimentos, dizendo que a empresa só aportará recursos em projetos rentáveis e após amplo debate. “Se alguém tem dúvida disso, vamos ter que provar que é bom ser sócio do governo.”
*Nicola Pamplona/Folha
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