Trabalho apresentado na EsAO, em 2020, defendia usar militares para impedir o retorno ao poder do PT..
Exército, no Rio de Janeiro, recomendou uma intervenção dos militares como “poder moderador” na política brasileira para enfrentar o Partido dos Trabalhadores (PT). No texto, o partido é descrito como uma “organização criminosa” ligada ao PCC (Primeiro Comando da Capital) que “deixou o estado à beira do fracasso” para implantar uma “revolução socialista”.
Intitulado “Partidos políticos no Foro de São Paulo: uma ameaça à segurança nacional” , o estudo foi apresentado em 2020 pelo capitão Diego Pereira Salgado e resgatado na semana passada por uma postagem de Piero Leirner, professor de Antropologia da Universidade Federal de São Carlos (UFscar) e pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
O capitão Salgado segue na ativa: recebe salário de R$ 16.351,65, segundo dados do Portal da Transparência do governo federal, atualizados até maio. Neste ano, o militar foi aprovado no processo seletivo da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme).
Foro de São Paulo, Farcs e ‘gayzismo’
O texto apresentado pelo capitão não está disponível no site da Biblioteca do Exército. Na página Internet Archive é possível encontrá-lo em duas contas: na Guerra_Cultural (onde o trabalho foi publicado em 2021) e na página Biblioteca do Professor Olavo (disponível desde fevereiro deste ano).
O estudo se baseia em teorias das conspiração espalhadas há anos pela extrema direita e que já foram largamente desmentidas, centradas no Foro de São Paulo, uma entidade criada em 1990 que reúne partidos e movimentos sociais de esquerda latino-americanos. O Foro é real, mas está longe de ter o poder de comandar nações imaginado por essas visões delirantes.
Além de falar sem provas de ligações do PT com o PCC, o autor menciona supostos elos entre o partido, o Foro de São Paulo e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Uma ligação desmentida pelo serviço de verificação de fatos Comprova, da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), que, numa verificação de um conteúdo compartilhado pelo deputado federal Nikolas Ferreira (PL), mostrou que integrantes das Farc foram impedidos de participar de uma reunião do Foro em 2005, na cidade de São Paulo, por determinação da secretaria do entidade, presidida na ocasião pelo PT.
Capitão: tese golpista
No texto para a EsAO, o capitão Salgado afirma que os governos petistas teriam promovido intencionalmente uma deterioração do Estado brasileiro, com suposta perda do protagonismo internacional, em obediência aos planos do Foro de São Paulo visando à criação da União das Republiquetas Socialistas da América Latina, a Ursal — um termo inventado como piada pela socióloga Maria Lucia Victor Barbosa, mas que passou a ser levado a sério em campanhas de desinformação.
A prova das intenções destrutivas do PT seria a adoção de políticas consideradas nocivas, como as cotas para negros e indígenas nas universidades públicas, o Bolsa-Família e o que o autor chama de “gayzismo”.
O autor adverte para o risco de o Bolsonaro perder as eleições em 2022 e o PT retornar ao poder, o que voltaria a colocar o Brasil em risco. Como solução, sugere um rompimento institucional comandado pelo Exército, que deveria voltar a assumir um papel de “poder moderador”, como teria praticado em vários momentos ao longo da história da República, inclusive na ditadura militar de 1964 a 1985.
“A ausência do poder moderador do Exército após o fim do regime militar é um dos motivos que permitiram a ascensão das esquerdas, culminando em mais de uma década de governos petistas com a formação do atual estado extremamente danoso à segurança nacional”, escreve o militar.
Na conclusão do estudo, o capitão Salgado afirma que, para enfrentar as “graves ameaças à segurança nacional” representadas pela existência do PT, as Forças Armadas, “em particular o Exército”, precisam “assumir a responsabilidade de exercer o poder moderador por intermédio do intervencionismo tutelado”.
O modelo não iria impor uma ditadura, na visão militar, mas um governo tutelado pelos militares. Como parte dessa estratégia, os militares deveriam usar as escolas militares para formar civis alinhados com a sua visão de mundo, destinados a ocupar quadros no governo “para implementá-la mediante o jogo político, com supervisão militar”.
Entre os autores citados, estão o jurista Ives Gandra Martins e o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, que comandou o DOI-Codi (Departamento de Ordem Interna — Centro de Ordem de Defesa Interna) e se tornou o primeiro militar a ser oficialmente reconhecido pela Justiça brasileira como torturador.
O curso em questão é o mesmo feito pelo ex-presidente Jair Bolsonaro em 1987, quando ele ameaçou explodir bombas em quartéis e no sistema de abastecimento de água do Rio de Janeiro. Embora tenha sido inocentado, a acusação o impediu de receber o diploma da instituição à época.