Presidente e o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, têm feito críticas públicas a exigências da farmacêutica.
BRASÍLIA – A tentativa do presidente Jair Bolsonaro de responsabilizar laboratórios pela falta de oferta de vacinas no Brasil esbarra na demora do próprio governo em fechar acordos com os fabricantes. No caso da Pfizer, responsável pelo imunizante que já foi autorizado em mais de 40 países, o Ministério da Saúde assinou um memorando para aquisição de 70 milhões de doses em 2021, mas o papel não garante o negócio. Além disso, tanto Bolsonaro quanto o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, têm feito críticas públicas a exigências da farmacêutica.
Ao falar com apoiadores na segunda-feira, 28, o presidente questionou a razão de nenhum fabricante ainda ter pedido o aval da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para distribuir vacinas no País. “O Brasil tem 210 milhões de habitantes, um mercado consumidor de qualquer coisa enorme. Os laboratórios não tinham que estar interessados em vender para a gente? Por que eles não apresentam documentação na Anvisa?”, indagou Bolsonaro a um grupo de apoiadores no Palácio da Alvorada, em Brasília.
Após a declaração, a Pfizer reagiu e divulgou uma nota em que justifica a ausência de um pedido de uso emergencial do seu imunizante justamente pela falta de acordo com o governo brasileiro. O laboratório disse que só poderia cumprir exigências da Anvisa, como definição de quantidade de doses e cronograma, após a “celebração do contrato definitivo”, o que ainda não ocorreu.
A empresa ainda informou ter desistido do aval emergencial, o que poderia acelerar o calendário de vacinação, e optou por manter apenas a ideia de entrar com pedido de registro definitivo. O motivo alegado é que os dados de desenvolvimento da vacina já estão sob análise da Anvisa, no processo chamado de “submissão contínua”.
Pressionada para ser célere na liberação dos imunizantes, diretores da agência convocaram uma reunião com representantes da Pfizer para esta quarta-feira, 30. Segundo apurou o Estadão, a ideia é discutir dúvidas sobre o trâmite para o aval às vacinas. A Anvisa já realizou encontros do mesmo tipo com representantes da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), da AstraZeneca e do Instituto Butantã (que desenvolve a Coronavac).
Em audiência pública na Câmara dos Deputados, no começo de dezembro, o presidente da Pfizer, Carlos Murillo, já havia citado que a demora em fechar um contrato com o governo brasileiro criava “limitações” sobre a disponibilidade de doses. “O concreto da oferta da Pfizer é 70 milhões com um quantitativo que vai começando quando sair o registro da Anvisa, que deve ser em janeiro, e vamos aumentando esse quantitativo à medida que transcorre o ano. Quanto mais demorarmos em assinar o contrato, menos segurança em termos essas doses lá na frente. Alguns países assinaram um tempo atrás e, por isso, já estão começando a vacinar. No Brasil estamos perto, vamos conseguir, mas não assinamos, o que cria obviamente uma limitação de segurança sobre a disponibilidade das doses”, disse Murillo, na ocasião. Procurada nesta terça-feira, 29, a Pfizer disse que “em momento algum perdeu interesse no Brasil”.
Em entrevista na noite de terça-feira, o secretário-executivo do Ministério da Saúde, Elcio Franco, questionou a justificativa dada pela empresa. Segundo ele, a avaliação para uso emergencial da Anvisa é semelhante ao da FDA (Food and Drug Administration), agência federal do departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos. “Me causa espécie o pronunciamento de que estava com dificuldade pelas solicitações da Anvisa. Os aspectos são os mesmos da FDA para uso emergencial. Eu que estranho que a Pfizer pense dessa forma. Não temos os detalhes da submissão que está acontecendo. É diálogo do laboratório com a Anvisa. Não sei se faltou uma folha, uma planilha…. Dessa forma não temos como estimar quando será concedido (o registro da vacina)”, disse Franco, o “número dois” da pasta comandada por Pazuello.
Plano federal prevê meio milhão de doses de farmacêutica americana em janeiro
Mesmo sem o contrato fechado, o plano de imunização do Ministério da Saúde prevê que a Pfizer reserve 500 mil doses ao Brasil em janeiro. O documento ainda estima 2 milhões de doses da farmacêutica no primeiro trimestre. A soma até a metade do ano seria de 8,5 milhões de unidades. No segundo semestre, cerca de 61 milhões de vacinas chegariam ao País.
A ideia do ministério é usar as doses recebidas no primeiro trimestre para imunizar profissionais de saúde de capitais e regiões metropolitanas que atuam no combate à covid-19.
Antes de firmar um memorando de entendimento com a Pfizer, Pazuello chegou a comentar nos bastidores, de forma irônica, que a proposta da farmacêutica não servia nem para imunizar Brasília, que tem cerca de 3 milhões de habitantes. Em audiência pública no Senado, no último dia 17, Pazuello fez críticas às exigências da farmacêutica. Ele reclamou do número de doses oferecidas, além do pedido de assinatura de cláusula para isentar a empresa de responsabilidade sobre efeitos colaterais que a vacina ou de julgamentos em tribunais brasileiros. “Pasmem, estamos pensando em aceitar. É uma realidade, isso, claro, precisa passar pela decisão do governo e chancela do Congresso”, disse o ministro.
Bolsonaro também tem tratado a proposta da Pfizer com desdém. “Lá no contrato da Pfizer está bem claro: ‘Não nos responsabilizamos por qualquer efeito colateral. Se você virar um jacaré, é problema de você’”, disse em 17 de dezembro, em Porto Seguro, no sul da Bahia.
A principal aposta do governo federal é o imunizante desenvolvido pela farmacêutica AstraZeneca e pela Universidade do Oxford, que será produzido na Fiocruz. O laboratório brasileiro afirma que pedirá registro da vacina até a próxima semana. Nesta quarta-feira, 30, o Reino Unido autorizou o uso emergencial do produto.
Além disso, o ministério tem acordo para receber doses para 10% da população brasileira por meio do consórcio internacional Covax Facility, que ainda não definiu qual imunizante será ofertado. No caso da Coronavac, imunizante desenvolvido pela chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantã, o governo também possui apenas memorandos de entendimento, sem a obrigação de compra. As empresas ainda não pediram o registro do produto à Anvisa.
*Com informações do Estadão
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